A chegada do Outono parece trazer consigo mais uma tempestade política, que poderá resultar em mais um chumbo do Orçamento do Estado no parlamento. Os meteorologistas políticos têm vindo a alertar para o desafio que o Governo terá em fazer aprovar o orçamento, e para os riscos do seu chumbo, desde que foram conhecidos os resultados das legislativas.
Ora, basta uma maioria simples para que o Governo consiga fazer passar a sua proposta de orçamento. Deste modo, caso o PS se abstenha, o orçamento é aprovado, mesmo que os restantes partidos votem contra. Se o voto do PS for contrário, ao Governo “bastará” contar com os votos favoráveis da bancada do Chega. Contudo, os últimos tempos não têm contribuído para alimentar a esperança num entendimento entre o Governo e o PS ou o Chega, pelo que a aprovação do orçamento é cada vez menos uma certeza.
Esta semana ficámos também a saber que, em caso de não aprovação, o Presidente Marcelo avançará para dissolução da AR, forçando novas legislativas.
Aqui chegados, convém especular sobre os motivos que levam o Presidente da República a tomar a decisão de dissolver a Assembleia da República e de convocar mais um sufrágio. Em primeiro lugar, Marcelo Rebelo de Sousa depara-se com o precedente que o próprio abriu em 2021, ao dissolver o parlamento após a reprovação do orçamento para 2022. À época, o Presidente sustentou a sua decisão no facto de o chumbo desse orçamento não ter acontecido “num qualquer momento, com um qualquer orçamento, de qualquer modo", na medida em que aquele era “um momento em todo o mundo para a saída da maior pandemia dos últimos cem anos e da crise económica e social que provocou”, acrescentando ainda que se tratava do começo de um "período irrepetível de acesso a mais fundos europeus", nomeadamente ao PRR. A isto aliou-se a percepção do Presidente de que o orçamento não havia sido chumbado por diferenças superficiais, mas sim mais sérias, que muito provavelmente inviabilizariam qualquer possibilidade futura de aprovação de Orçamentos do Estado até ao fim daquela legislatura (que seria em 2023).
Com efeito, a actualidade política não se afigura muito diferente a 2021, na medida em que até 2026 há fundos do PRR para executar e por um eventual chumbo do orçamento poder sinalizar a dificuldade de se vir a aprovar algum orçamento até ao (suposto) final desta legislatura, em 2028.
Ademais, o fim do mandato do actual Presidente da República, que será presumivelmente em Março, também pesará, certamente, na decisão de Marcelo Rebelo de Sousa. Isto porque, nos últimos 6 meses do mandato, o Chefe de Estado perde o poder de dissolução do parlamento, ou seja, perdê-lo-á em Setembro de 2025.
Esta prerrogativa apenas será recuperada pelo sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa 6 meses depois das próximas eleições presidenciais. Posto isto, o próximo Presidente apenas poderá tornar a dissolver a assembleia em Julho do mesmo ano, convocando eleições previsivelmente para Setembro desse ano, com a tomada de posse dificilmente antes de Outubro. Como consequência, e partindo do pressuposto de que o orçamento para 2026 (votado em 2025) também seria chumbado, poderíamos chegar à situação de estarmos a aplicar, durante 2 anos inteiros, um orçamento em duodécimos.
Assim, em caso de chumbo, o Presidente ignorará qualquer eventual “fadiga eleitoral” sentida pelos portugueses, que, entre 2022 e 2024, foram chamados às urnas por duas vezes para escolher a composição do parlamento e uma para eleger os representantes lusos no Parlamento Europeu (aos cidadãos açorianos acrescenta-se ainda a eleição regional de 2023 e aos madeirenses somamos as eleições regionais de 2023 e de 2024). Se nos detivermos também no calendário vindouro, notamos que 2025 não é ano de descanso, dado que teremos eleições autárquicas. Tudo somado, com putativas legislativas num futuro próximo, teremos quatro eleições em três anos, caso sejamos continentais. Para os açorianos, serão cinco eleições no mesmo período, que aumentarão para seis no caso dos madeirenses.
Em suma, parece expectável que a consequência natural do chumbo do orçamento seja uma nova chamada às urnas. Embora o Presidente se tenha mantido omisso, pelo menos publicamente, quanto à sua decisão caso o orçamento não seja aprovado, também é verdade que uma nova ronda eleitoral se apresenta como a melhor solução para encontrar um clima político favorável a um verdadeiro crescimento económico em prol da sociedade, na medida em que entendimentos na actual conjuntura ficarão a parecer uma mera miragem. Ainda assim, novas eleições comportam o risco de que fique tudo na mesma.