A centenas de quilómetros do oceano, há um mergulho secreto por baixo das ruas de uma brilhante capital europeia

CNN , Jennifer Walker
12 out, 16:00
Mergulho mais secreto de Budapeste

Atravessa-se um portão e passa-se por um beco estreito antes de chegar a uma porta numa rocha. Depois chega-se à "Fábrica da Felicidade"

Todos os dias, multidões acorrem aos Banhos Termais Lukács, em Budapeste, para se banharem em piscinas quentes e ricas em minerais, enquanto os elétricos amarelos percorrem ruidosamente a Rua Frankel Leó. A maioria nunca suspeita que, a poucos metros dali, sob as ruas históricas da cidade, se esconde um mundo oculto: um vasto sistema de grutas subaquáticas aquecido por nascentes geotérmicas.

A partir da sua entrada, encostada à base de Rózsadomb - a Colina das Rosas - um bairro abastado de elegantes vivendas e ruas arborizadas, a Gruta Molnár János estende-se por mais de 5,8 quilómetros e desce quase 90 metros abaixo da superfície. Inundada por água cristalina à temperatura de um banho quente, é uma das maiores grutas ativas de água termal do mundo, e uma das raras acessíveis a mergulhadores de gruta certificados.

A entrada do sistema de cavernas é fácil de passar despercebida, escondida ao lado de uma casa de banhos em ruínas do século XIX. Jennifer Walker

A entrada para a gruta é fácil de perder de vista desde a rua. Junto a uma falésia calcária, um pequeno lago coberto de nenúfares e algas cintila ao lado de um edifício do século XIX em ruínas que lembra uma casa de banhos otomana. Na parede corta-fogo ao lado, um mural de um mergulhador sugere os segredos que se escondem por baixo.

Atravessando um portão, para lá de um antigo balneário - outrora uma das primeiras estruturas de betão da Hungria - um beco estreito conduz a uma porta sem identificação na rocha. Acima, um letreiro diz “Fábrica da Felicidade”, ladeado por emojis sorridentes. Dentro do corredor revestido a tijolo, a temperatura sobe com o calor geotérmico. Equipamento de mergulho ocupa a passagem. No fim, atrás de uma cortina, uma escada desce até uma entrada rochosa onde águas negras aguardam na penumbra. Aqui, os mergulhadores entram na água quente, os faróis a rasgar a escuridão, descendo a um mundo silencioso e brilhante.

Milénios em formação

Uma vez lá dentro, um corredor revestido de tijolos, com equipamentos de mergulho alinhados, leva até a água. Csaba Tokolyi

Budapeste é famosa pelas suas casas de banhos ornamentadas e spas, mas as suas águas termais fizeram mais do que aliviar músculos e curar maleitas. Ao longo de milénios, a mesma atividade geotérmica que alimenta os banhos da cidade escavou uma rede de mais de 200 grutas sob as ruas - à medida que as nascentes ricas em minerais dissolviam lentamente o calcário, a marga e a rocha carsificada em redor.

A Molnár János continua viva e em crescimento. Água rica em sulfureto de hidrogénio e dióxido de carbono continua a infiltrar-se pela rocha, criando um cocktail ligeiramente ácido que corrói as paredes. O resultado é um labirinto de câmaras e passagens semelhante a queijo suíço.

“É muito raro existirem grutas de água quente”, explica Csaba Gőcze, guia de mergulho da MJ Cave, a operadora local que organiza mergulhos guiados. “Normalmente, mergulho em grutas significa água a 4 a 15 graus Celsius. Aqui, temos 27 graus nas camadas superiores.”

O calor distribui-se em faixas distintas: 27 graus à superfície, descendo para 20 graus e depois para 17–18 graus à medida que a água mais fria das Colinas de Buda se mistura em profundidade. Parte da água da gruta ainda abastece os Banhos Lukács através de uma conduta subterrânea - embora a entrada original, junto aos degraus de pedra que mergulham na água, tenha sido desviada para dar aos mergulhadores um acesso mais fácil.

Os túneis foram escavados ao longo de milhares de anos pelas mesmas águas termais que alimentam os famosos spas e piscinas de Budapeste. Csaba Tokolyi

Um mundo subterrâneo

A Molnár János surpreende muitos visitantes pela primeira vez. Ao contrário das passagens estreitas e sinuosas de outras grutas, oferece câmaras espaçosas e correntes suaves.

“É absolutamente deslumbrante”, diz Csaba. “Espaços enormes e abertos, e muito poucas restrições. É um mergulho relativamente fácil - desde que se tenha a formação adequada.”

Essa formação é essencial. Apenas mergulhadores certificados com a especialidade de mergulho em grutas são autorizados a entrar. A escuridão total e o ambiente frágil exigem experiência. A água é perfeitamente límpida - até que alguém roça a parede da gruta ou perturba o fundo macio, levantando partículas de lodo fino que enevoam de imediato a luz das lanternas.

“Normalmente consegue ver-se tão longe quanto a luz da lanterna alcança”, explica Csaba. “Mas se tocarem nas paredes ou levantarem o lodo do fundo das passagens, a visibilidade cai a zero muito rapidamente.”

Para evitar isso, os mergulhadores seguem uma linha-guia suspensa a um metro do chão da gruta, assegurando que as águas se mantêm imaculadas. A cautela é recompensada com a visita a uma paisagem surreal: paredes manchadas de minerais cravejadas de cristais, câmaras que mudam de cor e textura de uma para a outra.

“Em vários pontos da gruta o aspeto é completamente diferente: há rochas de cores distintas, zonas com cristais e outras sem”, diz Csaba. “Os melhores mergulhos são os que atravessam várias dessas áreas, para se experimentar tudo.”

Camarões quase invisíveis saltitam na luz. Conchas e ouriços-fósseis ainda aderem às paredes, vestígios do mar Panónico, que há milhões de anos cobria grande parte do território da atual Hungria.

Apenas quem tem a especialidade de mergulho em cavernas pode ali mergulhar. A escuridão total e o ambiente frágil exigem experiência. Csaba Tokolyi

A gruta continua por explorar totalmente. A rede oficialmente mapeada tem 5,8 quilómetros, mas novas passagens são descobertas regularmente. Exploradores voluntários fazem expedições semanais para medir, instalar novas linhas e atualizar mapas que ainda não foram publicados.

“O mapa oficial indica cerca de 5.800 metros, mas há passagens sem linhas”, explica Csaba. “Algumas não levam a lado nenhum, mas outras podem fazer parte de algo maior.” Ele acredita que a gruta pode estender-se até oito quilómetros.

Investigadores também recolhem amostras de água, monitorizando microplásticos e sinais de poluição. Um estudo de 2022 detetou alguma contaminação nos pontos de entrada conhecidos da água de escorrência, mas as zonas exploradas mais recentemente permanecem intocadas e imaculadas.

Para mergulhadores certificados, participar num mergulho aqui é surpreendentemente simples. A MJ Cave organiza saídas matinais mediante reserva. Após uma sessão de instruções e a preparação do equipamento, o primeiro mergulho de uma hora segue a linha principal, com a possibilidade de exploração mais profunda depois - alguns mergulhos podem atingir quase 60 metros e requerem paragens de descompressão.

Viajar para a Hungria sem equipamento não é problema; o aluguer completo está disponível no local.

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