Norte-americano preso em Portugal acusa Trump de ter ignorado denúncias de corrupção de "biliões de dólares"

13 set, 21:15

É acusado de uma grande burla do outro lado do Atlântico, mas garante que está a ser alvo de uma vingança por ter passado anos a tentar denunciar esquemas de corrupção no governo de Porto Rico

A história contada por Michael Scott Williams, alvo de acusações graves nos EUA e em Porto Rico, parece um filme: envolve um ex-milionário (ele próprio), luxos, uma ilha nas Caraíbas e denúncias de corrupção de biliões de dólares, mas também o FBI e a Casa Branca.

Parece irreal, até se ficar na dúvida, sobretudo quando se recebem confirmações de quem diz que, de facto, presenciou as tentativas que fez para expor a corrupção em Porto Rico, uma espécie de Estado satélite não-incorporado dos Estados Unidos da América - os porto-riquenhos são cidadãos dos EUA, por exemplo, mas não votam nas eleições; e apesar da autonomia em muitos assuntos, noutros estão dependentes daquilo que se decide em Washington.

Há 4 anos em Castelo Branco

Michael Scott Williams vivia há quatro anos em Castelo Branco com a namorada portuguesa até a polícia lhe bater à porta, no início de 2024, num apartamento arrendado num terceiro andar sem elevador, com um pedido de extradição para Porto Rico, onde é acusado de burla qualificada e manipulação de mercado, crimes punidos com penas de 20 e 25 anos de cadeia.

As acusações contra este antigo milionário, empresário, banqueiro e criador de um fundo de investimento não eram novas, mas até agora tinham ficado pela justiça cível.

"Desviou dinheiro para si próprio"

Em 2020 a comissão de valores mobiliários dos EUA (SEC) acusou-o de ter angariado de forma fraudulenta milhões de dólares com declarações falsas a investidores e desviado 6,3 milhões para financiar outros negócios e despesas pessoais, incluindo para pessoas da família e a namorada.

Os bens do fundo e de Michael Scott Williams foram arrestados para tentar devolver o dinheiro aos cerca de trinta grandes investidores que colocaram dinheiro nas suas mãos, tarefa que ficou a cargo Mark Kornfeld, uma espécie de gestor judicial.

Entrevistado pelo Exclusivo da TVI (do grupo da CNN Portugal), Mark Kornfeld recorda as acusações feitas pela SEC: "O senhor Williams pegou no dinheiro dos investidores, mas não investiu todo o dinheiro naquilo que prometeu e alegadamente desviou dinheiro para si próprio".

Youtuber em Castelo Branco 

Numa entrevista feita dentro da prisão de Aveiro, Michael Scott Williams nega as acusações de que é alvo pela comissão de valores mobiliários dos EUA e diz estar convencido que mais tarde ou mais cedo irá ser ilibado, sublinhando que nunca esteve escondido em Portugal.

Em Portugal vivia, segundo garante, das doações dos fãs do seu site e canal de YouTube dedicado ao jogo Dungeons & Dragons (Masmorras e Dragões) que de facto tinha muita atividade com dezenas de vídeos publicados nos últimos anos.

Se a parte da acusação da comissão de valores mobiliários dos EUA é pública e já era complicada, tudo se agravou mais quando no início do ano a polícia portuguesa lhe bateu à porta em Castelo Branco com um mandado de extradição para Porto Rico.

O advogado da cidade, Hélder Conceição, ficou a representar o antigo milionário e sublinha que a sua posição sempre foi apenas uma: aceita ser extraditado para qualquer um dos 50 estados dos EUA, mas está a lutar por todas as vias para evitar ser levado para Porto Rico.

A queixa contra Scott Williams foi apresentada por três entidades públicas de Porto Rico alegadamente lesadas num total de 7 milhões de euros, numa acusação de burla qualificada e manipulação de mercado, mas cujos pormenores ainda estão em segredo de justiça.

"Estamos a falar de biliões de dólares"

Se for para uma prisão de Porto Rico, Michael Scott Williams teme pela vida pois garante que durante anos, quando ainda era milionário e empresário na ilha das Caraíbas, tentou denunciar junto do FBI e da Casa Branca os esquemas de corrupção que presenciava.

"Estamos a falar de biliões de dólares, dinheiro que não se consegue gastar", refere o antigo empresário. 

"Ele estava a gerir um banco privado e sabia de onde vinha o dinheiro e para onde ia", acrescenta o advogado Hélder Conceição.

De acordo com Scott Williams, as denúncias que fez chegar à Casa Branca, na altura liderada por Donald Trump, esbarraram na indiferença da presidência norte-americana: "A administração Trump não quis saber; estavam a procurar a reeleição e não queriam perder o voto latino".    

Ex-agente do FBI e diretor de câmara de comércio confirmam denúncias

Michael Scott Williams e o advogado indicaram à reportagem da TVI vários nomes de pessoas em Porto Rico e nos EUA com quem o primeiro contactou entre 2017 e 2019 para o ajudarem a denunciar a corrupção na ilha das Caraíbas.

O Exclusivo da TVI passou o último mês a tentar falar com essas pessoas através dos seus contactos públicos, mas a maioria não respondeu. Chegaram, no entanto, duas respostas: a primeira de um ex-agente do FBI e a segunda de um antigo diretor-executivo da Câmara Nacional de Comércio de Porto Rico, com sede em Washington.

Frederick Graessle confirma um depoimento escrito que o advogado de Scott Williams entregou aos tribunais portugueses onde se pode ler que em dezembro de 2019 este disse a ele e a outro ex-agente do FBI que tinha provas de corrupção a envolver políticos de Porto Rico, que pretendia partilhar com o FBI e a procuradoria dos EUA.    

O antigo agente acrescenta que essas informações levaram muitos políticos poderosos a serem investigados e que Michael Scott Williams ficará em risco se regressar a Porto Rico.

Por outro lado, também o antigo responsável pela câmara de comércio, Justin Vélez-Hagan, confirma que em 2016 foi abordado por Michael Scott Williams com o objetivo de pedir ajuda para denunciar a corrupção em Porto Rico ao governo norte-americano. 

Justin Vélez-Hagan admite ainda que fez chegar à Casa Branca, mais precisamente ao chefe de gabinete do então vice-presidente de Donald Trump, um relatório escrito pelo ex-milionário agora preso na cadeia de Aveiro.

À espera da extradição

Duas decisões de tribunais portugueses já confirmaram a extradição para Porto Rico, mas o advogado Hélder Conceição recorreu para o Tribunal Constitucional, enquanto tenta contactar o FBI e a Casa Branca, agora liderada por Joe Biden.

"Se me querem extraditar... levem-me para Washington, não me importo. Não me enviem para Porto Rico. Se me enviarem para Porto Rico, acabou", apela Michael Scott Williams.

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