Fãs de Djokovic queriam vê-lo fora do hotel. Lá dentro, refugiados presos há anos perguntam-se se terão a mesma sorte

CNN , Hannah Ritchie, Hilary Whiteman, Julia Hollingsworth e Anna Coren
11 jan 2022, 19:02
Hotel em Melbourne onde se encontram vários refugiados e onde esteve Novak Djokovic. William West/AFP/Getty Images

Durante meses, alguns ativistas juntaram-se em frente a um hotel degradado no centro de Melbourne, a exigir a libertação de dezenas de refugiados que ali se encontravam detidos.

Na sexta-feira, outro grupo de manifestantes reuniu-se em defesa de um detido inusitado: o tenista número 1 do mundo Novak Djokovic, que estava confinado no hotel enquanto preparava a contestação jurídica à revogação do seu visto em vésperas do Open da Austrália.

"Libertem Novac", podia ler-se no cartaz manuscrito colado a uma raquete de ténis empunhada por um manifestante. "Deixem o Novac jogar."

Os organizadores do Open da Austrália afirmaram que Djokovic – que criticou anteriormente a obrigatoriedade da vacina contra a covid-19 – teve direito a uma "isenção médica" face à exigência de vacinação completa imposta a todos os viajantes internacionais que queiram entrar no país.

Mas, quando Djokovic aterrou na Austrália, teve conhecimento de que o seu visto tinha sido revogado. O primeiro-ministro Scott Morrison declarou que o sérvio de 34 anos "não tinha uma isenção médica válida".

Na quinta-feira, Morrison informou os jornalistas de que, com base nas diretivas de saúde pública, a Tennis Australia havia sido informada, por meio de uma carta com data de novembro de 2021, que os jogadores não vacinados que tivessem sido infetados recentemente com covid-19 não teriam autorização para entrar no país.

Os advogados de Djokovic obtiveram uma providência cautelar com caráter de urgência contra a decisão e um juiz australiano acabou por decidir libertá-lo, mas ainda não é totalmente certo que o atual campeão individual masculino do Open da Austrália possa competir no torneio que começa a 17 de janeiro.

A 7 de janeiro, manifestantes empunharam cartazes à porta do Park Hotel, em Melbourne, onde o campeão do Grand Slam por 20 vezes, Novak Djokovic, estava hospedado.

Mas o caso Djokovic extravasa a questão do visto individual. Esta polémica deu azo a contestação por parte daqueles que defendem que os ricos e poderosos estão a ser beneficiados no cumprimento das restritivas regras australianas relativas à covid-19, que mantêm algumas famílias separadas há vários anos – mas também despertou a raiva daqueles que contestam as vacinas, que acreditam que as restrições do coronavírus são um atentado contra as suas liberdades civis. E está ainda a causar preocupação junto de alguns membros da comunidade sérvia na Austrália, que alegam que Djokovic está a ser vítima de injustiça.

A situação de Djokovic veio trazer a lume a difícil situação em que vivem aqueles que se candidatam a asilo na Austrália, já que outros indivíduos alojados nas mesmas instalações estão detidos há vários anos – e assim vão continuar por tempo indeterminado ao abrigo das regras de imigração da Austrália.

Indignação generalizada

Dezenas de manifestantes de diferentes fações do espectro político juntaram-se à porta do Park Hotel, na sexta-feira, com um desígnio em comum: a defesa da liberdade.

Alguns dos manifestantes pertenciam a grupos culturais sérvios, e enquanto cantavam e agitavam a bandeira do país dos Balcãs, afirmavam que a detenção de Djokovic era uma injustiça que visava uma das maiores estrelas do desporto mundial.

"Não percebo porque é que ele tem de estar retido num centro de detenção", afirmou na altura Tara, uma tenista australiana de ascendência sérvia de 17 anos que não nos facultou o apelido. “Todos temos liberdade para escolher se queremos ser vacinados ou não”.

Djokovic, que está empatado com Roger Federer e Rafael Nadal no recorde de 20 títulos de Grand Slam masculinos, não revelou publicamente o seu estatuto de vacinação, mas criticou as vacinas contra a covid-19 e a sua obrigatoriedade em abril de 2020.

Vista geral do centro de detenção instalado no Park Hotel.

Outros viram na detenção de Djokovic uma oportunidade para criticar a obrigatoriedade das vacinas como um atentado às liberdades civis.

Uma mulher – que se identificou apenas como Matty para salvaguardar a sua privacidade – afirmou que se Djokovic tivesse de regressar a casa, ela não assistiria ao Open da Austrália.

"Tenho por hábito ir todos os anos, mas este ano vou faltar devido à obrigatoriedade da vacina", disse Matty, que acrescentou não ter sido vacinada.

Outro indivíduo mascarado, que se recusou a falar com a CNN, empunhava um cartaz onde podia ler-se que Djokovic era "refém do estado comunista".

Mas outros centraram as suas atenções nos cerca de 30 refugiados detidos no hotel.

Anteriormente usado pelo governo australiano como centro de quarentena da covid-19, o hotel passou a ser um Centro de Detenção Alternativo (APOD) para refugiados e candidatos a asilo há pelo menos um ano.

Há cerca de uma década, a Austrália determinou que nenhum refugiado que chegasse de barco seria acolhido pelo país. Durante anos, centenas de pessoas foram alojadas em centros de processamento fora do país, embora algumas tenham sido transportadas para hotéis na Austrália para tratamento de problemas de saúde.

Há poucas esperanças de libertação para estes refugiados, e as condições em que são mantidos são extremamente controversas. Diante do Park Hotel, em cuja fachada está escrito "Libertem-nos", Tom Hardman, um professor de 27 anos, declarou o seu apoio aos refugiados.

"Estou aqui porque não consigo assistir impassível à solidão e angústia que estes homens sofrem por não saberem quando serão libertados ", afirmou.

Oscar Sterner, de 25 anos, afirmou estar contra os grupos antivacinas e as condições em que que os refugiados são obrigados a viver. Para ele, o problema está em alojar um visitante não vacinado num hotel com refugiados que precisam de cuidados médicos.

"Djokovic é um sacana milionário que, justificadamente, despertou a ira de muitas pessoas na Austrália", disse-nos. "Não está minimamente interessado em ser vacinado para proteger as pessoas à sua volta."

A vida no interior do hotel

Os apoiantes de Djokovic criticaram a forma como ele estava a ser tratado, com a mãe do campeão de ténis a afirmar que o filho estava a ser "tratado como um prisioneiro".

"As instalações são imundas e a comida é horrível", declarou Dijana Djokovic aos jornalistas na quinta-feira, numa conferência de imprensa realizada em Belgrado, a capital da Sérvia. "Não é justo. Não é humano."

Num comunicado de sexta-feira, a Associação de Tenistas Profissionais declarou que Djokovic confirmara estar bem de saúde.

"Com respeito por todas as opiniões pessoais sobre a vacinação, tanto os atletas vacinados como os não vacinados (com a devida isenção médica) devem ter a liberdade de competir", declarou a associação, que foi cofundada por Djokovic. "Continuaremos a apoiar e a defender os nossos membros e todos os jogadores de uma forma que seja aceitável para todos."

Segundo a advogada de direitos humanos Alison Battisson, que tem quatro clientes dentro do Park Hotel, os visitantes sem visto de entrada na Austrália são normalmente algemados e transportados para um centro de detenção de imigrantes numa carrinha descaracterizada e com vidros escurecidos.

“É um processo extremamente traumatizante e desumanizador”, afirmou.

Imagens captadas no interior do Park Hotel, às quais a CNN teve acesso, mostram os detidos a viver em pequenos quartos que incluem uma cama de casal, uma televisão e algumas cadeiras. Os refugiados têm acesso a uma escada que os conduz ao telhado, onde podem fumar. Não se sabe se Djokovic esteve nas mesmas condições.

"Esta janela nunca pode ser aberta ", afirmou Adnan Choopani, um dos detidos, num vídeo filmado para a CNN.

Apesar de as imagens captadas por Choopani darem conta de um hotel que parece estar limpo e em boas condições, já houve relatos de problemas no passado. Segundo Battisson, no ano passado houve um surto de covid nas instalações e os refugiados afirmaram ter encontrado larvas na sua comida.

Os outros detidos

Para os cerca de 30 refugiados detidos no hotel, os holofotes da comunicação social apontados a Djokovic são difíceis de compreender. Muitos estão detidos há vários anos – e têm poucas esperanças de sair em liberdade.

Mehdi, que pediu para ser identificado apenas com o primeiro nome de modo a proteger a sua família, fugiu do Irão quando tinha 15 anos e está detido na Austrália há mais de oito anos, com acesso limitado a educação ou cuidados de saúde.

"Cumpri a minha pena", disse Mehdi, que fez 24 anos na sexta-feira. "Estamos a sofrer, estamos exaustos e cansados... estamos detidos por tempo indeterminado, o que significa que podem manter-nos aqui o tempo que puderem, o tempo que quiserem."

Os primos Adnan Choopani e Mehdi tinham 15 anos quando fugiram do Irão. Agora, têm ambos 24 anos e continuam detidos.

Choopani disse-nos que ele e os seus companheiros passam os dias sentados nos quartos, muitos deles a serem medicados para a depressão. Choopani e Mehdi são primos e ambos deixaram o Irão quando tinham 15 anos. Ele sonha em passear na rua ou em sair para tomar um café.

"É inacreditável", disse-nos. "Acho que isto é apenas um pesadelo... vivemos no século XXI, num país que acredita na democracia, mas que ainda tem este tipo de postura com pessoas inocentes."

Craig Foster, um ex-futebolista da seleção australiana que defende os refugiados, diz que espera que pelo menos algo de bom possa surgir desta situação.

"Por um lado, é bom que o mundo veja como a Austrália tem tratado aqueles que nos procuram, sejam candidatos a asilo ou refugiados, ou até mesmo atletas como Novak que, aparentemente, violou as normas relativas à atribuição de vistos", disse-nos.

"No mínimo, espero que esta controvérsia faça com que os australianos possam ter uma melhor compreensão da angústia destas pessoas."

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