Antidepressivos podem piorar a demência? Isto é o que está a preocupar os médicos

CNN , Sandee LaMotte
11 mai, 16:00
Medicação

Estudo aponta possível ligação entre antidepressivos e declínio cognitivo em doentes com demência. Especialistas pedem interpretação cuidadosa

Os médicos utilizam frequentemente antidepressivos para tratar a depressão, a ansiedade e a agitação que acompanham o diagnóstico de demência. Mas um estudo sugere que o uso de antidepressivos pode acelerar o declínio cognitivo das pessoas com demência. Uma conclusão que alguns especialistas consideram injustificada.

"Verificámos que os doentes com demência que tomavam antidepressivos apresentavam um maior declínio cognitivo ao longo do tempo", afirma a autora sénior do estudo, Sara Garcia Ptacek, professora assistente de neurociências no Instituto Karolinska em Solna, na Suécia.

No entanto, os doentes e os seus cuidadores não devem preocupar-se demasiado com os resultados, uma vez que o estudo foi de observação e é necessário realizar mais investigação, afirma Ptacek por e-mail.

Os especialistas não envolvidos no estudo concordam que os resultados devem ser interpretados com cautela.

"A gravidade da depressão nos doentes com demência não foi totalmente tida em conta, o que pode enviesar os resultados", explica Prasad Nishtala, professor do departamento de ciências da vida da Universidade de Bath, no Reino Unido, num comunicado.

O neurologista Richard Isaacson, diretor de investigação do Instituto de Doenças Neurodegenerativas de Boca Raton, na Florida, diz que não é provável que os médicos que tratam demência alterem as suas práticas com base neste estudo.

No entanto, o que o público ouve e faz é uma preocupação diferente, afirma Isaacson.

"Como clínico, o que me preocupa é que um ente querido de um doente ouça falar deste estudo e diga: ´Se usarmos um antidepressivo, a minha mãe vai piorar mais depressa`", refere.

"Depois, o que é que acontece à qualidade de vida do paciente? Poderá tornar-se mais agitado e ser um perigoso mantê-lo em casa?" prossegue Isaacson. "Poderá tornar-se mais retraído, socialmente limitado e apático? Muito provavelmente".

A demência anda de mãos dadas com a depressão, a ansiedade e as alterações de humor. Os médicos utilizam frequentemente antidepressivos para controlar estes sintomas, de modo a que os doentes possam ter maior qualidade de vida. Freepik

Resultados confusos

O estudo, publicado na revista BMC Medicine, analisou dados médicos de 2007 a 2018 de 4.271 pessoas com demência inscritas no Registo Sueco de Distúrbios Cognitivos/Demência, um arquivo de investigação sobre demência. Todos os participantes tinham tomado antidepressivos durante pelo menos seis meses antes do início do estudo. Os mais prescritos foram os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRIs) - uma classe de medicamentos que atua aumentando os níveis de serotonina no cérebro.

Quanto mais severa for a demência, mais forte é a associação entre o uso de antidepressivos e o declínio cognitivo, segundo o estudo.

"No entanto, uma das principais limitações do estudo é o facto dos investigadores não saberem se as pessoas que necessitavam de antidepressivos eram casos mais graves e mais propensos ao declínio cognitivo", afirma Isaacson.

Mais importante ainda, testes de declínio cognitivo realizados durante o estudo mostraram que os pacientes que tomavam antidepressivos de uso comum, na verdade, pioravam mais lentamente do que o que é típico em doentes com demência no geral, diz Isaacson.

O declínio cognitivo entre os pacientes do estudo que usaram antidepressivos foi avaliado através do miniteste do Estado Mental (MMSE), um teste padrão utilizado para medir as capacidades mentais. As 11 perguntas do teste avaliam cinco áreas da função cognitiva. A pontuação máxima é de 30, e uma pontuação de 23 ou inferior é indicativa de défice cognitivo.

Normalmente, as capacidades mentais das pessoas com demência diminuem entre um e três pontos por ano neste teste. No entanto, os doentes que tomaram determinados antidepressivos no estudo apresentaram uma descida inferior a um ponto por ano - um ritmo de deterioração muito mais lento do que o habitual em casos de demência.

"É como se o estudo se contradissesse a si mesmo", diz Isaacson. "Se alguém ler esta investigação e concluir que os antidepressivos aceleram o declínio cognitivo em pessoas com demência, isso é falso. Não é isso que este estudo diz".

É necessário investigar muito mais antes de se poder verificar uma associação entre os antidepressivos e o declínio cognitivo, afirma Emma Anderson, professora associada de epidemiologia e epidemiologia genética na University College London, num comunicado - não esteve envolvida no estudo.

"Quando baseadas em provas limitadas, estas alegações podem distorcer seriamente a perceção pública sobre os antidepressivos, que sabemos que ajudam milhões de pessoas em todo o mundo."

 

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