"Vamos ter de nos habituar a viver com menos água". O alerta do ministro do Ambiente aos portugueses (e um aviso aos campos de golfe)

Agência Lusa , FMC
27 jun 2022, 09:50
Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente (Miguel A. Lopes/ Lusa)

Duarte Cordeiro garante que o Governo "não tem qualquer tipo de limitação na aplicação de restrições" de consumo de água

Os portugueses vão ter de se habituar a viver com menos água, alerta o ministro do Ambiente.

Em entrevista à Agência Lusa, numa altura em que o país vive uma das maiores secas de que há registo, o ministro do Ambiente e Ação Climática, Duarte Cordeiro, salienta que o mais importante é haver água para consumo das pessoas, e que se começar a faltar água o Governo aplica “as restrições que forem necessárias”.

“Não vale a pena, quem promove determinado tipo de investimentos ou infraestruturas, não ter em consideração que a água é um recurso escasso. E não temos qualquer tipo de limitação na aplicação de restrições quando tal é necessário. É o que temos feito”, disse Duarte Cordeiro, avisando que quem investe sem ter em conta a escassez de água pode ter consequências.

“É importante explicar que vamos ter de nos habituar a viver com menos água, todos, as atividades agroindustriais também, os setores económicos, e temos todos que olhar para aquilo que são as oportunidades que temos”, acrescentou.

Respondendo em concreto aos campos de golfe, o ministro pede aos investidores que olhem para o território e se salvaguardem. “Setores económicos que precisam de água é bom que invistam naquilo que lhes permite ter água, que é captações no mar, águas reutilizáveis, aproveitar a eficiência… têm mesmo de o fazer, não é uma questão de escolha.”

Conferência dos Oceanos em Lisboa

Duarte Cordeiro falava a propósito da Conferência dos Oceanos, das Nações Unidas, que esta segunda-feira começa em Lisboa e se prolonga até sexta-feira. No âmbito da conferência, a maior alguma vez feita sobre os oceanos, sob o tema “Salvar os Oceanos Proteger o Futuro”, realiza-se esta segunda-feira um simpósio de alto nível sobre a água, organizado pelo Governo e que será aberta por Duarte Cordeiro.

O simpósio, explicou o ministro, é “um dos mais importantes eventos laterais associados a Conferência dos Oceanos”.

E tem como objetivo “procurar construir nexos entre aquilo que é a importância da salvaguarda da água doce” e a preservação dos oceanos e a luta contra as alterações climáticas.

Portugal, defendeu o ministro, tem trabalho feito nesta matéria, porque passou de 15% das águas residuais tratadas em 1990 para 99% na atualidade. “E isso tem um reflexo imediato ao nível, por exemplo, das praias de bandeira azul”, este ano cerca de 430.

Ou seja, disse, ao mar vai parar água tratada, o que se reflete na qualidade das águas costeiras, o que se reflete também na biodiversidade marinha.

Nas palavras do ministro, o simpósio, cuja sessão de abertura conta com intervenções de quatro ministros e do subsecretário-geral da ONU para a Economia e Questões Sociais, Liu Zheenmin, servirá também para debater temas como as alterações climáticas, a adaptação à falta de água ou as novas fontes de captação.

“O simpósio é a ligação entre a água doce e salgada. Queremos fazer a relação da importância que o tratamento e preservação da água doce tem para a qualidade dos oceanos”, salientou Duarte Cordeiro, acrescentando que quando se fala da despoluição dos oceanos, da necessidade de preservação da biodiversidade, é importante ter a noção da importância da qualidade da água.

E essa relação com a água está também ligada, acrescentou, às alterações climáticas, à subida do nível das águas do mar, ao impacto na orla costeira, aos fenómenos meteorológicos extremos, mas também à capacidade de adaptação a situações de menos água e à gestão da seca, temas igualmente da reunião de alto nível.

No encontro desta segunda-feira vão ser assunto os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas relacionados com a água mas também as possibilidades de cooperação entre Estados. E nele participam mais de uma dezena de ministros e de responsáveis de organizações internacionais, entre eles o comissário europeu do Ambiente, Virginijus Sinkevičius.

A reunião desta segunda-feira antecede a Conferência da Água da ONU, em Nova Iorque em março do próximo ano, e visa contribuir para o processo preparatório dessa conferência, diz o ministro português.

A propósito da conferência o secretário-geral da ONU, António Guterres, lembra que, atualmente, 40% da população mundial é afetada pela falta de água, 80% das águas residuais são descarregadas sem tratamento no ambiente, e mais de 90% das catástrofes são relacionadas com a água.

Na entrevista à Lusa o ministro Duarte Cordeiro lembra que atualmente 34% do continente está em seca severa e 66% em seca extrema, e diz que em julho vai iniciar-se uma campanha de sensibilização sobre a matéria.

E não tem dúvidas, essas campanhas não podem parar. “Todo este trabalho tem de ter dimensão de continuidade, não podemos dizer que temos de preparar-nos para menos água e não ter um trabalho de sensibilização constante”.

Soluções para o Médio Tejo apresentadas em setembro

O Governo vai colocar em discussão em setembro três propostas para colmatar a falta de água no Médio Tejo, uma delas contemplando uma ligação entre os rios Zêzere e Tejo na zona de Cabril, disse o ministro do Ambiente.

Duarte Cordeiro explicou que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) está a concluir um estudo de “reforço da resiliência” nas zonas do Médio Tejo, onde há habitualmente problemas de falta de água, o qual deve ser colocado em consulta pública no mês de setembro.

A APA vai colocar uma avaliação ambiental estratégica, esperada em setembro, para discutir uma de três opções: uma ligação entre o Zêzere e o Tejo na zona da barragem de Cabril, “aproveitando o final da concessão da barragem”, fazer no rio Ocreza uma nova barragem, ou uma “solução mista”.

No ano passado o anterior ministro da pasta, João Pedro Matos Fernandes, já tinha admitido a possibilidade da construção de um túnel de 50 quilómetros entre a barragem de Cabril e Belver, sem transvases, para colocar mais água no rio Tejo. E que a outra solução seria o reforço de capacidade armazenada, em barragem, no rio Ocreza.

Em abril deste ano o PSD já tinha questionado Duarte Cordeiro sobre o estudo da APA, lamentando que nunca tivesse sido apresentado.

Duarte Cordeiro anunciou agora que as propostas devem ser apresentadas em breve, todas “salvaguardando sempre a hierarquia dos usos, que é a salvaguarda da água para consumo humano”, e todas no sentido de libertar água para o rio Tejo, sempre que haja necessidade.

O ministro considera importante ouvir autarcas, associações, e “todos os atores”.

“Queremos ser rápidos”, disse, acrescentando: “Diria que este ano é o ano em que se inicia a avaliação ambiental estratégica e o próximo ano já será de concretização de soluções e de início de procedimentos associados as opções que são tomadas”.

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