João Carvalho: «Faltou tempo a Carvalhal, mas o Olympiakos vive sob enorme pressão»

16 jul, 09:07
João Carvalho (Milos Bicanski - UEFA/Getty)

Médio formado no Benfica terminou contrato com o Olympiakos, depois da conquista da Liga Conferência. Ao Maisfutebol, João Carvalho relata as lições de Carlos Carvalhal, a epopeia europeia e o regresso a Castanheira de Pera - Parte I

A conquista da Liga Conferência e a camaradagem entre a «armada lusa» no Olympiakos foram os pilares da última temporada de João Carvalho. Para o rescaldo de um ano em que conheceu três treinadores – entre os quais Carlos Carvalhal – o médio, de 27 anos, foi a boleia do Maisfutebol num final de tarde.

Do reencontro com David Carmo às reuniões e apostas sobre a Liga portuguesa – e sem esquecer Castanheira de Pera – João Carvalho aponta a um projeto onde se sinta «desejado».

Leia também:

Parte II: «David Carmo está acima da média e foi uma agradável surpresa no Olympiakos».

Parte III:  «É decisivo trabalhar a força psicológica, todos os dias».

Formado no Benfica – num ciclo de 15 anos – João Carvalho assinou pelo Nottingham Forest em 2018, a troco de 15 milhões de euros. Ao cabo de duas épocas, o médio foi emprestado ao Almería, da II Liga de Espanha.

No regresso, em 2021, jogou por oito ocasiões pelo Nottingham, antes de assinar pelo Olympiakos, em janeiro de 2022. O português foi, então, peça essencial na conquista do bicampeonato. Ainda assim, no verão seguinte, seguiu para novo empréstimo, desta feita ao Estoril.

Esta temporada, no derradeiro ano de contrato com os gregos, nem esperava ser aposta de Diego Martínez. Todavia, o suor da pré-temporada convenceu o treinador espanhol a manter o médio no plantel, na companhia de Daniel Podence. Foi o bilhete para a montanha-russa dos «Thrylos», do Pireu a Birmingham.

Maisfutebol: O contrato com o Olympiakos terminou. Há novidades?

João Carvalho – Tudo em aberto. Haverá novidades ainda este mês. Queremos sempre tudo para ontem, mas há negociações em curso.

MF – Regressou à Grécia depois do empréstimo ao Estoril. Suponho que este ano não se tenha desenrolado como esperado [29 jogos, um golo, duas assistências]. Ainda assim, foi uma época repleta de peripécias.

J.C. – Tanto a nível individual, como coletivo. Foi das épocas mais estranhas que vivi, com três treinadores. Mas, a conquista da Liga da Conferência e as celebrações fizeram tudo valer a pena. São momentos inesquecíveis.

MF – Começa como titular, depois é relegado para o banco e instala-se uma alternância. Como se gere esta situação, perante diferentes ideias de jogo?

J.C. – Como qualquer pessoa, queremos o melhor no nosso emprego. A carreira atravessa momentos diferentes. Na última época nem era para integrar o plantel, mas, graças ao meu trabalho, o treinador Diego Martínez acabou por me incluir. Consegui bons minutos no arranque da temporada.

MF – Em dezembro, Carlos Carvalhal assume o comando técnico. Seria o mote para renovar energias na disputa pela liderança da Liga?

J.C. – Os reforços de janeiro ajudaram, porque aportaram qualidade. Mas, o mister Carvalhal não teve tempo para trabalhar e foi substituído pelo mister José Luis Mendilibar.

MF – Portanto, a saída de Carlos Carvalhal, em fevereiro, ao cabo de 11 jogos – e cinco vitórias – foi surpreendente?

J.C. – Face ao clube em questão, acaba por não surpreender, porque é uma estrutura algo instável e que vive sob enorme pressão. Faltou tempo para o mister Carvalhal trabalhar.

MF – Ficou alguma lição dessas semanas?

J.C. – Dos três treinadores, foi aquele que mais trabalhou os aspetos táticos. Sabemos quão bem se faz este trabalho em Portugal. Jogando no estrangeiro, concluo que esta preparação – tática e física – é mais trabalhada nas equipas técnicas portuguesas.

MF – Em dezembro caem para a Liga Conferência. Alguma vez sonharam em conquistar a prova?

J.C. – Não se paga para sonhar, mas sabíamos que seria muito complicado, e teríamos de pensar jogo a jogo. Acreditámos sempre e estávamos cientes da nossa qualidade. Num dia bom, seria muito difícil nos derrotarem.

MF – Nos «oitavos», diante do Maccabi Telavive, desenrola-se um dos principais jogos da última edição. Perderam 1-4 [em casa], mas venceram 1-6, no prolongamento. Como se opera a reviravolta nesta eliminatória?

J.C. – Ambos jogos foram atípicos. O primeiro resultado não foi justo. Éramos a melhor equipa e sabíamos que seríamos capazes de dar a volta. Nunca duvidámos das nossas possibilidades.

MF – Ante o Fenerbahçe ganharam nos penáltis, em Istambul…

J.C. – O ambiente é semelhante ao da Liga grega, um estádio fervoroso. Ainda assim, é sempre difícil. Ainda que não fossemos favoritos nessa eliminatória, acreditámos na qualificação. Foi esse o segredo.

MF – Encararam as meias-finais já de olho na conquista?

J.C. – Jogar frente a Aston Villa ou Lille nunca seria fácil. Era um sonho, mas nunca foi tópico de conversa. Lá está, num dia «sim» poderíamos derrotar qualquer equipa.

MF – O termo «choque» foi adequado para descrever a vitória do Olympiakos sobre o Aston Villa?

J.C. – Eram os favoritos. Ganhar em Birmingham, por 2-4, foi surpreendente, até porque estavam a fazer uma época incrível, tanto na Premier League como na prova europeia. Vencendo por dois golos, sabíamos que seria muito difícil darem a volta na Grécia.

MF – Como se conjuga a ambição na Europa com a obrigação de encurtar distâncias no campeonato?

J.C. – Jogámos muitas finais nos últimos dois meses. No campeonato fomos infelizes, mas também foram deduzidos três pontos de forma injusta, no início.

[O Olympiakos foi terceiro, a sete pontos do PAOK] MF – Fica essa mágoa?

J.C. – Éramos a equipa com mais qualidade…

MF – Ainda assim, houve aquela noite em Atenas. Como descreve a conquista da Liga Conferência?

J.C. – Incrível. Os adeptos não desiludiram. O Olympiakos é conhecido pelos adeptos aguerridos, e assim foi, uma vez mais. Vimos uma imensidão de pessoas nas ruas. Guardarei esses momentos para sempre. Pouco se dormiu, até porque queríamos voltar a Portugal para festejar com as nossas famílias.

MF – Ayoub Kabbi – ponta de lança marroquino – foi uma das estrelas do Olympiakos, com 11 golos na Liga Conferência [de um total de 19] e outros 17 na Liga grega. Aos 31 anos, onde poderá chegar?

J.C. – Provou a sua qualidade, não só na Liga, como na prova europeia. Fez golos importantes. Por isso, pode jogar em qualquer campeonato.

MF – Tinha algum camarada de eleição no Olympiakos?

J.C. – Nos primeiros meses [em 2022] tive o Rony Lopes, Oleg Reabciuk – formado no FC Porto e que jogou no Paços Ferreira – e o Tiquinho Soares. Estávamos sempre juntos. Foram importantes. Este ano fui vizinho de um argentino, do Santiago Hezze, e acabou por ser o meu melhor amigo.

Da esquerda para a direita: João Carvalho, Santiago Hezze e Francisco Ortega ((Boris Streubel - UEFA/Getty).

MF – O Olympiakos, além da Liga Conferência, também conquistou a Youth League. Como descreve jovens como o guarda-redes Antzelo Sina, e os médios Theofanis Bakoulas – que jogou no Pinhalnovense – Antonis Papakanellos e Christos Mouzakitis?

J.C. – Cuidado com a pronúncia dos nomes! [risos] Treinaram connosco, têm qualidade e é de lamentar a falta de condições na II Liga grega. Não é competitiva, nem aliciante. Mas, estes jovens treinaram connosco e enriqueceram o grupo. Vamos ouvir falar deles.

MF – Que memórias guarda da Grécia, fora do futebol?

J.C. – É um país semelhante a Portugal, é sempre agradável estar em esplanadas, com o mar ao lado de casa. Sabe a Portugal. Estive com a minha esposa e o meu filho, e foi uma vida boa e confortável para eles. Melhor do que em Inglaterra, um país chuvoso e frio.

MF – Foi fácil a integração na sociedade grega?

J.C. – Uma vez que o Olympiakos é de Atenas – o principal ponto turístico – o idioma mais escutado é o inglês.

MF – Estas semanas de férias permitiram passar por Castanheira de Pera?

J.C. – Voltei à terra natal no princípio de julho e foi muito bom. É sempre bom voltar a casa.

MF – Quais os seus hobbies?

J.C. – As minhas férias foram diferentes este ano, pelo que tentei visitar amigos e família. Nunca dá para estar com todos. Tentamos organizar jantares e boas conversas. Quando estamos os três – eu, a minha esposa e o nosso filho – pausamos o uso dos telemóveis e «desligamos». Aproveito também para jogar ténis e fazer praia. Quanto a música, nem ouço. Prefiro uma boa conversa, perceber o que pensa quem está ao meu lado.

MF – E planeia o futuro para lá da carreira como atleta?

J.C. – Terminei o 12.º ano, mas dependerá do fim da carreira como jogador. Neste momento não me vejo como treinador. Daqui a alguns anos direi!

Patrocinados