Rapazes e homens estão a passar por uma "crise de conexão", diz especialista

CNN , Shannon Carpenter
25 ago, 17:00
Niobe Way argumenta que os rapazes precisam de ser ensinados a ser vulneráveis e a conectar-se com outras pessoas (doble-d/iStockphoto/Getty Images)

Niobe Way argumenta que os rapazes precisam de ser ensinados a ser vulneráveis e a conectar-se com outras pessoas

Outra vez não.

A minha mente repetiu o que já tinha dito muitas vezes antes, quando soube de outro tiroteio levado a cabo por um jovem, desta vez no comício organizado pelo antigo presidente Donald Trump.

Fique com raiva porque tivemos de assistir a outro tiroteio.

Vivo em Kansas City, onde aconteceu um tiroteio durante o desfile do Super Bowl. Naquele dia, fui logo confirmar que estava tudo bem com os vizinhos, a família e os amigos. Tenho dois filhos, e tenho-me questionado qual a diferença entre eles e os jovens que acabam presos devido a esses tiroteios. Há algo mais que eu possa fazer? Qual é a realidade desses homens jovens, que torna a violência a tal escala parecer uma resposta apropriada? O que nos está a falhar a todos?

“Há outra história para contar”, explica Niobe Way, professora de psicologia do desenvolvimento na New York University e autor do livro ““Rebels with a Cause: Reimagining Boys, Ourselves, and Our Culture” [Rebeldes com um Motivo: Reimaginar os rapazes, nós próprios e a nossa cultura, em tradução livre].

Way, que tem levado a cabo investigação sobre o desenvolvimento social e emocional de adolescentes há quase quatro décadas, apercebeu-se de que os rapazes estão “a contar aquilo a que eu chamo de história densa, que revela toda a sua humanidade”.

Para Way, as histórias mais leves são compreensões superficiais dos rapazes e dos homens que jogam com estereótipos e preconceitos. Por uma história densa, entende-se a obtenção de uma compreensão profunda dos motivos pelos quais os nossos rapazes e homens jovens acabam com uma arma nas mãos.

Sentei-me com Niobe Way para conversarmos sobre o seu novo livro e descobrir que perguntas temos deixado por fazer. Eu, tal como muitos outros pais, não queremos desculpas para o que é indesculpável. Queremos antes saber o que pode ser feito para que não volte a acontecer.

Esta conversa foi editada e condensada para tornar mais fácil a sua compreensão.

CNN: Onde estamos a errar nas conversas sobre tiroteios? O que é que não compreendemos?

Niobe Way: Não sabemos como lidar com elas. Não as compreendemos. Pensamos que deve ter havido algo errado com eles, com o pai deles, com a mãe deles. Não vemos bem as águas em que estamos a navegar. Enquanto não reparamos nela, não sentimos que podemos fazer alguma coisa em relação a isso. A mensagem positiva que quero passar é a de que, quando reparamos que se trata de uma cultura que choca com a nossa natureza, temos já dentro de nós a capacidade de resolver os nossos próprios problemas.

CNN: Diz no seu livro que os rapazes e os homens estão a passar uma crise de conexão. Explique melhor o que quer dizer.

Way: À medida que os rapazes ficam mais velhos, bem como o resto das pessoas, desconectamo-nos do nosso lado mais brando, à custa de uma cultura masculina que não encoraja nem apoia essas competências. Precisamos da nossa capacidade de nos ouvirmos a nós mesmos e aos outros, com curiosidade sobre o que se está a passar… Precisamos da nossa incrível inteligência emocional e relacional, que é o nosso lado brando, para sermos felizes e nos conectarmos a nós mesmos e aos outros.

A questão pode ainda ser por que motivo essa desconexão do lado brando conduz à depressão, à ansiedade e à solidão.

CNN: Quais são alguns dos efeitos dessa falha de conexão?

Way: Começamos por nos desconectarmos de nós mesmos, porque não conseguimos expressar esse lado mais brando, que é natural e necessário para essa conexão. Daí a depressão, a ansiedade e a solidão. Às vezes desenvolvimentos um sentido de alienação no isolamento que se transforma em raiva.

Temos de estar dispostos a sermos vulneráveis e brandos para nos conectarmos com os outros. Por isso, quando não estamos dispostos a tal, passamos por um mau bocado com os outros. E isso pode conduzir à raiva e à frustração.

O que os tiroteios em massa nos revelam é a raiz da crise de conexão e a raiz da violência. Defendo no livro que esta crise conduz os que estão mais isolados a uma espécie de doença mental, que assenta essencialmente em delírios de poder. E se eles conseguissem chegar ao topo da hierarquia da humanidade? Se conseguirem estar entre aqueles que são valorizados, conseguem-no. Muitas vezes, no seu isolamento, na sua raiva e doença mental, convencem-se de que matam pessoas que consideram lhes terem causado danos.

Eles chegam ao topo da hierarquia ao acreditaram que as suas ações dizem “Sou poderoso e tu não”. Então, na sua doença mental, convencem-se a si próprios de que a violência vai levá-los ao topo da hierarquia.

CNN: Trouxe esta ideia de hierarquia da humanidade. Como é que funciona com aqueles que estão solitários e isolados, que cometem esses atos de violência sem sentido?

Way: Eles [os atiradores em massa] colocam-se no topo de hierarquia ao invertê-la, colocando também no fundo aqueles que consideram estar aí. Ninguém quer estar no fundo. Muitos atiradores em massa acreditam que vivem numa cultura que não os valoriza nem tem esse tipo de relacionamentos. E isso, potencialmente, leva à doença mental. E depois à violência.

Utilizam um sentido irreal da realidade para chegar ao topo, através da violência. Temos uma crise de conexão (e de desconexão connosco mesmos). E um dos sintomas é uma crise de saúde mental. Esta crise de conexão é causada, fundamentalmente, por uma cultura masculina que privilegia a dureza em relação ao sentimento, à vulnerabilidade, à autonomia, à ligação, quando de facto precisamos dos dois lados da nossa humanidade para sobreviver.

Em segundo lugar, a hierarquia consiste em ser-se duro e não brando, não se importar nem ouvir, não valorizar amizades, não fazer nada quando os rapazes não têm boas amizades, apenas ignorar e dizer que é algo irrelevante.

CNN: Há algum tipo de solução que nós, enquanto sociedade, possamos começar a implementar?

Way: É uma questão de criar uma cultura que alinhe a nossa natureza com as nossas necessidades. A sensibilidade e o estoicismo funcionam em conjunto. Temos de reconhecer a cultura aonde estamos a navegar. Temos de reconhecer que estamos a fazer isto a nós próprios. Não é culpa dos Republicanos. Não é culpa dos Democratas. Não é culpa dos homens. Não é culpa das mulheres. Não é culpa dos imigrantes. Não quero saber a quem é que estamos a atribuir a culpa neste momento. Não é culpa de ninguém. É a cultura em que todos fomos criados. Contudo, o ponto é: é o facto de estarmos todos a perpetuar esta cultura que está a transformá-la num obstáculo.

Além disso, atribuímos um género e sexualizamos o que é simplesmente humano. Temos pensamentos e sentimentos já com um género aplicado. Então, pensar no masculino e sentir no feminino, estoicismo como masculino e vulnerabilidade como feminino. Aquilo a que atribuímos um género é, fundamentalmente, humano.

Temos a capacidade de ouvir com curiosidade – o que posso aprender contigo? Mas também o que posso aprender sobre mim contigo? – e, logo, de olharmos uns para os outros com espanto… Esta inteligência relacional natural é, de certo modo, a raiz de uma mudança cultural. E uma vez que o comecemos a fazer (a ouvir de forma ativa, com curiosidade, o outro), começamos a ver-nos melhor a nós mesmos, começamos a vermo-nos uns aos outros melhor, fora de um conjunto prejudicial de estereótipos. Começamos a ver a nossa humanidade em comum, não apenas semelhantes, mas as nossas diferenças. E começamos a ver as outras pessoas como nos vemos a nós mesmos.

Shannon Carpenter é escritor, autor do livro “The Ultimate Stay-at-Home Dad”. É casado e tem três filhos.

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