Só o ICNF tem "154 imóveis ocupados irregularmente por terceiros". Tutela argumenta com falta de recursos humanos para não ter um levantamento exato e exaustivo do seu património imobiliário
Falhas nos registos, dívidas, ocupações indevidas por terceiros, sem um sistema de controlo efetivo. É deste modo que a Inspeção-Geral de Finanças caracteriza a gestão feita pelo Ministério do Ambiente no que respeita aos seus imóveis. A análise focou-se num período de governação socialista, entre 2020 e 2022, onde era João Pedro Matos Fernandes quem tinha a pasta. Ainda assim, fica claro que há matérias que se arrastaram desde então, passando por Duarte Cordeiro e chegando ao novo Governo.
A auditoria queria perceber se essa gestão dos imóveis do Ministério do Ambiente era “efetuada de forma eficiente, regular e racional”. No relatório, homologado no final de julho pelo atual ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, percebe-se que não.
Primeiro, porque o anterior Ministério do Ambiente e Ação Climática não tinha noção do número exato de imóveis sob a sua alçada. A qualidade dos registos, mostra a auditoria da IGF, “revela insuficiências, não refletindo a situação integral e atual do património imobiliário do Ministério, apresentando erros e omissões”. O Sistema de Informação dos Imóveis do Estado (SIIE) dava conta de um “total de 1.880 imóveis”.
Além disso, a Unidade Ministerial de Gestão Patrimonial (UMGP) daquele ministério “não tem efetuado a supervisão da qualidade daqueles dados” por falta de recursos humanos com competências apropriadas, dispondo “apenas de um chefe de divisão”.
Na tentativa de apurar o universo de imóveis do Ministério do Ambiente, a IGF refere que só foi possível conciliar 380 imóveis através da informação da Autoridade Tributária e Aduaneira e outros quatro através do Instituto dos Registos e do Notariado, “face à ausência de um referencial comum”.
Dívidas e barreiras para liquidá-las
Contudo, as falhas na gestão do património do Ministério do Ambiente – hoje chamado Ministério do Ambiente e Energia, liderado por Maria da Graça Carvalho – não se ficam pelas dificuldades em identificar o número de imóveis. Mesmo nos imóveis conhecidos, o uso feito está longe de seguir as melhores práticas.
Basta ver que no início de janeiro de 2024 existiam sete entidades do Ministério do Ambiente com uma dívida de 11,9 milhões de euros “por não pagamento do princípio da onerosidade” – ou seja, por ocuparem imóveis pertencentes à tutela de que fazem parte. As dívidas mais antigas têm 10 anos.
A IGF concretiza mesmo que 2,4 milhões de euros envolvem a Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente, “que alega inexistência de verba no seu orçamento, apesar dos pedidos de reforço efetuados”.
Há dívidas, sim, mas a Unidade Ministerial de Gestão Patrimonial também não cumpriu o seu papel para liquidá-las: “não efetuou a monitorização e controlo do cumprimento do dever de liquidação das contrapartidas devidas pela utilização dos imóveis, conforme resulta da regulamentação aplicável”.
Edifícios ocupados indevidamente
Mesmo recebendo a informação sobre os imóveis que podem ser rentabilizados ou alienados, a Unidade Ministerial de Gestão Patrimonial não estava a conseguir tirar o melhor partido possível dos imóveis. Por outras palavras, o Ministério do Ambiente não sabe rentabilizá-los.
Basta ver o caso do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Esta entidade identificou 54 imóveis passíveis de alienação. Além dos 122 imóveis utilizados por terceiros, com base em protocolos assinados, o ICNF tinha “154 imóveis ocupados irregularmente por terceiros”, isto é, “sem fundamento legal”.
Os esforços para regularizar a situação foram “sem sucesso” até ao momento da auditoria da IGF.
Após a divulgação pública do relatório da IGF e da notícia da CNN, o ICN emitiu um comunicado onde garante que a "a identificação dos 154 imóveis que careciam de regularização foi feita por iniciativa do próprio ICNF, em fevereiro de 2022, tendo a informação sido remetida à Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), entidade que à data tinha competência na gestão do património do Estado". Segundo a mesma nota, aquando do envio desse inventário, "o ICNF solicitou à DGTF que se pronunciasse sobre os procedimentos que considerasse serem necessários adotar, com vista à regularização das ocupações em apreço, sem que tenha havido qualquer resposta dessa entidade". Ainda segundo o ICNF, no seguimento da auditoria levada a cabo pela IGF, essa informação foi posteriormente transmitida a esta entidade.
No comunicado enviado às redações, o ICNF recorda ainda que "o trabalho de identificação do parque de imóveis gerido pelo ICNF incluiu, ainda, a identificação dos edifícios com potencial de aproveitamento, no âmbito do Fundo Revive Natureza, tendo em vista a recuperação e valorização de imóveis públicos, na sua maioria localizados em espaços com valores patrimoniais naturais e com elevado potencial de atração turística" e que a "gestão de imóveis do Estado encontra-se sob a alçada da ESTAMO".
Recomendações a seguir
O processo de controlo dos imóveis do Ministério do Ambiente é dificultado pela falta de “processos físicos ou digitais” com a respetiva informação, pela falta de “manual ou normas” que definam procedimentos para todas as entidades, bem como pela falta de “ferramentas informáticas”.
No relatório da auditoria, a IGF deixa um conjunto de recomendações para “melhorar a eficiência, a racionalidade e o sistema de controlo interno da gestão do património imobiliário do Ministério”.
Uma delas passa por “dotar a Unidade Ministerial de Gestão Patrimonial de recursos humanos adicionais, por forma a assegurar o cumprimento das suas competências legais”.
“A entidade auditada aceitou as recomendações formuladas e o prazo de execução para a sua implementação”, refere-se ainda no documento.
NOTA: Notícia atualizada no dia 14/08/2024 às 12:00 com reação do ICNF