Viadutos de dezenas de milhões de euros poderão vir a tornar-se inúteis
O ministro das Infraestruturas foi na semana passada à cerimónia de apresentação do primeiro de 14 novos comboios do Metropolitano de Lisboa, um investimento global de 115 milhões de euros decidido pelo anterior Governo. Miguel Pinto Luz sentou-se aos comandos do trem de três carruagens, congratulou-se com a melhoria de condições de acolhimento a deficientes e ouviu explicações entusiasmadas sobre novos ecrãs para comunicar com os passageiros, em tempo real, durante as viagens.
O ministro, por certo, reparou no “futuro” diagrama da rede exibido nas carruagens, até porque ainda lhe poderá causar muitas dores de cabeça. Cais do Sodré e Rato deixam de ser estações terminais, para estarem ligadas por um segmento de linha novo, com duas estações ainda em construção: Santos e Estrela. No novo mapa da rede, a linha verde destaca-se com as suas 21 estações, engolindo o percurso entre o Rato e o Campo Grande da linha amarela. Esta, pelo contrário, passa a existir apenas entre Telheiras e Odivelas, com sete paragens ao todo. Ou seja, o ministro patrocinou a apresentação pública do primeiro diagrama de rede com a controversa linha circular.
O laço eleitoral de Carlos Moedas
Acontece que Carlos Moedas conquistou a Câmara Municipal de Lisboa com a morte da linha circular como bandeira de campanha. “Transformar a Linha Circular e a futura Linha Amarela numa linha única em laço (Odivelas, Campo Grande, Rato, Cais do Sodré, Alameda, Campo Grande, Telheiras), para manter as ligações diretas (sem transbordo) de Odivelas, a norte de Lisboa, e Telheiras, ao centro da cidade”, está escrito no programa da coligação Novos Rumos.
“Uma coisa já conseguimos: tenho hoje a certeza que a infraestrutura está preparada para as duas soluções e que a decisão será da tutela política”, comenta agora o presidente da Câmara. Carlos Moedas promete “continuar a insistir” com o ministro Miguel Pinto Luz “para a linha ser em laço, pelo menos nas horas de ponta, porque é impensável que todas as pessoas vindas de Telheiras e de Odivelas tenham de fazer um transbordo no Campo Grande em horas de ponta”. Já o presidente da Junta de Freguesia do Lumiar rejeita soluções mistas. “A ideia de que a Alta de Lisboa é um dormitório, que só precisa de chegar ao centro às horas de ponta, não cola com a realidade”, comenta Ricardo Mexia, eleito pela mesma coligação de direita.
Gastos milionários e riscos não negligenciáveis
Questionado pela TVI, do mesmo grupo da CNN Portugal, o ministro Miguel Pinto Luz adiou uma decisão para 2025. Até lá, “aguarda o resultado de um estudo técnico” sobre as três soluções possíveis. Primeira, a linha circular fechada, prevista na Resolução do Conselho de Ministros nº. 173/2018, do Governo de António Costa, invocada pela presidente em exercício da empresa na cerimónia da semana passada. Segunda, a solução em laço do programa de Carlos Moedas. Terceira, uma espécie de quadratura do círculo, combinando as duas soluções.
Em tese, podem coexistir comboios em “carrossel”, na linha circular, com outros a entrar e a sair da mesma no Campo Grande, em direção às “pontas soltas”: Telheiras e Odivelas. Essa operação comporta riscos inéditos, porque implica o cruzamento de comboios com passageiros lá dentro. “Quando entrei para o Metro havia uma regra sagrada: nenhum comboio muda de via com passageiros a bordo”, descreve Fernando Santos e Silva, engenheiro que foi durante muitos anos responsável pela sinalização e controlo de tráfego da rede.
A operação também pode ser segmentada no tempo: horas de ponta em laço, resto do tempo com duas linhas separadas. Isso dificultará a compreensão do serviço por parte dos clientes, em especial os turistas, e não afasta por completo as questões de segurança, nos momentos de transição. “Daria parecer negativo porque os sistemas automáticos por vezes avariam, deixando em mãos humanas a possibilidade de falhas na mudança de agulhas. Portanto, há uma degradação do nível de segurança e das normas de segurança”, considera Santos e Silva.
O antigo quadro do Metro calcula que a operação mista implicará uma despesa adicional “nunca inferior a dez milhões de euros” em sistemas de sinalização. Para além disso, por razões de segurança, obrigará a paragens mais prolongadas dos comboios, na Quinta das Conchas e em Telheiras, antes dos cruzamentos, o que degradará a capacidade da rede.
A operação autónoma da linha circular, com a linha amarela de sete estações em paralelo, afasta riscos e custos extra na sinalização, mas ameaça tornar-se um sério problema político. Desde logo porque forçaria os eleitores das freguesias da Alta de Lisboa a um inédito transbordo no Campo Grande. Depois, porque provocaria um diferendo sem precedentes entre o Governo e a Câmara Municipal de Lisboa antes de novas eleições.
As obras em curso já derraparam mais de 500 milhões de euros, de acordo com o anunciado pelo anterior Governo. A solução da operação integralmente em laço, pacificadora do ponto de vista político, deixará mais uma vez a descoberto graves erros de planificação do crescimento da rede. “Os 20 a 40 milhões gastos nos novos viadutos do Campo Grande foram dinheiro deitado ao lixo, porque não vão servir para nada”, denuncia Mário Lopes, professor do Instituto Superior Técnico. “Nós sempre avisámos para a inutilidade dessas obras”, concorda Ricardo Mexia.