Medo de largar a máscara? Oito passos para uma “libertação” gradual

9 mai 2022, 08:00
Mulher com máscara de proteção facial. (AP Photo/Rick Bowmer)

A máscara foi uma arma fundamental no combate à covid-19 nos últimos dois anos, mas há quem não consiga voltar às antigas rotinas sem ela. A CNN Portugal falou com duas psicólogas e reuniu alguns conselhos

Habituámo-nos a fazer (quase) tudo com ela: a trabalhar, a fazer compras, a passear na rua e até a estar com familiares e amigos. A máscara marcou profundamente as nossas vidas nos últimos dois anos e alterou a forma como nos relacionamos no dia a dia. E agora que deixou de ser obrigatória na maior parte das situações, há quem não consiga passar sem ela.

“Pode ter aqui um carácter mais problemático, sobretudo nos casos mais hipocondríacos e obsessivos. A pandemia agravou estas perturbações mais associadas à ansiedade”, começa por dizer a psicóloga Catarina Lucas à CNN Portugal. A especialista explica que a pandemia trouxe “alguma normalização” de comportamentos a quem, antes da covid-19, já apresentava práticas obsessivas. Nestes casos, refere, “o medo e a preocupação excessiva” podem perpetuar as medidas adotadas de combate o vírus.

Por sua vez, a psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva diz que usar máscara “não é um simples comportamento” e pode “traduzir muitas coisas”. “Temos uma relação com a máscara de liberdade e de poder. Quando sentimos que não temos escolha e que temos de usar a máscara num determinado contexto é uma relação de alguma dependência, que pode constituir ponto de alerta”, vinca.

Retirar a máscara pode ser difícil e, por isso, deve ser feito de forma faseada. Mas por onde começar? Deixamos-lhe alguns passos que pode seguir. 

1. Refletir sobre o significado do uso da máscara

“Em primeiro lugar as pessoas devem refletir sobre o que significa, para si, o uso da máscara", propõe Filipa Jardim da Silva. “Devem tentar aprofundar como é que, antes da covid-19, se sentiam seguros em épocas gripais e em ambientes onde podiam estar outras pessoas doentes”, aponta. A psicóloga sublinha que esta primeira reflexão é fundamental para “perceber o papel da máscara na vida de cada pessoa”.

“O que é que eu fazia antes da covid-19? Como me sentia seguro? O que é que a máscara me veio trazer?” são questões essenciais nesta reflexão.

 

2. Começar a retirar a máscara ao ar livre

Quem ainda tem medo de retirar a máscara deve começar a fazê-lo aos poucos e de preferência em espaços ao ar livre, “em que temos distanciamentos mais alargados”, diz Filipa Jardim da Silva. Um passeio na rua, no parque ou no jardim são bons exemplos para este início. A psicóloga sublinha que durante este processo é também importante manter “uma postura curiosa” e de “auto-observação”: “O que é que eu estou a sentir? Fisicamente o que é que eu noto? Estou com medo, estou triste?”

“A nossa regulação carece sempre dessa capacidade de lermos e identificarmos sensações físicas. Sem essa leitura não há capacidade de regular seja o que for”, vinca a especialista.

3. Retirar a máscara em espaços fechados amplos, sem sobrelotação

Depois das zonas ao ar livre, o passo seguinte pode passar pelos espaços fechados mais amplos, onde não há sobrelotação, refere Catarina Lucas. A especialista diz que “até pode ser um supermercado” se não houver uma grande concentração de pessoas.

4. Nos convívios, começar com grupos mais pequenos

No plano social, recuperar os convívios com familiares e amigos sem máscara deve ser feito também de forma gradual. Catarina Lucas aconselha a começar com um pequeno grupo, “de cinco ou seis pessoas”, juntando “pessoas mais próximas” e em ambientes controlados -  na própria casa, por exemplo.

Filipa Jardim da Silva acrescenta que nos primeiros encontros a utilização de um teste rápido também pode ajudar a dar uma segurança acrescida. A psicóloga frisa que é importante “recordar os benefícios que temos em comunicar rosto com rosto, não perdermos de vista a nossa essência, que é comunicarmos com os outros com o rosto liberto”.

5. Optar pelas atividades culturais de curta duração

Ir ao cinema ou ao teatro pode significar estar num espaço fechado e com muitas pessoas durante algumas horas, pelo que retirar a máscara nestas circunstâncias pode causar grande ansiedade, nota Catarina Lucas. Por isso, a psicóloga sublinha que no que toca a atividades culturais em espaços fechados o ideal é começar por eventos de curta duração, não mais do que meia hora. “O importante é não pormos todos os fatores que causam ansiedade na mesma situação”, explica.

6. Voltar a entrar num restaurante sem máscara

“Há pessoas que ainda não voltaram a restaurantes e não têm nenhuma condição de saúde”, afirma Catarina Lucas. A psicóloga afirma que muitos portugueses ainda estão em situações mais isoladas, também por causa do teletrabalho, e que por isso ainda não voltaram a almoçar ou a jantar fora. Depois dos passos anteriores, esta pode ser a altura certa para voltar a um restaurante, diz a psicóloga.

7. No trabalho, deixar a máscara por curtos períodos de tempo

O regresso ao trabalho presencial pode ser um fator de ansiedade para muitos e, neste contexto, largar a máscara também pode ser mais difícil “porque é muito tempo de exposição, são sete, oito horas”, explica Catarina Lucas. A especialista aconselha a começar a retirar a máscara gradualmente, por exemplo “à hora de almoço, com os colegas” e depois ir aumentado os períodos sem máscara.

8. Aceitar o ritmo de cada um e, se necessário, pedir ajuda

Catarina Lucas sublinha que neste conjunto de mudanças “cada pessoa tem o seu tempo”. Uma ideia que é corroborada por Filipa Jardim da Silva: “Este sistema não desliga de noite para o dia, vai depender das circunstâncias e da nossa vulnerabilidade.”

Por outro lado, Filipa Jardim da Silva lembra que há “pessoas que alteraram hábitos e rotinas e verdadeiramente já não têm interesse” em certas atividades, como por exemplo ir ao cinema, e que isso faz parte da “liberdade individual” de cada um. No entanto deixa o alerta: “Uma coisa é alguém que mudou de hábitos e não quer ir e outra é alguém que não consegue ir a uma sala de cinema, a um restaurante, a um shopping.”

“O sinal de alerta é quando sentimos que queremos ter um comportamento e não conseguimos ir porque o medo é mais forte do que nós. Quando o medo toma conta de nós, quando não sentimos que somos capazes de regular essa emoção isso é um marcador de alerta”, frisa.  

Nesses casos, “é uma mais valia pedir ajuda a um profissional de saúde clínico para podermos ganhar mais poder sobre o nosso comportamento”. “Antes de regularmos seja o que for precisamos de perceber o que está a acontecer", acrescenta.

No verão já vamos todos andar sem máscara? A maioria talvez sim. “Um dos fatores que nos ajuda nesta transição será a exposição repetida e contínua a esta realidade. À partida, durante o verão e no final de verão, com a maior exposição a aglomerados é expectável que o nível de estranheza diminua e que o nível de conforto e segurança aumente.”

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