Quem não tem garagem, carrega pela janela. Condutores de elétricos colocam extensões em passeios para ligar o carro ao apartamento

20 nov 2022, 08:00

Imagens na internet denunciam carregamentos de veículos elétricos em Lisboa, com extensões ligadas às janelas de prédios. Políticos e especialistas responsabilizam a diferença de custos e o atraso no investimento em postos oficiais.

Henrique Sanchez lembra-se do dia em que adquiriu o seu primeiro carro elétrico, um Nissan Leaf com bateria de 24 quilowatts. Foi há precisamente 11 anos, numa altura em que viajava pelo país, e a única possibilidade de carregar o automóvel fora de casa era recorrendo a extensões gigantescas. Hotéis, restaurantes, quarteis de bombeiros, fosse onde fosse, procurava incessantemente uma tomada disponível para acumular alguns pontos de bateria e seguir caminho.

Entretanto deu-se o aparecimento de redes públicas e privadas de carregamentos. Um facto que, aliado ao aumento dos combustíveis e à crescente popularidade dos veículos elétricos devido às suas potencialidades ambientais e económicas, levou a que as vendas disparassem, especialmente nos últimos dois anos.

O problema é que atualmente “há um conjunto de pessoas nas grandes cidades que não tem forma de carregar o carro em sua casa”, lamenta Henrique Sanchez, atualmente presidente da UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos. Muitos prédios não possuem garagem ou qualquer tipo de estacionamento e, como consequência, vários proprietários estão “totalmente dependentes” dos postos de carregamento oficiais, sublinha o mesmo responsável. E embora estes postos tenham vindo a aumentar substancialmente, há ainda quem se queixe do facto de serem insuficientes e protagonize situações tão insólitas como uma extensão ligada à janela de um apartamento num sétimo andar. Imagens deste e de outros casos semelhantes geram indignação nas redes sociais por diversas razões. A saúde do veículo mantém-se ilesa, mas o mesmo não se pode dizer da segurança daqueles que por ali passam.

Imagem: Twitter @chartersazevedo/ Twitter @AlexandreGRosas

“Faltam postos” concorda Henrique Sanchez, adiantando, no entanto, que “em cerca de 80% do tempo, o carregador da rede pública está vazio. Só um quarto desta é que é utilizada”. Isto é, a perceção de que os carregadores são escassos “não é assim tão real”, uma vez que não usufruem destes na sua totalidade.

O especialista acrescenta que são instalados dezenas de carregadores todas as semanas em Portugal, e que rápidos e ultrarrápidos em atividade já são mais de mil. Por outro lado, ainda não chegaram a vários bairros, o que pode levar algum tempo. “Lisboa, Sintra, Queluz, Amadora, Loures, têm prédios muito altos, sem garagem. É muito complicado carregar o carro”, afirma.

Certo é que nas ruas de Lisboa, extensões intermináveis continuam a atravessar passeios para carregamentos proibidos, impedindo a livre circulação dos transeuntes. Mas porquê? O presidente da UVE indica duas possibilidades. A primeira, passa pela falta de postos de carregamento na área de residência dos condutores, ou nas proximidades. A segunda, trata-se da diferença de preços. “Até podem ter um carregador na rua ou no bairro onde vivem, mas preferem carregar em casa porque é muito mais barato”, esclarece. Enquanto na rede pública pagam cerca de 6,40 euros por 100 quilómetros, em casa é possível reduzir o valor para metade. E com uma tarifa bi-horária o preço pode inclusivamente descer para os dois euros. “É um terço daquilo que pagariam nos postos oficiais”, conclui.

Número de carregadores abaixo da média europeia

“Temos, de facto, que densificar a rede de carregamento”, defende Pedro Nunes. O analista em Energia e Clima na Associação Zero esclarece que, por cada automóvel elétrico, a potência de carregamento é de 0,8 quilowatts, ao passo que noutras cidades europeias como Amesterdão, Bruxelas, Londres e Berlim, essa potência é superior a 1,5. “Temos, aqui, um défice de potência de carregamento por carro elétrico”, sublinha.

O número de carregadores também está bastante abaixo da média europeia, que aponta para 73 carregadores por cada 100 mil habitantes. Portugal possui, no momento, cerca de 40. O país, que representa perto de 2,3% da área total da Europa, só detém 1,3% de todos os carregadores instalados no continente.

Para dar resposta à crescente adesão aos meios elétricos, o especialista sugere obrigatoriedade de instalação de pontos de carregamento em novos parques de estacionamento, bombas de gasolina e ruas, bem como nos já existentes. Também propõe um levantamento das zonas onde exista um maior registo de proprietários de elétricos, e apoios públicos para instalação de carregadores em condomínios.

“O anterior executivo municipal deixou pronto o regulamento da mobilidade elétrica. Iria acelerar o investimento em Lisboa, inclusivamente a parte dos operadores privados para reforço dessa rede”, diz Pedro Anastácio, vereador e deputado do PS na Assembleia da República. “Foi feita a consulta pública e o atual executivo ainda não submeteu o novo documento para apreciação da Câmara”.

Preocupado com as imagens que têm vindo a surgir na internet, o socialista garante que já foram exigidas respostas aos responsáveis da autarquia, mas sempre “com promessas sucessivas”. “As situações a que temos assistido constituem um perigo sério para o espaço público. Basta pensarmos num invisual a circular nas ruas”, alerta.

Pedro Anastácio descreve o “investimento assinalável” feito no anterior mandato, desde a implementação de uma empresa de carregamentos da EMEL, equipando todos os seus parques de estacionamento, à criação de três hubs, cada um com cerca de 12 postos de carregamento rápido: um no Restelo, outro em Entrecampos e outro no Parque das Nações. “Todos os parques da Câmara Municipal de Lisboa, incluindo privados, também foram equipados”, acrescenta. O que se passa “é que temos um objetivo de descarbonização, e ao mesmo tempo um conjunto de medidas contraditórias face a esse mesmo objetivo”.

Questionada pela CNN Portugal sobre os métodos alternativos de carregamento na via pública, a Câmara Municipal de Lisboa garante ter conhecimento das imagens que expõem esta situação. “Julgamos que acontecem devido a um défice de postos de carregamento públicos, e pela razão de que o valor a pagar é mais elevado do que carregar em casa”, diz Ângelo Pereira.

O vereador com o pelouro do Planeamento de Mobilidade refere que se encontra em estudo uma proposta para que os novos projetos de edifícios contemplem tomadas elétricas em todos os lugares de estacionamento. No caso dos residentes que não beneficiam de uma garagem privada, declara que a autarquia tem como objetivo “aumentar o número de postos de carregamento de veículos elétricos, de acordo com as metas estipuladas pela União Europeia”, e que a EMEL está a proceder à instalação de postos em todas as freguesias da cidade, de forma a garantir pelo menos um posto por freguesia.

Em relação ao Regulamento da Mobilidade Elétrica, garante que este se encontra em desenvolvimento e estará pronto o mais breve possível. “Apesar de ainda não estar aprovado, os operadores de postos de carregamento podem submeter o pedido de licenciamento e procederem à instalação dos respetivos”, remata.

Eficiência, consciência ambiental e poupança

Em Sintra, Telmo Azevedo convida-nos a espreitar a garagem da sua vivenda, onde carrega um Hunday Kauai para as deslocações em família. Tem-no há já cerca de três anos, mas o primeiro, adquiriu-o há 11.

A matrícula - “AD30RO” – ao lado de um emblema metálico a dizer “eletric”, não é uma simples coincidência. Rapidamente percebemos que estamos perante um verdadeiro entusiasta. “Adoro elétrico”, brinca. “Digamos que a matrícula foi um presente, e adequa-se perfeitamente”.

Nesta divisão rigorosamente equipada, o “adorado” Hunday cinzento não está sozinho. Uma mota BMW C Evolution com chamativos tons de verde encontra-se ao canto. Utiliza-a para se deslocar até ao trabalho e para outros trajetos a solo. “Permitiu-me fazer muitas poupanças em combustível e em estacionamento, principalmente em Lisboa”, elogia. Em sete anos, já economizou 9.500 euros face a um modelo a combustão da mesma marca, com as mesmas características.

Há mais de uma década nestas andanças, Telmo não hesita em enumerar os benefícios que a mobilidade elétrica lhe trouxe: “é eficiente, livre de combustíveis fósseis, com base em energias renováveis e baixou muito o custo diário das nossas viagens devido a este tipo de carregamento”. A verdade é que o próprio é um caso de investimento e sucesso. A possibilidade de manter uma casa a energia solar fotovoltaica, permite-lhe o menor custo possível. Já à noite, tem sempre a tarifa bi-horária e vazio. “Estamos a falar de 1,03 euros a cada 100 quilómetros”, explica. Na rede pública custa quatro vezes mais, mas garante que “não deixa de ser mais barato do que os combustíveis”.

Mas e quem vive num prédio sem estacionamento? “Mesmo para essas pessoas, compensa sempre”, afirma Telmo. “Esse tipo de pessoas também não carrega o carro a combustão em casa. Não guardam gasolina num jerrycan e vão lá abastecer durante a noite”.

O engenheiro informático argumenta que, quem tem um carro elétrico e não consegue carregar na sua habitação, também recorre a uma área de serviço. “O bom da mobilidade elétrica é que agora esses postos de carregamento não só estão nessas áreas, como já estão nos restaurantes, nos centros comerciais, nos supermercados e nos parques de estacionamento públicos”. Existem ainda tarifários que permitem a utilização desses mesmos postos durante a noite.

Outra questão pouco falada no que diz respeito à utilização destes veículos é que, enquanto um carro a combustível não pode produzir petróleo, um carro elétrico tem a capacidade de produzir uma percentagem da eletricidade que consome. Através daquilo que os condutores chamam de “travagem regenerativa”, ou com a simples desaceleração da viatura. Rita Gomes mostra-nos este método de poupança, enquanto dirige um Peugeot e-2008 100% elétrico dos pais. “Sobretudo dentro da cidade, quando há mais pára-arranca, há alturas em que o carro começa a carregar sozinho”, explica a jovem de 24 anos. “Dependendo da condução que a pessoa tem, dá para mais ou menos quilómetros”.

Ao contrário de Henrique e Telmo, Ana Rita Gomes é ainda uma novata no que concerne à mobilidade elétrica, mas a possibilidade de circular com o carro de família tem vindo a ceder-lhe alguma experiência. “Foi o meu pai que o adquiriu em 2020, através da empresa dele, porque temos benefícios fiscais se comprarmos um elétrico”, como por exemplo o retorno do imposto. Até à data conduzia um Citroen C3 “mais velhote”, a gasóleo. “Nota-se completamente a diferença. Era de 2005, fazia muito barulho, às vezes as peças saíam, a direção assistida chegou a deixar de funcionar”, lembra. Afirma que, apesar de ser um veículo bastante poupado, a alternativa elétrica ficou mais em conta. “Como estou sempre a carregar em casa a conta da luz é um bocadinho maior, mas fica mais barato”, explica.

A empresária admite ser favorecida pelo facto de viver na vivenda dos pais, em Azeitão, ao contrário de outros condutores que não possuem um lugar de estacionamento privado. São cerca de 80 euros a mais na fatura da eletricidade para carregar regularmente na totalidade, mas num posto de carregamento público o valor pode chegar aos quatro euros por apenas uma hora, e para cerca de 20% de bateria. “Esse valor ainda é qualquer coisa, por isso há pessoas que vão tentar contornar as regras para poupar mais um pouco” diz, referindo-se aos carregamentos proibidos na via pública.  

Ainda assim, assume dificuldades em encontrar postos de carregamento durante viagens de longo curso, em autoestrada. “Muitas vezes as estações de serviço dizem que têm carregadores, e quando lá chego não estão a funcionar”, conta.

Telmo Azevedo refuta esta ideia. “Já existem várias aplicações que nos mostram a que horas é que esteve ligado, quando é que foi usado, a última vez que foi usado e se está a comunicar. Isso é muito importante para a pessoa sentir segurança antes de fazer a viagem”. Empresas como a EDP, a Miio, e as próprias marcas dos automóveis oferecem atualmente esse mecanismo.

No final de contas, considera que não há justificações para não adquirir um veículo elétrico, a menos que as alternativas sejam, claro, os transportes públicos. Refere inclusivamente opções em segunda mão, essencialmente compradas no estrangeiro, que respondem aos diferentes orçamentos dos consumidores. “Além do custo ser mais barato do que os combustíveis, não pagam estacionamento em Lisboa, os custos de manutenção são inferiores, não pagam IUC” e, acima de tudo, “a plenitude que sentimos a conduzir, parecendo que não, é muito importante”.

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