Marta Temido tornou-se militante do PS há um ano. Mas "não tem futuro” no partido

30 ago 2022, 22:00

Dois politólogos analisam o percurso partidário de Marta Temido e anteveem-lhe o futuro (ou a falta dele) dentro do PS. A ministra que se tornou militante do PS há um ano e foi apresentada como putativa sucessora de Costa demitiu-se do cargo no Governo

Há um ano e dois dias era apresentada, com pompa e circunstância, como militante do Partido Socialista. No 23º Congresso do partido, no palco, perante as centenas de militantes presentes e as câmaras de televisão, recebia o cartão das mãos de António Costa e era apresentada pelo secretário-geral como uma possível sucessora à frente do partido. Demitiu-se esta terça-feira do cargo no Governo. Qual será agora o futuro da militante socialista dentro da máquina partidária? A CNN Portugal perguntou a dois politólogos e a várias figuras do PS. Para os politólogos, não haverá grandes saídas para Marta Temido. Do lado dos socialistas, ninguém quer adivinhar.

Marta Temido recebeu o cartão de militante do PS das mãos de António Costa, no Congresso do partido. (António Pedro Santos/Lusa)

José Bourdain considera que o anúncio de Marta Temido como militante do PS foi uma “manobra de diversão” por parte de António Costa, “como tantas outras que o primeiro-ministro gosta”, feita numa altura em que a então ministra era a principal figura do Governo, por causa da pandemia.

“É óbvio que jamais teria possibilidade de ascender à liderança de um partido. Para isso, tinha de conhecer as estruturas do partido e conquistá-las. Precisava do apoio das estruturas do partido, o que não tem. Muito menos neste contexto em que agora sai”, justifica o politólogo.

“É um não assunto. Não tem futuro”, remata.

Astros desalinhados

Na mesma linha, vai a análise do também politólogo José Fontes. O professor universitário diz mesmo que, na altura do Congresso do PS, não levou a sério as declarações de António Costa.

“Acho que foi uma afirmação feita num contexto muito próprio, em que Marta Temido tinha uma popularidade muito elevada por causa da pandemia e uma imagem muito boa junto dos portugueses. Mais por causa da pandemia do que por medidas que tenha tomado. Nunca levei isso como uma declaração muito séria”, recorda o analista.

“Foi uma declaração muito circunstancial, até com algum humor, para aproveitar a popularidade”, resumiu.

A própria ministra, em agosto de 2021, admitiu que a ideia a "fez sorrir", mas que descartou: "Não é por aí". 

Em agosto de 2021, Marta Temido descartou a hipótese de suceder a Costa à frente do PS. 

José Fontes considera também que o futuro de Marta Temido dentro da máquina partidária do PS dependerá muito das verdadeiras razões que conduziram à demissão e que “deverão ser conhecidas nos próximos dias”. O politólogo suspeita que poderão estar relacionadas com o Orçamento do Estado para 2023 que estará já a ser preparado, e que poderá não ser muito favorável ao Ministério da Saúde nas atuais circunstâncias. “Não sei se a questão do orçamento não pesou muito aí. Se pesou também demonstra a falta de peso que ela tinha no Governo. (…) Se ela fosse uma putativa candidata à liderança do PS, tinha um peso político para fazer exigências neste Orçamento. E acho que a demissão prova que não tem esse peso político”, justifica.

O especialista sublinha a conjuntura desfavorável em que Marta Temido sai do Governo e resume: “Os astros não lhe foram muito favoráveis”.

Entretanto, o primeiro-ministro já admitiu que o caso da grávida que morreu durante a transferência hospital terá sido "a gota de água" para Marta Temido.

E agora, Marta?

José Fonte recorda que Marta Temido foi eleita deputada e considera que deverá passar pelo Parlamento o seu futuro político.

“Pode ter futuro político no PS como deputada. A ação política faz-se em muitos fóruns e o Parlamento é, por definição, um deles. Portanto, acredito mais que o seu futuro político passe por aí do que pela liderança do partido”, lembra.  

A CNN Portugal procurou um comentário junto de várias figuras do PS e quase todas recusaram o convite. Apenas Isabel Moreira aceitou falar para elogiar a ministra da Saúde demissionária, quer pessoal, quer profissionalmente.

“Tenho uma gratidão enorme todo o trabalho que desenvolveu ao longo deste tempo. Foi uma ministra de uma disponibilidade acima do normal. Não é muito comum um ministro ou uma ministra responder com tanta prontidão a questões que um deputado lhe coloque. Era de uma prontidão, uma rapidez de resposta muito acima da média”, sublinha a deputada socialista.

Quanto ao futuro, considera Isabel Moreira que esse só a Marta Temido pertence: “Ela é dona do seu futuro. Competentíssima, muito nova. Tem, com certeza, um longo futuro pela frente”.

Possíveis sucessores no cargo

Isabel Moreira recusa falar da sucessão de Marta Temido à frente do ministério da Saúde, até por uma questão de “consideração” para com o primeiro-ministro, que já atirou a decisão para a próxima semana.

Os politólogos José Fontes e José Bourdain não adivinham uma tarefa facilitada para António Costa.

“Acho que devia ir buscar uma pessoa que não fosse só do aparelho partidário. Uma personalidade que conheça muito bem o setor e que consiga implementar reformas. Um perfil que possa dialogar com o maior partido da oposição para implementar essas reformas. Mas é um Governo que já lá está há sete ou oito anos. Começa a esgotar e a receber nãos. Os sins de fora do aparelho partidário são mais difíceis de conseguir”, analisa José Fontes.

Não será, por isso, inocente o alerta que António Costa deixou de que o anúncio vai demorar. José Fonte adivinha que o primeiro-ministro “quererá tirar uma espécie de coelho da cartola”.  “Se não conseguir, lá terá de promover alguém do aparelho partidário e governamental. Promover secretários de estrado é algo muito pouco dinâmico”, considera, referindo-se a uma possível nomeação de António Lacerda Sales, atual secretário de Estado da Saúde.

Esse seria um nome que José Bourdain, que, além de politólogo, é presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados, veria com bons olhos. “Um médico, uma pessoa de bom trato, que sabe ouvir, o que não acontecia com esta ministra. É um nome consensual, bom conhecedor do setor da Saúde”, descreve José Bourdain.

O analista político coloca também em cima da mesa o nome do antigo secretário de Estado da Saúde Fernando Araújo. “Seria um bom nome para a pasta, mas não estou em crer que o primeiro-ministro o convide, porque tem sido muito crítico do Governo e desta ministra da Saúde”, remata.

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