Médicos dizem que este é o vírus respiratório "mais importante" do qual nunca ouviu falar

CNN , Brenda Goodman
4 jun 2023, 22:00
Hospital Santa Maria (Lusa/Tiago Petinga)

Um estudo de amostras de doentes recolhidas ao longo de 25 anos revelou que era a segunda maior causa de infeções respiratórias em crianças, a seguir ao VSR

O inverno passado foi intenso para os vírus respiratórios, dominado por surtos de vírus sincicial respiratório (VSR), gripe e covid-19. Mas quando estava a chegar ao fim, um vírus pouco conhecido que provoca muitos dos mesmos sintomas - infeção pulmonar inferior, tosse seca, corrimento nasal, dor de garganta e febre - começou a ganhar força.

Os casos de metapneumovírus humano (MPVh) dispararam esta primavera, de acordo com os sistemas de vigilância de vírus respiratórios dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC). Os casos de MPVh encheram as unidades de cuidados intensivos dos hospitais com crianças pequenas e idosos, os mais vulneráveis a estas infeções. No seu pico, em meados de março, cerca de 11% das amostras testadas eram positivas para o MPVh, um número 36% superior ao pico sazonal médio pré-pandémico de 7% de positividade.

No entanto, a maioria das pessoas que foram infetadas provavelmente nem sequer sabiam que o tinham. Normalmente, as pessoas doentes não são testadas fora de um hospital ou de um serviço de urgências. Ao contrário da covid-19 e da gripe, não existe vacina para o MPVh, nem medicamentos antivirais para o tratar. Em vez disso, os médicos tratam as pessoas gravemente doentes com base nos seus sintomas.

Uma ameaça subestimada 

Estudos revelam que o MPVh causa anualmente tanto sofrimento nos EUA como a gripe e um vírus estreitamente relacionado, o VSR. Um estudo de amostras de doentes recolhidas ao longo de 25 anos revelou que era a segunda maior causa de infeções respiratórias em crianças, a seguir ao VSR. Um estudo realizado em Nova Iorque durante quatro invernos concluiu que era tão comum em idosos hospitalizados como o VSR e a gripe. Tal como estas infeções, o MPVh pode levar a cuidados intensivos e a casos fatais de pneumonia em idosos.

Leigh Davidson contraiu metapneumovírus durante uma festa de família no início de abril. Duas semanas depois, tossia tanto que não conseguia falar ao telefone.

"Não conseguia dizer mais do que duas palavras", disse Davidson, 59 anos, advogada especializada em entretenimento, de Baltimore, Maryland, EUA. "Começava a tossir violentamente, ao ponto de, literalmente, quase vomitar."

A sua tosse era tão constante e profunda que estava convencida de que tinha finalmente apanhado o coronavírus, depois de ter conseguido evitá-lo durante toda a pandemia. Mas fez seis testes rápidos para a covid-19 e todos deram negativo.

Davidson é imunocomprometida, pelo que tem sido cautelosa durante toda a pandemia. Preocupada com a possibilidade de uma pneumonia, fez uma radiografia numa clínica de radiologia perto de sua casa e foi-lhe dito que estava tudo bem.

No entanto, o seu médico não ficou satisfeito e mandou-a para as urgências para fazer mais exames. As análises ao sangue determinaram que ela tinha MPVh.

"Pensei: 'O quê? Parece tão sério'", disse Davidson. "Nunca ouvi falar disso.”

O metapneumovírus humano foi descoberto por “caçadores” de vírus holandeses em 2001. Tinham 28 amostras de crianças dos Países Baixos com infeções respiratórias inexplicáveis. Algumas das crianças estavam muito doentes e necessitavam de ventilação mecânica, mas não apresentavam resultados positivos para nenhum agente patogénico conhecido.

Os investigadores cultivaram as amostras em vários tipos de células de macacos, galinhas e cães, e depois observaram as culturas ao microscópio. Viram algo que parecia estruturalmente relacionado com a família Paramyxoviridae, um grupo de vírus conhecido por causar doenças respiratórias como o sarampo, a papeira e o vírus sincicial respiratório.

Um exame mais aprofundado dos genes do vírus revelou um parente próximo: o metapneumovírus aviário (MPVa), que infeta as aves. O novo vírus foi batizado de metapneumovírus humano. Os cientistas acreditam que, provavelmente, o vírus passou das aves para os seres humanos num determinado momento e evoluiu a partir daí.

Quando os investigadores analisaram amostras de sangue de 72 pacientes, armazenadas desde 1958, todas apresentavam indícios de exposição ao vírus misterioso, indicando que este circulava nos seres humanos, sem ser detetado, há pelo menos meio século.

Desconhecimento de médicos e doentes

As infeções respiratórias são a principal causa de morte de crianças em todo o mundo e a causa número um de hospitalização de crianças nos Estados Unidos, mas os cientistas não sabem o que provoca muitas delas, afirma John Williams, pediatra da Universidade de Pittsburgh que passou a sua carreira a investigar vacinas e tratamentos para o MPVh.

Williams diz que, nas décadas de 50 e 60, foram realizados estudos epidemiológicos exaustivos sobre as causas das infeções respiratórias.

"Basicamente, só conseguiam identificar um vírus nas pessoas em cerca de metade das vezes. Por isso, a pergunta era: 'OK, e a outra metade?", questionou. O metapneumovírus humano não é responsável por todos os vírus desconhecidos, mas representa uma proporção significativa - quase tantos casos como o VSR ou a gripe.

Mas ninguém sabe nada sobre ele. Williams chama-lhe "o vírus mais importante de que nunca se ouviu falar". 

"Estes são os três principais vírus", afirmou. "São os três grandes vírus em crianças e adultos, os que têm mais probabilidades de levar as pessoas ao hospital e causar doenças graves, os mais suscetíveis de se propagarem nos lares de idosos e deixarem as pessoas mais velhas muito doentes e até matá-las."

Como os testes de deteção do MPVh raramente são realizados fora dos hospitais, é difícil conhecer o verdadeiro peso da doença.

As análises ao sangue indicam que a maioria das crianças já o teve antes dos cinco anos de idade.

Um estudo de 2020 publicado pela The Lancet estimou que, entre as crianças com menos de cinco anos, se registaram mais de 14 milhões de infeções por MPVh em 2018, mais de 600.000 hospitalizações e mais de 16.000 mortes.

No entanto, a infeção gera uma proteção imunitária fraca ou incompleta e os seres humanos são reinfetados ao longo da vida.

As farmacêutica estão a trabalhar em vacinas contra este vírus. A Moderna, fabricante da vacina de mRNA contra a covid-19, acaba de concluir um estudo preliminar de uma vacina de mRNA contra o MPVh e a parainfluenza, segundo o site clinicaltrials.gov.

O CDC recomenda que os médicos considerem a possibilidade de realizar testes de deteção do MPVh no inverno e na primavera, altura em que normalmente se regista um pico de incidência.

Segundo Williams, os médicos não fazem o teste sobretudo porque não conhecem o vírus, mas também porque um teste provavelmente não iria alterar os cuidados que dariam a um paciente. Mas ajudá-los-ia a excluir outras causas que têm tratamentos específicos, como a covid ou a gripe.

Davison disse que o MPVh lhe provocou uma grave crise de bronquite. Foi internada por pouco tempo no hospital para observação. Acabou por melhorar, mas esteve doente durante um mês.

Claro que ela já tinha tido infeções respiratórias antes, mas está especialmente feliz por estar do outro lado do metapneumovírus humano, disse. "Esta foi realmente a pior situação pela qual passei.”

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