Alertas dos vizinhos de uma pedreira salvaram uma das águas mais raras de Portugal. Tudo falhou no Estado

1 mai 2023, 22:51

Inspeção revela as fragilidades da fiscalização de várias entidades públicas numa zona de Rede Natura dentro do perímetro de proteção da água de Monchique

Todas as entidades públicas falharam ao longo de vários anos na fiscalização de uma pedreira que chegou a atingir o aquífero da água mineral natural de Monchique. 

A pedreira foi fechada depois de insistentes denúncias dos vizinhos que acabaram por ser decisivos na preservação de uma das águas mais raras do país com propriedades únicas devido ao seu PH muito elevado.

O fecho da pedreira aconteceu em 2020, mas só ao fim de dois anos é que o Ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, aprovou, em dezembro de 2022, o relatório da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) que revela aquilo que correu mal ao longo de pelo menos uma década em Monchique. Ninguém, no Estado, fica bem na fotografia.

As críticas chegam à Câmara Municipal de Monchique, à Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG), ao Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR-A). 

Segundo o documento, "nenhuma das entidades licenciadoras teve uma atuação firme e medidas que as leis colocaram ao seu dispor para punir as continuadas infrações e os reiterados desrespeitos dos exploradores". 

“Tivemos razão”

Mariette Althaus, uma suíça de 78 anos que vive há mais de três décadas na Serra de Monchique, numa casa ao lado daquela exploração de uma espécie rara de granito, foi das que mais lutou contra a pedreira. 

Feliz com o relatório da IGAMAOT que lhe é apresentado pelo Exclusivo da TVI (do grupo da CNN Portugal) diz que o documento significa que “o combate, finalmente, acabou”. 

“Tivemos razão”, desabafa Mariette que recorda o papel que os vários vizinhos tiveram na persistente luta contra esta pedreira que teve um momento decisivo quando conseguiram alertar os responsáveis da Água de Monchique para aquilo que se estava a passar a cerca de um quilómetro de distância da captação da água mineral, dentro do seu perímetro de proteção.   

Aquífero superficial interceptado

A intervenção da Água de Monchique e a posterior avaliação da IGAMAOT travaram a pedreira em 2020 e o relatório agora divulgado confirma que “quer a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), quer a DGEG, bem como a concessionária da água mineral, convergem na afirmação de que o aquífero mais superficial já foi intersetado pela corta da pedreira”. 

A intercepção, segundo o documento, "pode pôr em causa a qualidade da água que abastece os furos existentes nas imediações da pedreira, como aumentará a vulnerabilidade dos escoamentos mais profundos à poluição, pondo em risco a qualidade do recurso hidromineral, cuja adulteração conduzirá à desqualificação". 

Um risco que segundo os responsáveis da sociedade que vende a água mais alcalina do país está hoje afastado: "Monitorizamos constantemente os valores e parâmetros da Água de Monchique e nunca a qualidade esteve afetada".

Água mineral "protegida"

Com a pedreira hoje ao abandono e cheia de água das chuvas, à espera de um plano de reabilitação da paisagem, "a prioridade, apesar da ausência de risco”, contínua a resposta por escrito enviada à TVI, é, “por questões de segurança das populações, vazar a água da pedreira e proceder-se ao escoamento, aproveitando para uma impermeabilização dos solos". 

A empresa garante que com a paragem dos trabalhos na pedreira “não existe qualquer perigo ou risco das águas paradas escoarem para o aquífero de água mineral que está a uma profundidade muito grande e devidamente protegido".

“Não há nenhum motivo para preocupação até porque a nossa água encontra-se a 900 metros de profundidade com uma qualidade físico-química muito estável há mais de 100 anos”, refere a Sociedade da Água de Monchique. 

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