Professores e diretores esperavam uma maior concretização da entrevista do ministro da Educação, Ciência e Inovação à CNN Portugal. Saúdam o conhecimento e o reconhecimento dos problemas da Educação em Portugal, mas tinham esperanças em medidas concretas para os resolver
Satisfeitos por verem um ministro “conhecedor” dos problemas da Educação, mas “desiludidos” por falta de anúncio de medidas concretas para os resolver. Foi assim que os professores e os diretores viram a entrevista do ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, no CNN Town Hall, na noite desta quinta-feira.
“É encorajador ver um ministro da Educação que, ao contrário de outros, reconhece não só os problemas estruturais da escola pública, como também a importância crucial do trabalho dos seus profissionais, há décadas mal remunerados e desvalorizados. O reconhecimento de que os professores são a base do sistema educativo é um passo importante, assim como a intenção de tornar mais atrativa a sua carreira. A preocupação do ministro em reparar a avaria do elevador social, que é a escola pública, parece-nos sincera, mas algumas das propostas apresentadas inquietam-nos”, adianta o movimento cívico de docentes Missão Escola Pública, em nota enviada à CNN Portugal, enunciando “a atribuição de mais poder aos diretores e a alteração do modelo de concurso de professores” ou a “municipalização do ensino” como medidas que “podem agravar a instabilidade na carreira docente e criar uma escola menos participativa e ainda mais asfixiada democraticamente”.
O movimento diz que “reconhecer os desafios é um primeiro passo importante”, mas espera “que os atos correspondam às palavras”.
"Fiquei desiludido"
Ricardo Silva, professor de História na Escola Básica e Secundária D. Carlos I, em Sintra, esperava mais da entrevista de Fernando Alexandre: “Fiquei um pouco desiludido com aquilo que pude tirar das palavras do senhor ministro.”
“Honestamente, aquilo que sinto é que o diálogo, o diagnóstico e as intenções foram apresentados ainda de uma forma muito vaga. Fala-se da revisão da carreira, mas não se fala em que sentido. Fala-se da avaliação de desempenho, mas não se fala em que moldes. É muito difícil avaliar estas declarações, porque elas são muito vagas. Sobre a revisão salarial, uma resposta evasiva”, exemplifica.
“Falou-se de vincular os psicólogos às escolas. Mas não sabemos já que as escolas não têm psicólogos? Temos escolas e agrupamentos com 800 mil alunos e com apenas um psicólogo”, acrescenta.
"Nada de novo"
Os representantes dos sindicatos sublinham que não houve grandes novidades na entrevista de Fernando Alexandre. “Estive a ouvir com atenção, mas confesso que não houve da parte das questões que lhe foram colocadas nada de novo ou desconhecido. Veio reforçar publicamente aquilo que ele já tem dito. Assumiu como grande bandeira a questão da falta de professores. Assumiu que a centralização do processo de concursos terá de se manter. Fez um retrato que nos leva ao problema da falta de professores, que é aquilo que andamos há muito a dizer”, analisa Pedro Barreiros, secretário-geral da FNE.
“Enquanto ministro que tutela também o Ensino Superior, o que é que vai fazer com as instituições do Ensino Superior no sentido de as convencer a formar mais professores? Passará pelo investimento? E esse investimento passará pelo orçamento de 2025?”, questiona o dirigente sindical.
José Feliciano Costa, dirigente da Fenprof, afina pelo mesmo diapasão na análise à entrevista do ministro. “Hoje as aulas arrancaram com milhares de alunos sem aulas. Mas escolas têm outros problemas, nomeadamente a falta de assistentes operacionais, de psicólogos, escolas degradadas… Há um plano para a recuperação de professores que abandonaram a profissão, mas no plano que apresentaram falam em 500. É muito pouco ambicioso para um universo de 15 mil professores que abandonaram a profissão”, acrescenta.
O dirigente da Fenprof considera que o ministro “podia ter ido mais longe” na abordagem de questões como “formação, concursos, gestão das escolas ou a importância da valorização da carreira”. “Fizemos um estudo que concluiu que os professores trabalham, em média, mais de 50 horas por semana. Muito deste horário acontece porque há ilegalidades. Este ano, já detetámos horários com ilegalidades. São necessárias orientações claras para as escolas sobre os horários. É necessária uma efetiva valorização salarial. É necessário o fim dos obstáculos à progressão”, diz José Feliciano Costa.
"Aquilo que nós já sabemos"
Filinto Lima, presidente da direção da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), considera positivo que o ministro “não esconda os problemas” e “demonstre conhecimento dos mesmos”, mas “o que ele disse foi aquilo que nós já sabemos em relação ao momento e em relação ao grande problema do sistema educativo que é a falta de professores”. “Quem está ligado à Educação, quem tem acompanhado o tema sabe que não trouxe grandes novidades. Foi uma espécie de avaliação dos quatro ou cinco meses que está no Governo e mostrar a proatividade e a reatividade”, considera Filinto Lima.
“Falou da importância da integração dos alunos estrangeiros. Foi pena não ter dito que iria proporcionar às escolas condições que pudessem dar a oportunidade de acolher ainda melhor os alunos estrangeiros. A atual legislação limita a 5 horas o Português Língua Não Materna (PLNM) a um número mínimo de 10 alunos. Porque é que não colocam o PLNM quer o número de horas quer o número de alunos na autonomia das escolas?”, questiona.
Também Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) diz que não ouviu “nada de novo”, mas saúda, pelo menos, “a consciência completa e plena do ministro em relação ao atual estado da educação”. “Ao fim de cinco meses é muito interessante. Nota-se uma genuína vontade de resolver os problemas”, reconhece o dirigente da ANDE.
“Nenhum de nós sente que ouviu nada de novo. Ele não consegue resolver o problema da falta de professores. Há cerca de 1800 horários sem professores (ele fala em 1000, mas são cerca de 1800). É preciso garantir aos professores que ainda estão dispostos a ir para as zonas onde não há professores residência com qualidade. Nessa altura, haverá alguns com disponibilidade para aceitar”, sugere Manuel Pereira.
“Custa-me dizer isto, mas foi um discurso redondo, que fala dos problemas que todos conhecemos, com ar de conhecedor, mas soluções elas não existem”, remata.
Também a representante dos pais, Mariana Carvalho, considera que a entrevista do ministro “vai dentro daquilo que tem sido dito à Confap nas reuniões com este ministério”. “Registo a consistência em relação àquilo que tem sido dito nas reuniões. Não vejo grande discrepância”, resume.
O ministro da Educação, da Ciência e da Inovação, Fernando Alexandre, esteve, esta quinta-feira à noite, no CNN Town Hall e elegeu como a grande meta do seu mandato “acabar com os alunos sem aulas”. Reconhecendo a falta de professores como “o grande problema da escola pública”, Fernando Alexandre não hesita em responder: “Se garantirmos que a escola pública no final do meu mandato deixa de ter esta situação de alunos sem aulas, que não é razoável, volto descansado ao meu lugar em Braga.”