Afinal, foi só uma brincadeira, mas muitos pais e filhos ficaram assustados. Houve escolas encerradas e as autoridades reforçaram a vigilância em alguns estabelecimentos de ensino
Partilhadas por pais e filhos, as mensagens que davam conta de uma possível invasão de uma escola, em várias regiões do país, espalharam-se nas redes sociais a uma velocidade estonteante e fizeram temer o pior. No final, tudo não passou de “uma brincadeira de mau gosto”, segundo o diretor nacional da PSP, Magina da Silva. Um boato que se espalhou de forma descontrolada e que ninguém conseguiu travar.
“As redes sociais funcionam muito por impulso e é muito fácil disseminar qualquer coisa. Tudo o que é escandaloso, alarmante ou humorístico é fácil de partilhar e de fazer chegar a um grande número de pessoas. A escalabilidade é enorme e dão uma nova dimensão a estes fenómenos”, afirma Tito Morais, autor dos projetos "Agarrados à Net" e "Miúdos Seguros na Net".
E foi assim que cinco adolescentes, entretanto identificados pela Polícia Judiciária (PJ), lançaram o pânico quando começaram a partilhar na rede social Instagram imagens de armas com referências ao massacre norte-americano do liceu de Columbine, quando dois estudantes invadiram a Columbine High School e mataram 12 alunos e um professor. À polícia, os jovens assumiram prontamente a autoria das publicações, mas insistiram que não tinha noção do impacto que as ameaças poderiam ter e que tudo tinha sido “apenas uma brincadeira”. "É mais um exemplo do mau uso das redes sociais", disse Magina da Silva.
Neste caso, as ameaças de ataques a escolas começaram na semana passada e, inicialmente, preocuparam a PJ porque continham fotos de armas e foram rapidamente partilhadas milhares de vezes. Durante a investigação, um facto tranquilizou as autoridades: as imagens utilizadas não eram novas e tinham sido retiradas da internet.
“Durante a investigação constatou-se que eram fotos retiradas da internet, o que só por si esvazia bastante o grau de ameaça”, disse o coordenador da Unidade Nacional Contra Terrorismo da PJ, Alves da Cunha.“Foram identificados cinco jovens, com idades de 14, 15 e 16 anos, em Odivelas, Leiria, Aveiro e Vila Nova de Gaia que estiveram envolvidos nas ameaças de ataques a escolas através das redes sociais, alguns com problemas psicológicos e com famílias complicadas.”
"PSP deu legitimidade às ameaças"
Na manhã de quinta-feira, em comunicado, a Polícia de Segurança Pública (PSP) informou que estava a monitorizar a situação e a acompanhar o funcionamento dos estabelecimentos de ensino e a população escolar. As autoridades acrescentaram ainda que tinham recebido informação das ameaças através das redes sociais, depois de vários cidadãos terem alertado para o caso, e pediam atenção a quaisquer movimentações suspeitas.
Tito Morais argumenta que parte do alarme social causado se deve precisamente ao comunicado partilhado pela PSP na manhã de quinta-feira. “Ajudou a ameaça a ganhar uma outra dimensão, dando-lhe legitimidade e contribuindo para o receio.”
“Não tenho dúvidas de que este evento vai levar ao mimetismo. O alarme que isto criou pode potenciar isso. É por isso que estas coisas têm de ser feitas com muita cautela”, sublinha o especialista. Segundo o coordenador da PJ, as autoridades estão a monitorizar diariamente as redes sociais, numa perspetiva de prevenção para que esses "fenómenos miméticos" ou crimes de ódio ou incitamento ao mesmo “sejam rapidamente estancados”, evitando assim o alarme social.
Como explicar às crianças - e responder aos seus medos?
Para Melanie Tavares, psicóloga e coordenadora do Instituto de Apoio à Criança (IAC), os pais têm um papel fundamental a cumprir junto dos filhos, de forma “a procurar ajuda e verificar junto das autoridades se a ameaça anunciada faz sentido”. Em caso de não conseguir ter uma certeza, os pais devem fazer por “proteger a criança”, uma vez que é possível que esta desenvolva “uma fobia escolar”.
“Existe uma dificuldade muito grande em desmentir os conteúdos. Isto chega a uma escala global que é difícil de controlar e de chegar à fonte. Quando o número de partilhas é tão grande, torna-se muito difícil fazer o rastreio para sabermos onde começou”, sublinha a psicóloga.
Em muitos casos, os pais chegaram mesmo a proibir os filhos de ir à escola e, noutros casos, as próprias crianças recusaram-se a ir. Para a especialista, tendo em conta o contexto, é importante respeitar a vontade da criança e não lhe impor a ida à escola. “Se a criança não quiser ir à escola por se sentir assustada, os pais devem respeitar a vontade da criança e não lhe impor a ida à escola”, sugere Melanie Tavares. A especialista explica que existem “quadros de ansiedade que se podem transformar em transtornos físicos”. Igualmente importante é “não mentir” aos filhos, de forma a não fazer com que a criança venha a “perder a confiança dos adultos de referência”.
Tito Morais sublinha que o medo vem do desconhecimento e pode levar pais e filhos a partilhar os conteúdos em larga escala, como aconteceu com este caso, criando o alarme social. Para o especialista, a solução passa por “não repartilhar este conteúdo”, tentar descobrir se a origem da informação é credível e reportar todas as mensagens às autoridades.
“Recomendo que os pais não procurem transformar-se em investigadores e transmitam a informação às autoridades”, frisou.