Treinou com Jesus no Flamengo, joga na distrital e é viral no Tik Tok

28 fev 2023, 09:17
João Barata (Nogueirense)

João Barata jogou com alguns dos jogadores mais promissores do Brasil na formação, como o seu grande amigo Rodrygo, do Real Madrid, mas a transição para sénior ainda não seguiu o rumo que esperava. Teve tudo acertado para rumar aos sub-23 do Portimonense, pela mão da estrela do futsal Falcão, mas um revés conduziu-o à divisão de honra da AF Porto. Agora, sente que deu um passo atrás para dar dois à frente

"Conto direto" é a rubrica do Maisfutebol que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

João Barata, defesa/médio de 22 anos do Nogueirense

«Cresci na cidade de Santos, em São Paulo. Só me lembro de bola, o meu pai sempre me deu bolas porque também foi jogador, levava-me aos jogos dele e era a toda a hora futebol. Jogava na rua, no bairro, em todo o lugar e cresci assim, só a pensar na bola.

O meu pai trabalha no Santos, foi jogador e está no clube há muito tempo. Comecei a jogar com cinco anos. Entrei no Santos, para o futsal, depois aos 11 passei para o futebol.

João com Rodrygo, agora no Real Madrid, nos tempos da formação do Santos (Arquivo Pessoal)

O Rodrygo é meu amigo desde os oito ou nove anos. Fomos adversários no futsal, ele era do São Paulo e eu do Santos. No ano seguinte, ele veio para o Santos e tornámo-nos melhores amigos. Mantemos contacto até hoje, continuamos melhores amigos.

Também joguei com o Reinier, que foi vendido para o Real Madrid, o Lázaro que está no Almería. Há muitos por aí espalhados, como o Wendel Silva, que está no FC Porto B.

João e Rodrygo ainda mantêm laços de amizade (Arquivo Pessoal)

Fiquei até aos sub-15 no Santos, fui dispensado e fui para outro clube da cidade, o Portuguesa Santista. Fiquei lá em sub-16 e sub-17, reuni algum material de vídeo e fui para o Flamengo.

Estive cerca de dois meses em avaliação no Flamengo e fiquei. Viajei para os Países Baixos, jogámos em Amesterdão e também fomos campeões cariocas no primeiro ano de juniores.

O Flamengo não tinha muitos trincos e na avaliação estavam cinco para essa posição. A cada semana, dispensavam um, até que sobraram dois, eu e outro rapaz. Fiquei um mês a pensar se me iriam dar uma resposta, até que me disseram que me iam dar um contrato de um ano. Foi uma experiência muito boa.

Alguns dos meus colegas estavam no último ano de júnior e eu nunca tive um empresário. Mesmo para ir para o Flamengo foi por mim, pelo meu futebol. Nunca houve ninguém a correr por mim, embora o meu pai me tenha ajudado em algumas coisas. Sempre achei que comigo era tudo mais difícil. Se cheguei ao Flamengo sem empresário nenhum, quer dizer que realmente sou bom e consigo conquistar coisas maiores. Fez falta um agente nesse momento, pois podia ter conseguido algo melhor, mas está tudo bem.

O primeiro troféu que conquistou com o Flamengo, nos Países Baixos (Arquivo Pessoal)

O período no Flamengo foi muito bom e importante, até porque nunca tinha jogado num clube tão grande. Olhava para o lado e via muitos jogadores bons, um nível muito alto, melhorava a cada dia. Foi uma das maiores experiências da minha vida. As estruturas do clube, os treinos… quando o mister Jorge Jesus lá chegou, a atmosfera mudou. Cheguei a fazer um ou dois treinos com ele.

No dia seguinte ao jogo, os seniores que não jogavam ou não tinham sido convocados, treinavam e chamavam alguns juniores para compor o treino. Ele fazia um jogo, cheguei a jogar contra o Diego Ribas. O mister nos jogos já gritava muito, deu para acompanhá-lo um pouco e fiquei fã.

As pessoas gostavam muito dele e respeitavam-no muito, até por ser quem era. Ele brincava muito com os seniores, nós víamos isso de longe, é muito boa pessoa.

O Flamengo tornou-se o que é hoje quando o mister chegou. Conquistou a Libertadores, quatro títulos num só ano, o nome dele está marcado na história do Flamengo como um dos maiores técnicos que passou por lá.

Acho muito importante a presença dos treinadores portugueses no Brasil, até porque estão a revolucionar o futebol de lá. As teorias, o modo de jogar… quando vim para cá senti que era muito difícil porque aqui existe muita tática, um futebol muito intenso. Estão a ter muito sucesso lá, como o Abel, o Luís Castro, o Vítor Pereira, que fez uma bela campanha no Corinthians. Os portugueses estão na melhor fase no Brasil, são os melhores treinadores do país atualmente.

Fiquei um ano no Flamengo. Quando o meu contrato estava a acabar, nesse primeiro ano de juniores, não estava a jogar muito e disseram-me: ‘Barata, é melhor procurares espaço noutro lugar’. Eu entendi, peguei na carta e saí. Fui para o Água Santa, onde me destaquei mais e fiquei dois anos lá. Joguei a Copinha, um campeonato muito importante no Brasil, estive bem, mas estive algum tempo parado depois disso.

Quando acabou a Copinha, eu tinha um contrato de formação, mas achei que ia ficar, que iam renovar. Não deu certo, mas também não corri atrás de nada, até porque não tinha agente. Fiquei de fevereiro a junho parado, a treinar em casa.

João Barata cumpre a primeira temporada ao serviço do Nogueirense (FOTO: Nogueirense)

O Falcão é muito amigo do meu pai e tinha um contacto no Portimonense para que eu pudesse jogar nos sub-23, a Liga Revelação. Vim para Portugal em julho do ano passado, fiquei um mês e meio no Portimonense, mas houve um problema porque só podiam inscrever sete estrangeiros. Acabei por não ficar lá e voltei a ficar parado aqui em Portugal. Tinha um amigo cá, o Marcelo, fiquei na casa dele e o filho do presidente do Nogueirense, que é amigo do Marcelo, disse-lhe: ‘ele está parado, já jogou no Flamengo, podias trazê-lo para cá’.

Como estava sem clube, disse que não ia voltar para o Brasil, queria jogar. O Nogueirense abriu-me as portas, é uma vitrine, onde estou a poder jogar e mostrar o meu futebol. Está tudo a correr bem.

É muito diferente, um pouco mais abaixo do nível, os juniores do Brasil são um pouco mais difíceis do que a competição em que estou, mas coloco na minha cabeça que é uma vitrine. Há sempre alguém a ver. O Nogueirense abriu-me as portas e é uma passagem aqui na Europa para colher bons frutos.

Temos de ter a humildade de baixar um pouco a nossa mentalidade, de fazer bons campeonatos e saltar de novo.

Foi muito difícil para a minha família. Quando vim para o Portimonense, o que o Falcão nos disse é que estava tudo acertado. Larguei tudo no Brasil, vim com todas as malas. Quando as coisas não deram certo, a minha mãe ficou preocupada e perguntou-me: ‘Para onde vais agora?’.

Liguei para um amigo meu que mora em Braga, fiquei na casa dele, o pai dele ajudou-me muito. Treinei à parte, mas depois surgiu o Nogueirense. Aí, já era algo mais tranquilo e a minha família conseguiu relaxar. Eles passaram por um susto. Quando surgiu o Nogueirense a minha mãe até chorou.

A minha mãe e o meu irmão já me vieram visitar, o meu pai não pôde. Deu para matar as saudades. Disseram-me para me manter firme, que sabem que não é o nível que pensavam que eu iria estar neste momento, mas é como o meu pai me diz: ‘Humildade, baixar a cabeça, mostrar que é uma vitrine, não querer estar sempre no mesmo sítio e almejar algo maior’.

Tenho alguns amigos de Santos que jogam aqui. O Luiz Lopes que joga no Vizela, o Marcelo, que conheço desde pequeno do Santos. Criei uma amizade com os amigos deles, a família do Luiz mora cá e acolheu-me bem, assim como a do Marcelo. Já me sinto em casa. Tenho muitos amigos.

(FOTO: Nogueirense)

Tenho um trabalho extra. O vice-presidente do Nogueirense tem uma empresa e disse-me que ia arranjar um trabalho para ocupar o dia, porque treinamos à noite e à terça e sábado temos folga. Estou a trabalhar na publicidade, até porque gosto bastante de Internet e trabalho bastante com redes sociais, como o TikTok.

Namorei com a Julia [Puzzuoli], que é muito famosa no Brasil e ajudou-me bastante com isso também. Gosto de trabalhar em publicidade, encaixa comigo, estou a aprender coisas novas.

O meu foco é cem por cento o futebol. Tenho a cabeça focada em fazer uma boa época e, se Deus quiser, vão aparecer coisas boas.

O nível das equipas portuguesas é muito forte, não sabia que era assim, até porque não é muito falado no Brasil. Conhecemos FC Porto e Benfica, depois vem o Sporting e Sporting de Braga. Todos os jogos da Primeira Liga aqui são muito bons, muito fortes. Achava que não era assim, mas são muito competitivos, todas as equipas são do mesmo nível, têm estruturas muito boas.

O Nogueirense é impecável, desde o balneário ao campo até à direção. É uma estrutura que, para esta divisão em que estamos, acho difícil alguém ter igual. Dão-nos tudo. Deram-me casa, alimentação, trabalho, fisioterapeuta. É um clube que daqui a uns anos vai estar umas divisões acima.

Não sei o que virá daqui para a frente. Já apareceram alguns contactos, até porque estou a jogar bem, a titular e a cumprir os 90 minutos na maioria dos jogos. Se me destacar, posso conseguir conquistar coisas maiores, como o Campeonato de Portugal ou a Liga 3. O meu objetivo é fazer uma boa época, porque não sei o que vai acontecer na próxima. Termino contrato com o Nogueirense em junho.

Foi muito difícil no passado. Pensei: ‘Há dois anos estava no Flamengo e agora…’. Tive muita ajuda dos meus pais, porque isto não entrava na minha cabeça. Temos de ter muita humildade, muita paciência e saber que Deus guarda tudo para o momento certo. Tens de fazer do Nogueirense a tua Liga dos Campeões, fazer do Nogueirense o teu Benfica. E treinar ao máximo a cada dia. O meu pai diz-me algo que está gravado para mim: ‘Não importa onde estejas a jogar, há sempre alguém a ver e observar’.»

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