Helder Mota Filipe considera ainda fundamental apostar numa "estratégia europeia que crie condições adequadas" para que a indústria farmacêutica volte "a sediar a produção na Europa".
O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos admite que “continua a haver” ruturas de stock de medicamentos, sublinhando que este não é um problema exclusivo de Portugal, mas que “algumas situações resultam das condições do mercado português”. Ao ECO, Helder Mota Filipe considera ainda fundamental apostar numa “estratégia europeia que crie condições adequadas” para que a indústria farmacêutica volte “a sediar a produção na Europa”.
“Continua a haver ruturas de stock de diferentes medicamentos. E, depois, há uma outra realidade, em que não podemos falar propriamente em rutura, mas é falta de medicamentos“, afirma o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, dando como exemplo, respetivamente, o propranolol, “que obrigou a colocar no mercado nacional embalagens vindas de Espanha com rotulagem em estrangeiro”, bem como o Ozempic, um medicamento para a diabetes tipo 2, mas que está a ser usado por pessoas que querem perder peso.
Helder Mota Filipe explica que as falhas ou ruturas de stock não têm uma causa única, sendo provocadas por diversos fatores, nomeadamente o facto de, em alguns casos, o preço do medicamento não compensar o aumento dos custos de produção, o que leva à “a sua inviabilidade comercial”; a dificuldade em adquirir matérias-primas ou até da própria substância ativa para produzir o medicamento, na sequência das disrupções das cadeias de abastecimento provadas pela pandemia ou da guerra na Ucrânia; ou a exportação paralela.
Em Portugal, a exportação paralela é “um problema particular”, dado que em território nacional “os medicamentos são mais baratos quando comparados com outros países europeus”, o que torna mais premente esta tendência. Recorde-se que, para colmatar esta situação, o Governo avançou com “um aumento controlado” dos remédios mais baratos e o Infarmed tem também uma lista relativa aos medicamentos cuja exportação está temporariamente suspensa, que é atualizada periodicamente. Está também a ser preparada uma lista para os medicamentos críticos.
“É verdade, que, em muitos casos não é um problema específico português, mas não devemos empurrar tudo para um problema europeu”, alerta o antigo presidente do Infarmed em declarações ao ECO, sublinhando que “algumas situações resultam das condições do mercado português”.
“É preciso uma estratégia” para produção de medicamentos voltar à Europa
O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos reconhece que “há uma mudança de prioridades” a nível europeu sobre esta matéria, com uma aposta numa “maior eficácia, monitorização e gestão das causas” destas falhas, mas realça que o “problema estrutural” diz respeito à “desindustrialização que aconteceu nas últimas décadas na Europa”, que levou a que “grande parte da produção de medicamentos” tenha lugar fora do Velho Continente.
“É preciso criar uma estratégia europeia que crie condições adequadas e que convide a indústria a voltar a sediar a produção na Europa“, defende, elencando como medidas avançar com “incentivos ficais”, bem como “haver uma discriminação positiva relativamente às empresas ou aos produtos que são comercializados na Europa” e um “reconhecimento dessa produção no preço dos próprios medicamentos”.
Helder Mota Filipe destaca ainda o facto de estar “a entrar no mercado muita inovação terapêutica”, muita da qual que “faz grandes diferenças relativamente às alternativas terapêuticas que existiam”, mas também “muito, muito cara”, dando como exemplo o Zolgensma — medicamento para atrofia muscular espinhal, que custa perto de dois milhões de euros e que ficou conhecido com o caso da bebé Matilde –, o Kaftrio — medicamento fibrose quística que tem um custo anual por doente de cerca de 200 mil euros, que ficou conhecido com a jovem Constança — ou o Hemgenix, medicamento utilizado no tratamento de adultos com hemofilia B, que foi aprovado em dezembro de 2022 pela FDA e que custa 3,3 milhões de euros, sendo considerado o mais caro do mundo.
Por isso, e numa altura em que a despesa do SNS em medicamentos aumenta de ano para ano, o bastonário considera que é “urgente” ter essa discussão a nível nacional e europeu, por forma a garantir a sustentabilidade do sistema e o acesso aos cuidados. “Torna-se difícil continuar a garantir com os mesmos mecanismos”, diz, apelando a uma revisão da forma como “negociamos e renegociamos preços”.
Já sobre a medida prevista no Orçamento do Estado que prevê que as farmácias comunitárias possam vir a distribuir medicamentos prescritos nos hospitais para tratamento de algumas doenças crónicas e fazer a renovação automática dessa medicação para doentes do SNS, Helder Mota Filipe diz que são medidas “muito bem-vistas e bem-vindas”, que têm vindo a ser discutidas o Ministério da Saúde, mas alerta que estas sejam “sejam implementadas de forma tecnicamente correta”.
Nesse sentido, a Ordem dos Farmacêuticos está “a preparar duas normas técnicas que entrarão nas próximas duas semanas em consulta pública”, tendo em vista a discussão dos “aspetos técnicos que devem ser tidos em consideração na prestação destes serviços”, nomeadamente no que toca às condições de armazenamento durante o transporte até à farmácia e por forma a garantir que no momento de compra é “prestado ao doente toda a informação tal”, tal como seria prestada nas farmácias hospitalares.
Por outro lado, a Ordem defende que a prescrição “nunca pode ser automática”, dado que “se há renovação do farmacêutico é suposto que o farmacêutico tenha verdadeiramente alguma intervenção que resulte em mais-valia” e pede que seja ouvidos todos os intervenientes no processo: farmacêuticos, médicos e doentes.