Ministra assume "total responsabilidade" pelo caos no INEM, mas descarta demissão: "Prefiro continuar a trabalhar para resolver o que está mal"

12 nov, 15:03

Partidos teceram duas críticas à atuação de Ana Paula Martins, com o PS e o Chega a dizerem que a ministra da Saúde não tem condições para continuar após a greve do INEM

Quase seis horas de audição e nada de novo foi adiantado pela ministra da Saúde sobre a greve dos técnicos de emergência pré-hospitalar ou até sobre a refundação do INEM, e poucos detalhes foram acrescentados ao que já foi anunciado para o Orçamento do Estado para a saúde - com acusações de o Governo querer esconder dados. 

O INEM acabou por ser o “tema quente” desta audição e da oposição vieram críticas e acusações de “mentira” e “negligência”, com o PS a levar, muitas vezes, por tabela. Em momento algum Ana Paula Martins pronunciou a palavra demissão, embora tenha garantido que assume “total responsabilidade” pelo atraso no socorro prestado pelo INEM durante a greve e do qual poderão ter resultado 11 vítimas mortais.

“Não tenham dúvidas de que, enquanto ministra da Saúde, assumo total responsabilidade pelo que correu menos bem e comprometo-me, em nome do Governo, a executar as medidas necessárias para a refundação do INEM”, disse Ana Paula Martins, ideia que foi repetindo durante toda a manhã, tal como a sua capacidade para “interpretar” os resultados das investigações em curso, seja pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), seja pelo Ministério Público.

O tom subiu quando o deputado socialista João Paulo Correia acusou a ministra da Saúde de mentir ao afirmar que não estava à espera da greve dos técnicos de emergência pré-hospitalar, acusação que a ministra rejeitou, acusando por seu turno João Paulo Correia de “falta de urbanidade”. “A senhora ministra mentiu, porque há provas, e a seguir vai responder e vai dizer se de facto o seu Ministério, o seu gabinete, a senhora ministra, a senhora secretária de Estado, o presidente do INEM receberam ou não receberam comunicações do sindicato” sobre a greve e os seus impactos, acusou o deputado socialista.

As acusações e imputações de responsabilidade a Ana Paula Martins multiplicaram-se, mas a governante nunca deu a entender que o seu cargo fica em causa, nem mesmo depois de serem conhecidas as conclusões das investigações em curso.

“Tenho uma longa carreira contributiva e uma longa carreira curricular e posso-lhe garantir que não dependo deste lugar para sobreviver nem para viver. Aliás, nunca o fiz, e por isso há uma coisa, senhor deputado que lhe digo olhos olhos, se efetivamente houver responsabilidades que a ministra da Saúde entenda que podia ter evitado, pode ter certeza que eu saberei interpretar esses resultados”, vincou a ministra, revelando que está ainda em cima da mesa “uma investigação” para saber se foram convocados os serviços mínimos para a greve, tal como a CNN Portugal já tinha noticiado.

Ministra reconheceu falhas no cumprimento de turnos durante a greve

A ministra da Saúde admitiu que no dia 4 de novembro, quando coincidiram as greves da função pública e a das horas extraordinárias por parte dos técnicos de emergência pré-hospitalar, “pelo menos um dos turnos de oito horas não cumpriu os serviços mínimos, por falta de recursos humanos”. 

No entanto, sobre as 11 vítimas mortais registadas durante o período da greve, a ministra não deu como garantida a relação entre falhas no atendimento e socorro do INEM e as mortes, dizendo que espera por investigações para “retirar consequências”. “Penso que nem o senhor deputado [Rui Cristina] nem mesmo os deputados que são médicos terão a infelicidade de relacionar [as mortes] com os meios de socorro, sem as devidas peritagens. Isso seria de uma responsabilidade muito grave”, respondeu Ana Paula Martins ao deputado da Iniciativa Liberal Mário Amorim.

Em declarações na audição conjunta das comissões parlamentares de Orçamento e Finanças e Saúde, no âmbito da discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2025, Ana Paula Martins sublinhou ainda a necessidade de rever o estatuto do INEM, para poder avançar com a refundação do instituto, mas disse que tal apenas poderá acontecer quando for nomeada uma nova direção, fator que está dependente da CreSaP, que só na passada sexta-feira enviou para Diário da República o aviso da abertura de um concurso, apesar de o Ministério da Saúde o ter pedido no dia 4 de setembro. 

Ainda sobre o INEM, Ana Paula Martins reconheceu um agravamento no serviço prestado, admitindo que o tempo médio de atendimento subiu de “12 segundos em 2021 para 36 segundos em 2023 e, entre 1 de janeiro e 31 de outubro [de 2024], o tempo médio de atendimento chegou aos 68 segundos”, algo que associou à “diminuição significativa dos técnicos entre 2023 e 2024”. “Temos hoje menos 483 [técnicos de emergência pré-hospitalar] do que deveríamos. Deviam ser 1.341”, reconheceu a ministra.

Ana Paula Martins aproveitou ainda criticar o ‘legado’ herdado pelos dois governos do PS, dizendo que “o INEM esteve praticamente abandonado” durante a governação socialista, mas, ainda assim, logo na sua intervenção inicial, quis deixar claro que não está em cima da mesa a sua demissão: “Prefiro continuar a trabalhar para resolver o que está mal, não fujo, não minto, não me escondo.”

Na audição desta terça-feira, a ministra da Saúde admitiu ainda que os Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) poderão evoluir para um corpo de profissionais mais diferenciado como os paramédicos.

Partidos queixam-se da falta de dados

No que toca ao Orçamento do Estado, que acabou por ficar em segundo plano nesta audição, poucas questões foram feitas e respostas dadas, mas a audição começou com queixas pela falta de dados na nota explicativa enviada aos deputados ao final da tarde desta segunda-feira, que acabaram por chegar duas horas depois de a audição ter começado.

A deputada socialista Mariana Vieira da Silva foi a primeira a queixar-se e acusou o Ministério da Saúde de ter “apagado” do Portal da Transparência do SNS os “dados quantitativos” de monitorização do Plano de Emergência para a Saúde, não existindo, por isso, “uma projeção para o ano seguinte”. “Ninguém sabe quanto vai crescer o investimento em cuidados de saúde primários, nas horas extraordinárias, o que vai acontecer às convenções. Sobre tudo o que é importante saber em termos de políticas de saúde, o Parlamento não sabe nada. O que é a senhora ministra quer esconder?“, questionou Mariana Vieira da Silva, dizendo que “temos razões para desconfiar que seja para reforçar as relações com os privados”. Em resposta, Ana Paula Martins negou que tenha havido um “apagão” na informação e garantiu que “os dados já lá estão, havia uma razão técnica para não estarem, não há nenhuma intenção de esconder coisa nenhuma”.

Das medidas para a saúde, saiu também a garantia de que “até 200 mil utentes” portugueses ou residentes em Portugal terão médico de família atribuído em Lisboa e Vale do Tejo. “Essas 200 mil pessoas virão da otimização das listas de utentes, que estamos a fazer com os médicos, em negociações com o Sindicato Independente dos Médicos.”

Quando questionada sobre o caos nas urgências de ginecologia e obstetrícia que se viveu este verão, Ana Paula Martins repetiu o que já tinha dito na apresentação do Plano de Reorganização para as Urgências de Obstetrícia e Ginecologia e de Pediatria: “Encerrar é exatamente aquilo que não queremos”. No entanto, e referindo-se à zona de Lisboa, admitiu que é preciso encarar a possibilidade de ter de concentrar urgências, como acontece no Centro Materno-Infantil do Norte. A ministra admitiu ainda a necessidade de criar centros dedicados à Obstetrícia de modo a fixar e atrair os profissionais. 

Sobre a situação atual do Hospital Fernando da Fonseca, que perdeu dez médicos recentemente, Ana Paula Martins reconheceu que “a situação no Amadora-Sintra é preocupante” e que o Governo vai “dar todo o apoio ao conselho de administração, que, por sinal, foi nomeado pelo anterior Governo”. A ministra da Saúde rejeitou “a técnica do passa-culpas” e garantiu que amanhã estará “numa reunião no Amadora-sintra para perceber o que poderemos fazer para apoiar”.

Na fase final da audição, Mariana Vieira da Silva fez uma terceira interpelação à mesa, acusando Ana Paula Martins de deixar “perguntas genericamente sem resposta”.

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