ANÁLISE || FC Porto fez um mercado surpreendente, o Benfica nem por isso. Ou então foi tudo ao contrário. Já o Sporting teve de ir de plano em plano para chegar ao plano final
Quando compramos um carro ou uma casa nunca conseguimos dizer logo com exatidão se estamos a fazer um grande negócio ou a embarcar numa total ruína. Pagar 20 mil euros por um BMW Série 3 com 100 mil quilómetros pode parecer boa ideia, mas se ele começar a dar problemas por todo o lado podemos dar por nós a suspirar pelo Fiat Punto que custava apenas cinco mil euros, mas que fazia o seu trabalho.
Assim é no futebol. Quando, no verão de 2023, e depois de uma longa novela, o Sporting acabou a desembolsar 24 milhões de euros por Viktor Gyökeres, o sueco não valia, segundo o Transfermarkt, mais de 13 milhões de euros. Tinha sido comprado, portanto, quase pelo dobro. A insistência de Rúben Amorim justificou-se e um jogador que vinha da segunda divisão inglesa acabou o ano como melhor marcador e melhor jogador da Liga. Este ano mantém a toada – já chegou aos 50 golos pelos leões – e o seu valor de mercado é de 65 milhões de euros. Uma valorização de 500% em apenas um ano.
É por estas e por outras que alguns adeptos torcem o nariz a uma venda de “apenas” 60 milhões de euros de João Neves, enquanto outros esfregaram as mãos quando parecia iminente a saída de Galeno para a Arábia Saudita por 50 milhões de euros. A gestão de expectativas pode mudar de um momento para o outro.
Ninguém sabe quantos golos vai marcar Harder ou como se vai integrar Debast, ninguém sabe quantos golos vai marcar Pavlidis ou quantas assistências vai fazer Beste, ninguém sabe quantos golos vai marcar Samu ou quantos vai Nehuén Pérez conseguir evitar. Sabe-se, isso sim, que todos eles custaram, ou ainda vão custar, muito dinheiro, pelo que se espera que façam, pelo menos, algumas destas coisas.
Sporting - quantos planos havia?
A confiança no que vai fazendo Rúben Amorim nota-se de longe. Quase ninguém questiona as decisões do treinador ou as movimentações de Hugo Viana. Talvez por isso todos tenham ficado tranquilos quando os dias passaram, mas de Ioannidis nada. O grego era, disse o próprio treinador do Sporting, o plano A para este ano.
O plano A, o plano A, repetiu Rúben Amorim uma e outra vez, mesmo quando já se falava de outros nomes e havia movimentações nesse sentido – Hugo Viana foi a Barcelona quando se falava de Vítor Roque.
Mas o plano A caiu, o Panathinaikos até conseguiu renovar com o seu capitão, e o plano B, o tal Vítor Roque, preferiu jogar de verde e branco, sim, mas no Bétis de Sevilha. Sobravam outros planos.
E surgiu Harder – se foi plano C não se percebeu bem –, uma espécie de mini Gyökeres, até porque chega das mesmas geografias. Custou aos cofres dos leões 19 milhões de euros. Ele que tem um valor de mercado de apenas 2 milhões de euros. Terá, assim, muito para provar. Ou pouco para fazer perder e muito para fazer ganhar.
Feitas as contas, e sempre de acordo com os valores do Transfermarkt, o Sporting arrecadou 39,75 milhões de euros com três jogadores que, juntos, não valiam mais de 25 milhões de euros. Já em diferença de compra e venda, perdeu com Paulinho, é certo, mas conseguiu um lucro de mais de 22 milhões de euros entre compras e vendas dos três jogadores. Acresce a isso que Fatawu, Mateus Fernandes e Paulinho eram jogadores vistos como dispensáveis para Rúben Amorim.
Já nas compras a história pode ser outra. Os jogadores que comprou, comprou-os caros, já que Harder, Debast, Maxi Araújo e Kovacevic custaram um total de 52,9 milhões de euros, quando o valor de mercado dos quatro não ultrapassa os 33,5 milhões de euros.
Resta saber o que vão render os que chegam, sabendo-se que se esperam grandes coisas de Harder e de Debast, o que pode vir a fazer com que, como Gyökeres, se acabe por concluir que foram uma pechincha. O problema é que há sempre um Sinama-Pongolle em cada esquina.
Contas feitas (em relação ao valor de mercado): Sporting lucrou mais 14,75 milhões de euros em vendas, mas perdeu 19,4 milhões de euros em compras
Benfica - estes reforços são para quem?
Amdouni chegou e ainda não jogou. Akturkoglu ainda nem chegou... Dois dos vários reforços do Benfica, mas que adensam a dúvida, já que o treinador acaba de ser despedido. Quem contratou estes jogadores e para que efeito?
As interrogações em torno do mercado do Benfica são, desde o início, muitas. Na Luz pedia-se um guarda-redes para competir com Trubin, um lateral esquerdo que fizesse esquecer Grimaldo e um lateral direito que competisse com Bah. Chegaram os últimos dois - se cumprem os propósitos ainda não se percebeu -, mas o problema é que saíram muitos outros.
Onde na defesa parecia haver estabilidade, saiu Morato, onde no meio-campo estava tudo bem, saiu João Neves, onde nas alas se suspirava por fantasia, saiu Neres, onde no ataque se pediam golos, saiu Marcos Leonardo e o "detestado" Arthur Cabral ainda por aqui anda.
No fim do dia, e agora sem se perceber para quem vão jogar, chegaram ao Benfica seis reforços de peso, num custo total que ainda não é completamente conhecido, mas que deverá andar pelos 41 milhões de euros - ainda assim abaixo dos 73,5 milhões de euros que os jogadores têm de valor de mercado. A contribuir para isso está o facto de três deles serem por empréstimo - Renato Sanches, Kaboré e Amdouni -, mas também a aparente capacidade de negociar todos os outros abaixo daquilo que valiam.
Quanto às vendas, a questão não será tanto o valor. Vender João Neves, Neres, Marcos Leonardo, Morato e Paulo Bernardo por 143 milhões de euros parece claramente um bom negócio, até por falarmos de jogadores cujo bolo de valor de mercado é de 123,5 milhões de euros. Já na diferença entre compra e venda, o lucro é abissal: 40,9 milhões de euros para comprar cinco jogadores que foram vendidos por mais 100 milhões, o que é naturalmente explicado por João Neves e Paulo Bernardo serem da formação.
A questão estará sempre mais no que pode realmente o Benfica receber, já que em muitos destes negócios se levantam dúvidas sobre as intermediações. Dos 11 milhões de Morato, por exemplo, o Benfica não vai receber nem 8 milhões, o que acaba por fazer com que o jogador tenha valido tanto quanto custou ao clube.
Contas feitas (em relação ao valor de mercado): Benfica lucrou 22,5 milhões de euros em compras e lucrou 19,5 milhões de euros em vendas
FC Porto - a chorar no deserto?
Galeno é um bom jogador. É um ótimo jogador. Ainda para mais tem golo e algo que parece fazê-lo transcender-se quando mais se precisa dele. Mas nem assim se conseguiu impor no Dragão como um indiscutível, como outros fizeram. Talvez por isso, muitos festejaram ao ver que o brasileiro ia ser vendido e render 50 milhões de euros aos cofres azuis e brancos.
É sempre muito dinheiro, mas será ainda mais quando se vê que Luis Díaz ou Vitinha, esses sim bem-amados, foram vendidos por menos.
O negócio de Galeno acabou por cair à última, já que os árabes preferiram Steven Bergwijn, do Ajax, deixando o FC Porto de mãos a abanar.
Não se percebeu ainda se este negócio pode ter implicações de maior, mas o mercado dos dragões foi claramente bem sucedido, sobretudo porque se deu, desde o início, a ideia de que era preciso vender muito e comprar pouco. Feitas as contas, aconteceu o contrário: dos que saíram, apenas um teria lugar claro no 11, sendo que o outro caso, o de Francisco Conceição, está cheio dos seus próprios pormenores.
Contas feitas, os 58 milhões de euros feitos com cinco jogadores que valem 77,5 milhões parecem pouco, mas há que ver que num dos casos, o de Francisco Conceição, a coisa ainda deve subir substancialmente. Melhor será, certamente, olhar para o lucro de 24 milhões de euros em relação ao que foi gasto com estes atletas.
Mas a surpresa está mesmo nas entradas. De início não se falava de reforços, depois começou-se a falar de um sueco com nome turco - ainda ninguém sabe quem é Deniz Gül - e acabámos a ver um nome que foi apontado ao Chelsea e um jogador do Arsenal a chegarem ao Dragão.
Samu Omorodion e Fábio Vieira encabeçam as surpresas, mas as chegadas de Nehuén Pérez e Francisco Moura também são de registo. Ao todo, e já contando que vai ter de desembolsar um total de 17,4 milhões de euros pelo argentino que jogava na Udinese, o FC Porto gastou 41,9 milhões de euros em cinco jogadores cujo valor de mercado ascende a 90 milhões de euros.
De notar, claro, que Samu custou 15 milhões de euros, 20 milhões abaixo da sua valorização, mas por 50% do passe. Queira o FC Porto ficar com 80% e vai ter de pagar mais 10 milhões de euros ao Atlético de Madrid. Em todo o caso, e vendo que só terá de pagar alguns destes valores mais à frente - caso de Nehuén Pérez, que chega emprestado e cujo valor de transferência só é liquidado no outro defeso -, os dragões fazem um aparente bom mercado. Já mesmo no fim houve ainda tempo para anunciar Tiago Djaló, português com um valor de mercado de 12 milhões de euros que chega sem custos associados.
Contas feitas (em relação ao valor de mercado): FC Porto perdeu 19,5 milhões de euros em vendas e lucrou 56,1 milhões de euros em compras
Nota: Os valores referidos são de acordo com o Transfermarkt. Naturalmente que os valores podem oscilar e é necessário ter em conta que alguns negócios são feitos por empréstimo. Acontece com Benfica e FC Porto, mas não com o Sporting.