"Rapidamente": Ordem dos Médicos apela à criação de task force para medicina de guerra (e esclarece a questão dos comprimidos de iodo)

23 abr 2022, 16:00
Ambulâncias fazem fila no Hospital de Santa Maria

Bastonário defende que esta nova task force tem de estar ligada à segurança nacional. Para Miguel Guimarães, trata-se de "um debate importante e que tem de ser feito no país". Outra questão: os comprimidos de iodo são ou não uma resposta adequada em caso de conflito nuclear?

Há uma guerra em curso a centenas de quilómetros e ainda ninguém sabe se é uma guerra que ficará a essa distância ou se será uma guerra que terá a NATO - e consequentemente deixará de haver centenas de quilómetros a separar a paz dos atos bélicos. Mas há uma pergunta que se aplica a esta guerra ou a qualquer outra guerra futura: Portugal é capaz de prestar cuidados médicos a um elevado número de feridos num curto período de tempo?

A pandemia da covid, para a qual ninguém estava preparado, deixou uma base nova - a famosa task force. A Ordem dos Médicos defende que essa aprendizagem, que esse mecanismo da task force, deve ser replicado - e já - para que o país seja capaz de responder devidamente às necessidades das vítimas de um conflito armado. "Não estamos preparados, temos de nos preparar", diz à CNN Portugal o bastonário da Ordem dos Médicos.

Miguel Guimarães alerta que é urgente criar uma estrutura nacional capaz de coordenar este tipo de atividades durantes cenários atípicos como uma pandemia ou confronto bélico, à semelhança do que aconteceu com o processo de vacinação contra a covid-19, quando foi criada uma task force liderada pelo então vice-almirante Gouveia e Melo, agora almirante e chefe do Estado-Maior da Armada. "Neste momento, o mundo já percebeu que se a pandemia mexeu nisto uma guerra pode mexer também. Portanto, nós temos de evoluir rapidamente neste sentido. Precisamos de ter vários especialistas naquilo que se chama 'medicina de guerra'."

O representante dos médicos portugueses defende que esta task force de guerra deve ter profissionais com uma base de medicina geral, ortopedia, medicina intensiva, anestesialogia ou até pediatria, lembrando que são estas as especialidades mais diferenciadoras num cenário com diferentes tipos de traumas. "Estas pessoas estariam preparadas para intervir em situações especiais, independentemente daquilo que é a sua especialidade de base." O bastonário defende que além desta especialização em medicina de guerra vão ser necessários meios e equipamentos para que esta task force seja acionada em caso de necessidade. 

A saúde como "parceira da segurança nacional"

Para Miguel Guimarães, este é "um debate importante e que tem de ser feito no país", clarificando que, mesmo numa guerra, os grandes hospitais nacionais seriam capazes de receber e tratar um elevado número de feridos mas "à custa daqueles doentes habituais que ficam para trás, tal como aconteceu durante a pandemia". O bastonário defende que esta nova estrutura "tem de estar ligada à segurança nacional" e que deve ser criada "rapidamente". Mais: Portugal deve começar a olhar para a saúde também como uma parceira da segurança nacional, "porque há uma ligação intima e isto acontece já em vários países".

"Podemos pôr um hospital como o São João, o Santo António, o Santa Maria, o São José a tratar feridos de guerra. Melhor ou pior as pessoas vão fazê-lo, os médicos também conseguem tratar os feridos de guerra. A questão é que se não estivermos organizados, se não tivermos mais know-how, se não tivermos mais conhecimento, se não tivermos aquilo a que se chama 'medicina de catástrofe' perfeitamente definida em que várias pessoas podem ser especialistas nesta área, vamos responder a este tipo de situações à custa daqueles doentes habituais que ficam para trás, que foi o que aconteceu durante a pandemia."

O bastonário lembra que "através dos diagnósticos que deixaram de ser feitos" é possível ter enumerar-se o número de pacientes, sobretudo que sofrem de doenças crónicas, que ficaram para trás durante a pandemia de covid-19 e que tal não se deve voltar a verificar. "Em termos estratégicos, é aquilo que nós precisamos para ter uma resposta eficaz, rápida e sem estar a mexer demasiado com aquilo que é a nossa atividade de rotina. Aconteceu, tudo bem. Não estávamos preparados, o mundo também não estava preparado, mas neste momento o mundo já não pode dizer que não estava preparado."

Comprimidos de iodo: eficazes ou uma ilusão?

Logo nos primeiros dias da invasão russa à Ucrânia, a procura por comprimidos de iodo aumentou. Estas pílulas foram vistas por alguns como uma mais-valia para sobreviver a um ataque nuclear - mas será mesmo assim?

Miguel Guimarães começa por explicar que "estamos a falar de comprimidos especiais de cloreto de iodo, cuja dose se faz para proteger a tiróide". O bastonário realça que a tiróide é um órgão que mais facilmente retém radiação e que isso pode levar a casos de hipotiroidismo nos casos de exposição. "Para evitar isso, toma-se os tais comprimidos de iodo, que são dois comprimidos doseados a 65 miligramas", explica, lembrando que tal não será suficiente perante um míssil nuclear.

"Não é. Não se pode pensar 'como tomei os dois comprimidos, posso andar aí à vontade com a radiação toda no ar', não é assim", alerta o bastonário. O propósito deste tratamento é fazer com que o paciente seja capaz de "resistir mais tempo", impedindo que "a tiróide entre em colapso", porque se tal acontecer o organismo começa a falhar de forma global. Contudo, os dois comprimidos "não evitam os efeitos letais da radiação". "Numa guerra nuclear, a única proteção que as pessoas têm é ficarem fechadas em bunkers à prova de radiação, em abrigos atómicos" - como os que existem destinados a presidentes de alguns países do mundo. 

Questionado sobre se existe uma reserva nacional deste tipo de medicamentos, Miguel Guimarães diz que não, mas acrescenta que "não faz sentido ter uma reserva de comprimidos de iodo". "Os efeitos adversos de uma guerra nuclear não se conseguem controlar com os comprimidos de iodo."

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