JAMOR: a promessa do Benfica que veio de muletas e a pesca... do melão

David Silva , Estádio Nacional, Oeiras
26 mai, 09:00
(Foto: Maisfutebol)

O Maisfutebol viveu a festa da final da Taça de Portugal entre os adeptos - conheça as melhores histórias

Não há jogo como este. A final da Taça de Portugal acarreta muito mais do que uma simples partida de futebol ou um troféu. Há adeptos como David Carreira (não falamos do cantor, está claro) que vêm sem sequer entrar no Estádio Nacional. «Em cinco finais do Sporting, só tive bilhete em duas», confessa o jovem ao Maisfutebol. Nas restantes vezes, ficou recolhido entre os pinheiros e os eucaliptos da mata do Jamor, em boa companhia de amigos e família. Desta feita, conseguiu arranjar ingresso.

Houve quem chegasse ao recinto antes das seis da manhã e já havia trânsito, tal era o entusiasmo dos adeptos e a consciência de que as instalações do Estádio Nacional são anacrónicas para o futebol moderno. Os adeptos do Sporting suspiravam ao subir a escadaria que dava acesso ao parque 1 e os do Benfica subiam e desciam entre os socalcos do parque 3. O estacionamento parece impossível para muitos mas, mesmo assim... o sacrifício vale a pena.

João Capucho sofreu uma lesão grave, mas não abandona o Benfica

No meio da festa vermelha e branca encontramos um jovem sem qualquer peça de roupa que o identificasse ao Benfica. Vinha acompanhado de um amigo. Mas havia algo que chamava a atenção - movia-se lentamente, apoiado em muletas. Não passou despercebido à reportagem do Maisfutebol e fomos tentar perceber a sua história.

Para nossa surpresa, acontece que esse jovem alto e esguio não era apenas mais um adepto do Benfica, mas também atleta do clube. João Capucho, internacional 27 vezes pela seleção portuguesa, veio com amigos viver a festa.

Perguntamos-lhe como contraiu a lesão e este respondeu, de forma humilde: «Num jogo contra o FC Porto, pelos juniores». Trazia as marcas de uma operação recente (e aparentemente dolorosa) no joelho esquerdo. Só após alguma insistência nossa revelou ser lateral-esquerdo dos juniores do futebol do Benfica. «Pode pesquisar», afirmou. O amigo Lourenço ajudou: «Ele é máquina, pode ter a certeza».

E, realmente, Capucho é um dos laterais portugueses mais promissores da sua geração. Titular nos juniores e utilizado na equipa B uma vez, a lesão sofrida em março é um contratempo na carreira. Para já, veio ver a final da Taça no Jamor e sonhar, com toda a certeza, em disputar uma partida destas um dia. Deixámo-lo viver o momento.

A carrinha ‘amuleto’ que foi revestida com «Deusébio»

Ainda na zona dos adeptos benfiquistas, encontrámos uma família à sombra de um toldo, acompanhada dos mais elementares víveres desta festa - churrasco e cerveja. Perguntaram prontamente se queríamos também um refresco, mas o trabalho não nos permite. O toldo soçobrava por vezes com o vento, mas a carrinha da família oriunda de Almada mantinha-se firme.

O veículo que chamava a atenção, uma Mercedes Vito de 2002, continha com um póster gigante da equipa campeã em 2015/16 e uma fotografia de Eusébio. «Atualmente, a carrinha é mais usada para as comemorações do Benfica», confessa o dono. «Já deu muitas alegrias, a última vez que veio cá foi há sete anos, contra o V. Guimarães. Quando venho para cá, trago sempre o posterzinho e o ‘Deusébio’», completa Alexandre Maio.

Questionámos Alexandre, se, para o ano, previa trazer um póster da equipa atual do Benfica na carrinha. Este riu-se. «Gostava muito que estivesse, mas esta equipa não tem a mesma craveira. Falta ali garra», explicou, como que prevendo o resultado final.

O adepto benfiquista veio até ao Jamor em 1996 e não a recorda final por bons motivos, apesar do Benfica ter ganho a Taça. «Lembro-me do incidente com o very-light. Tinha 16 anos, vim com o meu pai. Foi algo que nunca devia ter acontecido. Foi uma vitória amarga e quem comemorou na altura, não pode gostar de futebol», afirma, sublinhando o respeito que os adeptos devem ter mesmo sendo de clubes rivais.

Porco de 120 quilos durou meia dúzia de horas e o melão... ficou para o fim

Percorremos algumas centenas de metros até à zona dos adeptos do Sporting, no meio do pinhal do parque 1. Com o aproximar do fim da longa escadaria começamos a ouvir as músicas mais tocadas em Alvalade. O ambiente é de festa, numa altura em que o clube é bicampeão e ocupa a 'mó de cima' do futebol nacional. «É mais fácil ter este ambiente quando se ganha», admite David Carreira, jovem entusiasta do Sporting. «Mas quando acabávamos em quarto em quinto era quase a mesma coisa».

Ele veio da Roussada, aldeia de Mafra, juntamente com família e amigos, pelo raiar do sol. O Jamor é quase uma romaria para David Carreira, uma tradição passada pelo seu avô, que morreu em 2024. «Domingo de Jamor é dia de vir de autocarro para aqui. O meu avô ensinou-me isso e quando tiver netos é isso que vou fazer», garante o jovem de 21 anos. «Jamor é convívio, união e humildade».

Televisão, cerveja, cadeiras e... um porco no espeto. Tinha 120 quilos, mas já pouco dele restava pelas 15 horas. Após a insistência dos mestres do churrasco, aceitámos um pouco da febra e não nos arrependemos. Perante estas mordomias, David pergunta: «O que se pode pedir mais?»

A alguns metros de distância, outro pormenor da festa salta à vista. Uma piscina insuflável destinada aos mais pequenos é utilizada por graúdos como... congelador. No calor do Jamor, é preciso engenho para manter fresca a cerveja. E foi isso que fizeram adeptos dos dois clubes, que iriam assistir juntos ao encontro na televisão. «Somos uma mistura de amizades de longa data e outras de circunstância», afirmam, entre gente oriunda de Évora, Tavira e Fafe.

Acima de tudo, nota-se a boa disposição. Com uma cana de pesca, um adepto do Sporting tentava sacar da piscina um dos patinhos de borracha que flutuavam no meio das bebidas alcoólicas. Uma espécie de salvamento, que demorou, mas aconteceu. Toda a gente celebrou o feito. No meio da piscina, um elemento destoava dos restantes - um melão. «Esse está guardado para o final», brinca uma adepta do Benfica.

Ninguém o queria, mas o fruto pertenceu mesmo às águias, após um duelo de 120 minutos no Estádio Nacional. Já se sabe que a festa do Jamor acontece sobretudo antes do apito inicial. Depois disso, a alegria só pertence a um lado. Para o ano há mais - é essa a beleza do futebol.

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