"Falar sobre sexo também é educar. Quem não fala está a deixar de lado uma parte da educação"

19 jun, 08:00
Thaís Vilarinho

ENTREVISTA|| Thaís Vilarinho tornou-se escritora depois de ser mãe. Escreve precisamente sobre maternidade e já viu os seus livros transformarem-se em filmes e peças de teatro. À CNN Portugal, falou do que é ser mãe e de quanto isso lhe deu mais empoderamento e coragem

A maternidade é muitas vezes retratada como um paraíso. Um mundo cor-de-rosa, onde só há lugar para pensamentos positivos, bebés sorridentes e mães felizes. Mas a realidade é diferente e apanha muitas mulheres desprevenidas, como um murro no estômago. Antes de nos tronarmos mães, ninguém nos fala das noites sem dormir, das culpas silenciosas, da solidão inesperada e avassaladora.

Thaís Vilarinho conhece bem esse território. É mãe de dois rapazes agora adolescentes. Tornou-se escritora depois de ser mãe, precisamente para dar voz ao que tantas mulheres sentem e não são capazes de partilhar com o mundo.

Com livros que já chegaram ao teatro e ao cinema, Thaís Vilarinho fala de mães reais: imperfeitas, cansadas, mas corajosas e absolutamente humanas. Nesta entrevista à CNN Portugal, a autora de Mãe Fora da Caixa e Mar de Mães fala-nos sobre o que ninguém diz sobre o puerpério, o peso da culpa, a falta de rede de apoio, de como a adolescência dos filhos nos apanha de surpresa e da força da amizade feminina. E lembra-nos de que, mais do que medo, a maternidade é sobretudo um território de coragem.

Thaís Vilarinho mudou de vida e tornou-se escritora depois de ser mãe. Escreve precisamente sobre maternidade. (Divulgação)

Não sei se a frase é sua, mas na contracapa do seu livro diz que o livro surge “para dar um abraço a todas as mães”.  A maternidade é mesmo uma condição muito solitária, não é?

Incrivelmente e surpreendentemente solitária. Surpreendente porque ninguém fala dos desafios, o que dizem é que vai ser um sonho, um conto de fadas: você, o seu parceiro e o seu bebé. Felizes para sempre, sabe? Mas não é bem assim. Aliás, a realidade não é nem um pouco o conto de fadas que nos vendem.

É delicioso ter um filho nos braços, mas é também muito trabalhoso, sentimos falta da nossa vida de antes. Existe um luto do que ficou para trás, ninguém fala sobre isso que é algo que nos causa muita solidão. 

Pensamos: “Não era para estar a sentir-me a mulher mais realizada do mundo? De onde vem essa solidão?”. E acredito que essa solidão é algo muito do feminino, do luto da vida de antes, de questões muito profundas. Por isso mesmo que tenhamos a ajuda do nosso parceiro, eles não alcançam o que sentimos.

E os filhos, pelo menos até determinada idade, não nos fazem companhia…

Antes de nos tornarmos mães, nem imaginamos que os filhos demoram anos para serem, de facto, companhia. No início, especificamente, é muito solitário. Quando acordamos de madrugada para amamentar por exemplo, é uma solidão sem fim, parece que todos estão a dormir menos nós e os nossos bebés. Além de que a privação de sono também é algo que faz as coisas parecerem mais complicadas do que de facto são. E ninguém fala sobre isso. Quando fui mãe, há 18 anos, ninguém falava sobre os desafios, a solidão, a parte que dói. E não entendia o motivo, afinal acredito que trocar, falar, desabafar, alivia, faz-nos sentir menos solitárias com os nossos bebés e os nossos pensamentos. 

É mãe de dois adolescentes. O que é que ninguém nunca lhe disse sobre a maternidade e que lhe teria dado muito jeito ter sabido antes? 

Há 18 anos ninguém falava verdadeiramente sobre maternidade. Gostava que me tivessem contado tantas coisas. Entrei de cabeça na maternidade, tão romântica, por isso é que acho que o tombo foi tão grande. 

Se soubesse que o puerpério não seria um mar de rosas, ter-me-ia ajudado muito. Se me tivessem dito que o puerpério, ao contrário de um mar de rosas, seria desafiador em muitos aspetos, tanto na amamentação, como na privação de sono, ou nas questões hormonais, que podem deprimir-nos um pouco ou muito, teria ajudado a ser mais leve. Se me tivessem contado que é completamente normal sentirmos falta da vida de antes, que existe um luto que precisamos viver quando nos tornamos mães, ter-me-ia libertado de sentir culpa. Sentia essa saudade do antes e culpava-me muito por isso. 

Gostaria que me tivessem contado que não tinha de me preocupar tanto em dar conta de tudo porque ninguém dá. Gostaria também que me tivessem contado que não precisava procurar ser uma mãe perfeita, que isso só iria adoecer-me e deixar as coisas pesadas. Também gostaria muito que me tivessem contado que precisava, e muito, de uma rede de apoio e que pedir ajuda é sinal de força e não de fraqueza.

Sofri tanto tempo à procura da perfeição e dar conta de tudo. Se tivessem conversas como as que temos hoje, o meu “maternar” certamente teria sido mais leve. Por isso é que gosto tanto de falar sobre maternidade, de fazer para as novas mães o que não tive. Os meus livros são exatamente sobre isso: levar leveza, identificação e sensação de pertença. 

E ainda continua a descobrir aspetos da maternidade que nunca ninguém lhe contou?

Sim, muitos. Hoje, com os meus filhos na adolescência, não sabia que sentiria tanto saudosismo da infância deles ou que me iria surpreender por, de repente, ver dois homens no sofá da minha sala. É tão rápido que acontece.

Não imaginava que geralmente a adolescência deles vem na fase da nossa perimenopausa e que é demasiado desafiador lidar com o turbilhão de hormonas deles somado à nossa falta de hormonas. É uma fase desafiadora na vida da mulher somada a uma fase desafiadora dos filhos. É preciso muito jogo de cintura e muita sabedoria para a enfrentar.

Mas também não imaginava a alegria e a emoção que é ver um filho a transformar-se num rapaz. Dá um orgulho tão grande! Parece que o coração vai explodir. Emociono-me frequentemente. 

Porque é que há tão pouca sororidade e tanto julgamento entre mães?

Acredito que as mulheres que ainda julgam fazem isso porque estão imersas no machismo, estão acostumadas e acham normal competir umas com as outras. As mulheres que já entenderam a força do feminino, a potência que existe nas relações de amizade entre mulheres certamente acolhem ao invés de julgar.

Só que grande parte das mulheres ainda vivem essa vida infantil de competição umas com as outras. E isso faz-nos ser tão mais solitárias. Quando vivemos a sororidade na prática, sentimo-nos com companhia e muito mais fortalecidas. E é por isso, por essa minha vivência com amigas, que escrevi o meu livro “Mar de Mães”. 

E porque é que a culpa e a maternidade andam tanto de mãos dadas?

São tantas caixas que nos colocam, tantas cobranças, tantas expectativas dos outros sobre nós e são tantas expectativas nossas sobre nós mesmas... Essa é uma longa conversa. Mas uma coisa sei: temos de lutar para separar culpa de maternidade, não podemos achar normal elas andarem de mãos dadas, até porque só vai fazer que a nossa experiência de maternidade seja pesada. Somos a primeira geração de mulheres que está a olhar para a maternidade de uma forma real, sem romantismos.

A maternidade ainda anda de mãos dadas com culpa porque infelizmente, na maioria das famílias, a responsabilidade com os filhos é 100% das mães. Se algo dá errado é sempre culpa da mãe. O pai ninguém questiona, já notou? 

Então, com tanta pressão, com tantos afazeres somados, a carga mental, vem a sobrecarga. E nós, sobrecarregadas, na ansiedade de fazer as coisas e muitas vezes não conseguir, enchemo-nos de culpa. Já percebeu que mães planeiam, administram e executam? Já percebeu que ninguém faz isso tudo numa empresa? E sabe porquê? Porque é humanamente impossível, só que o mundo, de alguma maneira, cobra das mães nada mais nada menos do que o impossível. Há um texto sobre isso no meu primeiro livro, o “Mãe Fora da Caixa”, o livro que estou a lançar com a Manuscrito em Portugal. 

Qual é a pior coisa que se pode dizer a uma mulher que acaba de ser mãe?

Sugerir que ela não sabe o que está a fazer. Já é tão difícil no início, já nos sentimos tão frágeis e vulneráveis. Na verdade, também estamos a nascer, mas como mães. Se alguém nos desencoraja ou nos coloca para baixo, as coisas dificultam muito. Que o mundo aprenda a encorajar e cuidar das mães recém-nascidas. Se conseguirmos essa consciencialização, o início da maternidade vai ser muito mais leve, mais fácil. Cuidar da mãe que acabou de nascer deveria ser algo ensinado nas escolas.

Qual seria a melhor coisa que se pode dizer ou se pode fazer por uma mãe que acaba de o ser ou que está prestes a sê-lo?

Ajudar com as coisas da casa, fazer-lhe as compras no supermercado, na farmácia. Fazer uma refeição fresquinha para ela comer, ou um doce que ela gosta. Também é importante ficar com o bebé para ela poder tomar um banho em paz. É importante dar espaço para ela falar, ver-se de verdade, as necessidades dela ao invés de só olhar para o bebé. Temos de pensar que ela já cuida do bebé e, portanto, o entorno tem o dever de cuidar dela.

Quando fui mãe, uma senhora amiga, idosa e analfabeta, visitou-me, olhou para o bebé e depois olhou para mim e disse: “minha filha, nunca mais vais deixar de ter medo na vida!”. Foram as palavras mais assustadoras, mas também as mais reconfortantes que ouvi. O que diz sobre esta consideração?

O medo vem do lugar de, por algum motivo, faltar aos nossos filhos, de morrer, ou de algo lhes acontecer. Isso dá mesmo medo, preocupa-nos, mas ainda acho que a palavra mais certa seria o contrário, “nunca mais vais deixar de ser corajosa”. A maternidade é uma potência sem fim, acho que nos encoraja muito. Por um filho enfrentamos os nossos maiores medos. 

A maternidade ensinou-me a falar não, a não ter medo de correr atrás dos meus sonhos, de ser quem sou de verdade e não o que esperam de mim. E, na troca com as minhas leitoras, ouço sempre relatos parecidos com os meus. Relatos de mulheres que sentem uma coragem absurda depois de se tornarem mães. A maternidade é também um exercício de autoconhecimento. 

Depois da maternidade nascem tantas mães empreendedoras que não aceitam trabalhar mais com o que não faz vibrar o coração. A maternidade deu-me a profissão de escritora, percebe a potência disso?

Claro que depois da maternidade temos medo da finitude porque sabemos que quando são bebés, crianças e adolescentes, precisam de nós. Mesmo assim, ainda acho que maternidade é muito, muito mais sobre coragem do que sobre medo. 

O que é ser uma mãe fora da caixa?

É sair dessa busca insana e sem sentido pela perfeição. Fugir dessa nossa cobrança de ser a mãe que faz tudo perfeitamente perfeito, que procura dar conta de tudo. 

Essa busca pela perfeição afasta-nos dos nossos filhos porque, ao invés de estarmos conectados com eles, estamos focadas em fazer tudo milimetricamente perfeito. Essa busca dentro da caixa não nos deixa aproveitar o que é o nosso possível, somado ao que é o possível deles. Faz-nos cobrar de nós mesmas e também deles. E quando entendemos isso, percebemos que se não existe uma mãe perfeita, percebemos que também não existe um filho perfeito, certo? Da mesma forma que abraçamos a nossa humanidade, abraçamos com mais facilidade a deles e isso aproxima-nos e muito dos nossos filhos. 

Estamos aqui para aprender e para apoiar os nossos filhos nas aprendizagens deles também.

Ser uma mãe fora da caixa é também fugir das nossas culpas e cobranças sem sentido e do sentimento exaustivo de achar que nunca fazemos o suficiente. É aceitar-se humana, com acertos, mas também com erros. E a consequência disso tudo é um “maternar” possível, com menos peso, mais diversão e muita conexão e troca com os nossos filhos. 

O seu livro “Mar de Mães” deu origem a um filme que fez um enorme sucesso, incluindo em países árabes. Porque é que este livro e este filme foram um sucesso tão grande?

O livro faz tanto sucesso porque afasta a solidão, traz sensação de pertença e acolhimento. É uma história que fala sobre questões que as mulheres dos tempos de hoje vivem quando se tornam mães. Mas acredito que o sucesso acontece sobretudo porque é um filme que fala sobre a amizade feminina, sobre como as nossas amigas nos ajudam a atravessar esse mar tão imenso chamado maternidade. Na verdade, você pode ter uma rede de apoio, um parceiro participativo, mas só uma mãe entende com profundidade a outra e isso vemos claramente na relação de amizades das três mulheres mães do livro: Thaís, Erika e Zilda. Os nomes são uma homenagem ao trio de amigas que formei depois da maternidade. Não é a nossa história, mas poderia ser. Não há como uma mãe ler e não se identificar em algum lugar com a história das três. 

O “Mãe fora da caixa” deu origem a uma peça de teatro de sucesso e agora vai dar origem a um filme. Como olha para estes fenómenos de os seus livros saírem da caixa e, de repente, transformarem-se noutra coisa. É quase como se fossem filhos adolescentes, no sentido em que crescem e aos poucos deixam de ser seus… 

É muito giro, uma emoção imensa ver a minha escrita a transformar-se em outras formas de arte e cada uma delas tocar mães de uma forma especial e diferente. É bonito ver como tudo se vai completando. É uma alegria indescritível e uma grande honra também. Comecei a escrever depois de me tornar mãe. Lançar um livro é um feito gigantesco. Agora imagine uma peça, um filme, uma curta-metragem? É inacreditável. Gosto muito de sentir isso sempre, sabe? De não me acostumar, de não me cansar de me emocionar com a profissão que a maternidade me deu. Sou apaixonada por escrever e dedico-me de corpo, alma, mente e coração. Acredito que é por isso as coisas vão acontecendo. Sinto que é o meu propósito, portanto, a entrega é natural. 

Disse numa entrevista que "Deixar de orientar os filhos sobre sexo é negligenciar o nosso papel" de mãe. Quer explicar melhor?

Claro! Sou mãe de dois meninos e eles sentiram-se sempre à vontade para falar de todos os assuntos comigo. O sexo não poderia ser diferente. Acredito que devemos tirar esse assunto da prateleira tabu. Não precisamos mais de tabus, certo? Na idade que considerei adequada comecei a responder a perguntas, às vezes falo de algo que os deixa envergonhados, mas que sei que no fundo eles ouvem e absorvem. Quero que sejam esclarecidos nesse tema, que sejam boas pessoas, que se importam com o prazer da namorada e que não sejam egoístas, autocentrados no próprio prazer.

Dentro desse tema, hoje temos um problema muito grande, que é a pornografia tão próxima dos jovens. Temos de cuidar muito desse tema para que eles tenham uma relação saudável e não distorcida sobre sexo. É essencial eles terem essa abertura connosco. Falar sobre sexo também é educar, portanto, acredito que quem não fala sobre sexo está a deixar de lado uma parte da educação. 

Qual é a coisa mais difícil de ser mãe?

Certamente a responsabilidade de criar e educar um bom ser humano. Que responsabilidade imensa e difícil, não é? Mas, ao mesmo tempo, é muito motivadora. Dedico-me muito para entregar para o mundo pessoas de bem, responsáveis, respeitosos, cheios de amor, autoestima e autoconhecimento. É isso que Deus quer de nós quando nos presenteia com um filho. 

E qual a melhor coisa de ser mãe?

Para mim, com certeza absoluta, é a sensação de coragem e de potência que a maternidade trouxe para a minha vida. Sou infinitamente mais a minha essência hoje, infinitamente mais madura, com mais sabedoria de vida, mais resiliente e muito mais em paz com tudo. A maternidade ensina-me tanto! Transformou-me, fez-me crescer. Sou muito grata pelos meus filhos, por ser mãe! 

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