Faculdade onde a situação teve lugar está a analisar o caso, para adotar as "medidas adequadas". Miguel Seabra demitiu-se entretanto do cargo de coordenador de programas de doutoramento da Fundação Champalimaud
“O homem branco está em vias de extinção na ciência! Vamos comemorar o dia do survivor [sobrevivente]”. A frase constava no verso de uma folha a anunciar, nas instalações do Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC), da NOVA Medical School, um seminário especial a propósito do Dia da Mulher.
As palavras são escritas à mão, em letra maiúscula e contam com uma assinatura: Miguel Seabra, professor e investigador daquela instituição e também coordenador de programas de doutoramento na Fundação Champalimaud. O investigador, especializado na área da medicina celular e molecular, já foi também presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia, uma das instituições mais importantes na área da ciência em Portugal, responsável pela atribuição de bolsas de investigação.
Miguel Seabra, ex-presidente da FCT e Investigador Principal no CEDOC e na Fundação Champalimaud, decidiu deixar esta mensagem numa folha com a divulgação de um evento de comemoração do dia da mulher no CEDOC.
— dassy (@fodassyyy) March 7, 2023
É isto que temos.#womeninstem pic.twitter.com/ntyYqPkOno
A imagem correu as redes sociais, com múltiplas críticas, para evidenciar as dificuldades sentidas pelas mulheres na ciência, destacando, por exemplo, que é a figuras como Miguel Seabra que cabem as lideranças de instituições que permitem a atribuição de bolsas, prémios e oportunidades de progressão na carreira.
A situação levou a faculdade a criar uma Comissão de Avaliação para analisar o processo, enquanto Miguel Seabra já apresentou o pedido de demissão de coordenador do programa de doutoramentos da Fundação Champalimaud.
“Brincadeira para consumo local”
Contactado pela CNN Portugal, Miguel Seabra não mostrou disponibilidadeaté ao momento para explicar o episódio, tendo pedido o envio de questões por email, ao qual ainda não respondeu.
Ao Polígrafo, o médico confirmou a autoria do texto e assumiu “inteira responsabilidade pelo seu conteúdo”, dizendo tratar-se de uma “brincadeira para consumo local”, já que o seminário especial se tratava de iniciativa realizada por uma “colega e amiga”.
“Nada representam o meu pensamento, os meus valores e as minhas ações”, garantiu ainda o investigador quanto às palavras que escreveu. “Pelo que, publicamente, peço desculpa à faculdade, na pessoa da professora Helena Canhão [diretora], desde já, qualquer transtorno causado”
Faculdade abre investigação
À CNN Portugal, a NOVA Medical School diz que "lamenta e condena qualquer comportamento que atente contra os valores da igualdade, equidade, tolerância e respeito, pelos quais a Faculdade se rege".
Questionada sobre a adoção de eventuais medidas disciplinares sobre este caso, clarificou: "Perante o episódio protagonizado pelo Professor Miguel Seabra, que já apresentou um pedido formal de desculpa a toda a comunidade, a NOVA Medical School, como é boa prática, criou uma Comissão de Avaliação, à qual caberá tratar o processo com total transparência e isenção. A Direção da NMS adotará as medidas adequadas sob o parecer desta Comissão".
A CNN Portugal contactou ainda a Fundação Champalimaud, não obtendo qualquer resposta até à publicação deste artigo.
Qual o papel das mulheres na ciência?
Se o “homem branco” está “em extinção”, afinal que papel têm as mulheres na produção de ciência em Portugal? Os dados mostram um cenário animador, mas ainda cheio de desafios para o sexo feminino.
Segundo dados do Eurostat, em 2020, Portugal contava com 52% de mulheres cientistas e engenheiras.
Recentemente, a Comissão Europeia destacava Portugal como o quarto país com mais mulheres na ciência: 10% do total, acima da média europeia de 7%.
👩🔬👩💻How many #WomeninScience are in your country?
🇸🇪 13%
🇩🇰 11%
🇮🇪 11%
🇵🇹 10%
🇸🇮 10%
🇧🇪 10%
🇳🇱 9%
🇱🇹 9%
🇲🇹 9%
🇦🇹 9%
🇱🇺 9%
🇪🇪 8%
🇵🇱 8%
🇷🇴 8%
🇧🇬 7%
🇪🇸 7%
🇫🇮 7%
🇪🇺 7%
🇨🇾 7%
🇨🇿 7%
🇫🇷 7%
🇱🇻 7%
🇩🇪 6%
🇭🇷 6%
🇬🇷 6%
🇭🇺 5%
🇸🇰 4%
🇮🇹 4%
Stats on #WomeninScienceDay via @EU_Eurostat
— European Commission (@EU_Commission) February 11, 2023
Mas, nas universidades públicas, as mulheres continuam a ser minoria nas carreiras e cargos de topo. Um estudo que cita dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência mostra que, no ano letivo 2021/22, existiam 30.372 professores. Destes, 13.928 eram mulheres. Apenas um quarto das mulheres ocupa a carreira mais elevada, de professor catedrático.
Em novembro, a ministra da Ciência destacava um outro estudo, “Women’s Participation in Inventive Activity: Evidente from EPO data”, que concluía que Portugal tinha a segunda maior percentagem de mulheres inventadoras na Europa, com registos de patentes: 27%, mais do dobro da média europeia.