Louise Trotter está a protagonizar uma pequena revolução
Vestir-se para o “olhar feminino” é um conceito que ganhou força no mundo da moda na última década. O termo surgiu, pela primeira vez, como uma resposta a um ensaio de 1975 da teórica de cinema britânica Laura Mulvey, que escreveu sobre a objetificação das mulheres a partir de uma perspetiva masculina no cinema - sendo mais prevalente, historicamente, no contexto das artes.
Nunca foi tão grande a necessidade de uma perspetiva feminina. Contudo, na moda de luxo, ela é particularmente escassa. O facto de os cargos executivos de topo nesta indústria serem ocupados sobretudo por homens é um segredo conhecido por todos. Atualmente, as estilistas nomeadas para liderar marcas de luxo são tão poucas que podem ser contadas pelos dedos de uma mão.
É isto que transforma a Bottega Veneta e a estilista que está à frente da marca, a britânica Louise Trotter, num caso tão peculiar. Recentemente, a parceria entre as duas provou ser virtuosa, com Trotter a apresentar a sua primeira coleção para a marca italiana durante a Semana da Moda de Milão, que decorreu no seu local habitual na área de Piazzale Lodi.
Ao contrário dos desfiles anteriores, organizados pelo antigo estilista da marca, Matthieu Blazy, que está agora na Chanel, desta vez o público confrontou-se com um cenário de relativa simplicidade. Só bancos de vidro Murano colorido dispostos para os convidados. Entre eles, as atrizes Julianne Moore, Uma Thurman, Michelle Yeoh; a estrela da série “Adolescência” Owen Cooper; ou RM da banda de K-pop BTS. Os participantes tinham muito pouca coisa para distraí-los das roupas.
Desde que se juntou à Bottega Veneta em janeiro, Trotter tem procurado chamar a atenção para as raízes da marca, enquanto “loja artesanal veneziana”, que é a tradução literal do seu nome. Há 59 anos, os fundadores Michele Taddei e Renzo Zengiaro abriram uma loja na cidade de Vicenza, no nordeste do país, onde vendiam produtos de discretos, elegantes e de alta qualidade. Hoje, o lado manual continua no centro da ADN da Bottega Veneta. Os produtos desta marca continuam a ser feitos por artesãos italianos nos seus ateliês. Foi também esse o foco da campanha publicitária da marca para 2025, também a primeira sob a direção de Trotter. A campanha retravava as mãos dos artesãos e dos embaixadores da marca, incluindo Tyler, the Creator, Jack Antonoff e Zadie Smith.
A decisão de Trotter em deixar o lado manual falar por si ficou evidente no desfile. Nele, o verdadeiro destaque foi para sapatos - havia uma grande variedade de saltos, mocassins e tamancos - e para as malas - muitas delas feitas com tecido de couro “intrecciato”, que é um exclusivo da Bottega Veneta. Não havia sinais da marca à vista. Nos bastidores, Trotter falou acerca da criação de uma “suavidade funcional” e o que significa “usar uma mala sem logotipos”. Para isso, “é preciso ter confiança”, afirmou.
As peças de roupa eram envolventes e apelavam ao toque. Havia muitas peças consideradas essenciais, desejadas em qualquer guarda-roupa, como os casacos de couro e de jacquard ou as elegantes calças. Notou-se também um lado experimental, visível nas blusas brilhantes em tons fortes, como um amarelo canário ou um vermelhão flamejante, ou nas saias que balançavam em todas as direções enquanto as modelos desfilavam ao som de uma banda sonora criada de propósito pelo artista britânico Steve McQueen.
Mesmo nos conjuntos aparentemente simples, era preciso ir além do óbvio. Por exemplo, um vestido, que foi apresentado na passarela em duas cores, preto e branco, tinha duas alças. Contudo, uma delas foi intencionalmente desenhada para cair do ombro. Nas funções anteriores, a desenhar para as marcas francesas Carven e Lacoste, Trotter sempre pensou no corpo como uma tela. Os seus desenhos não se agarram ao corpo nem fica solto. Ao invés, agem como esculturas, com a distância certa entre as peças e as pessoas. O resultado é, muitas vezes, um visual elegante e lisonjeador, que não é nem muito justo nem muito folgado.
Embora a maioria das marcas de luxo globais tenham enfrentado dificuldades nos últimos anos, com a desaceleração das vendas, a Bottega Veneta - que é detida pelo mesmo dono da Gucci, Saint Laurent e McQueen - tem-se saído melhor do que as suas concorrentes, com um aumento de 1% nas vendas no primeiro semestre de 2025.
O impacto de Trotter nestes resultados da Bottega Veneta ainda carece de confirmação. Contudo, a sua capacidade de criar desejo é essencial num ambiente com preços tão altos e onde as pessoas parecem estar mais preocupadas com outras coisas além da roupa. A influência desta criadora é evidente no facto de muitas mulheres consideradas elegantes - e cada vez mais homens, como é o caso do ator Jacob Elordi, que tem usado muitas vezes esta marca nas suas aparições públicas - estarem ansiosas para usar peças desta estilista, independentemente da marca para a qual ela trabalhe. É algo que, certamente, beneficiará o negócio.
Trotter confessou ter pensado em Laura Braggion, a primeira mulher a liderar a equipa criativa da Bottega Veneta, que também fez parte do lendário estúdio de arte de Andy Warhol, The Factory, em Nova Iorque. “Imaginei o seu percurso, a sua liberdade, o facto de ser um arquétipo da mulher italiana, a sua mudança para Nova Iorque. Para ela, foi uma libertação. Era isso que eu queria dizer”.