"Tinha liderança. Não se masculinizou, ajudou a criar um estilo novo": a histórica Alexandra Serrano Rosa contada por quem a conheceu

22 abr 2022, 13:48

Foi a primeira e única militar portuguesa instrutora de paraquedismo. Tinha 52 anos. Morreu num acidente esta quinta-feira: o sistema de paraquedas não funcionou

"É uma injustiça muito grande", diz o major-general Agostinho Costa à CNN Portugal. Emociona-se. Depois prossegue: "Estas coisas doem um bocadinho." Agostinho Costa também trabalhou com o pai da sargento-ajudante Alexandra Serrano Rosa. Conhecia ambos. É por isso que "estas coisas doem" mesmo.

Alexandra Serrano Rosa, de 52 anos, entrou em Tancos na mesma altura em que o major-general se encontrava no regimento. Filha do sargento-mor Serrano Rosa, "melhor fotógrafo em queda-livre e histórico paraquedista", a militar integrou "o primeiro grupo feminino que entrou para os paraquedistas". Morreu esta quinta-feira durante um salto de paraquedas no campo de saltos do Arrepiado, na Chamusca, Santarém. 

O major-general diz que a militar merece ser recordada pela "mulher extraordinária que foi". Emociona-se de novo. Agostinho Costa recorda a seguir que, enquanto se encontrava na Jugoslávia, soube que a então jovem Alexandra, na altura com 22 anos, tinha entrado para os paraquedistas em 1992 e que se tinha destacado entre os seus pares.

"Fez toda sua carreira como praça nos paraquedistas, depois concorreu ao curso de sargentos do exército e teve de fazer uma especialidade: porque os paraquedistas são uma especialidade e não uma arma, foi para transmissões. Ela efetivamente era uma paraquedista. Grande parte da sua carreira fê-la no hoje Regimento de Paraquedistas, na altura Escola de Tropas Aerotransportadas e Escola de Paraquedistas. Ela é a primeira mulher instrutora de paraquedismo. Era uma quedalivrista exímia, uma especialista de equipamento aéreo. Teve uma boa parte da carreira dela no centro de equipamento aéreo do atual regimento de paraquedistas, era especialista na área aeroterrestre."

"Destacava-se pela sua liderança"

O major-general lembra-se de Alexandra Serrano Rosa como alguém "bem-disposta, de espírito positivo, camarada", uma mulher que conhece "bem", com quem fez "saltos de queda livre em conjunto". "Ela alinhava perfeitamente com aquilo que são as tropas paraquedistas. Tinha liderança. Não se masculinizou, era uma mulher com classe, era uma mulher afável. Fez parte do primeiro grupo [de paraquedistas femininos] e dentro do grupo ela destacava-se pela sua liderança em relação ao grupo feminino, era muito respeitada pelas suas camaradas, era sobretudo uma boa pessoa", conta o major-general, lembrando que esta sua bondade vem de família. "Trabalhei com o pai, que é de facto, uma pessoa extraordinária."

O pai de Alexandra Serrano Rosa, o sargento-mor Serrano Rosa, estava no campo de saltos do Arrepiado esta quinta-feira, dia em que a filha iria fazer um salto de rotina, um salto de abertura manual para a manutenção de qualificação de paraquedista, e "deu-se a infeliz coincidência que fotografou a filha a entrar para o avião no último salto". As imagens foram publicadas pelo próprio pai no Facebook, horas depois.

"Eu não sei como como dizer! Um Pai não devia sofrer tal desgosto! Hoje, dia 21 Abril, tirei as últimas fotos à minha Menina. Ainda me deu um beijinho antes de entrar para o último voo! Não consigo dizer mais nada. As lágrimas são muitas", escreveu o pai de Alexandra no Facebook

"Ela imortaliza-se"

Alexandra quis fazer toda a sua carreira nos paraquedistas mas, conta o major-general Agostinho Costa, "estava a tomar conta de uma secretaria" no Campo Militar de Santa Margarida. "Uma mulher com esta qualidade, uma militar com esta qualidade, com a formação que ela tinha, uma instrutora de paraquedismo, uma quedalivrista exímia, uma técnica de equipamento aéreo, estava em Santa Margarida a tomar conta de uma secretaria. Mas isso são as coisas que este Exército tem que ninguém percebe", desabafa o militar. 

Agostinho Costa relembra ainda os tempos em que foi instrutor de Alexandra Serrano Rosa na Escola de Paraquedistas. "Era dedicada, esforçada, encarna tudo aquilo que se espera de um paraquedista. Tudo. O gosto pela adrenalina, pela camaradagem, aquele sentido que só se vive nos paraquedistas, um sentido verdadeiramente de amizade, uma disciplina de rosto humano. Os paraquedistas têm essa particularidade, acima de tudo são amigos."

E foi aí que Alexandra Serrano Rosa se começou a destacar. Juntamente com as colegas de curso "ajudou a criar um estilo novo e a inserir a componente feminina nas Forças Armadas". "Foi a Força Aérea que começou, e bem, a recrutar mulheres. Nós somos a única tropa especial que tem mulheres e eu sempre disse que ainda bem - e uma boa parte delas é melhor que os homens. Os paraquedistas nunca tiveram aquela ideia serôdia de que as tropas especiais são para os homens e, efetivamente, ela é uma das mulheres que o provaram: fez o curso de instrutores, que é um curso difícil, é um curso exigente, que exige capacidade física, dedicação, espírito de sacrifício, tem um salto em queda livre, e isso não tem nada que ver com o género, se se é homem, se se é mulher, é preciso é ter espírito para isso. E ela tinha-o, é um exemplo. Ela imortaliza-se ao ter morrido desta forma - num salto de rotina mas todos os saltos são um ato de risco. Todo o salto tem por inerência sempre um fator de risco. Às vezes nem sempre as pessoas entendem."

Agostinho Costa fala ainda numa "mulher que era destemida mas não inconsciente, pelo contrário". "Era uma pessoa afável, com quem se simpatiza à primeira vista, descontraída, como o pai. Ela tem o feitio do pai. O pai é uma pessoa extraordinária. Se Serrano Rosa já era um exemplo até pelo pai que tem.... Dói muito. É uma injustiça, é uma injustiça, é uma injustiça." Emociona-se de novo. "É uma dor de alma."

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