"A ansiedade é apenas o custo de uma vida mais fácil". Depois de ensinar as pessoas a dizer "que se f*da", Mark Manson quer perceber porque Portugal é tão ansioso

Andreia Miranda , Imagem: Pedro Batista/Daniel Driga Edição de Imagem:Teresa Almeida
6 jul 2024, 18:00

ENTREVISTA || Foi em 2016 que o livro "A Arte Subtil de Saber Dizer que se F*da" se tornou um sucesso e oito anos depois continua a ser. A razão? "É o livro mais honesto e realista sobre problemas que vai encontrar". Quem o diz é o autor, Mark Manson, que viajou para Lisboa, pela primeira vez, desde o lançamento do livro e falou com a CNN Portugal sobre o sucesso do livro - e daqueles que se seguiram - e do novo projeto de saúde mental que vai olhar para os níveis de ansiedade em Portugal

Comecemos por uma pergunta fácil: o que é que torna o seu trabalho diferente?

O meu trabalho é diferente porque tento ser mais realista em relação às dificuldades da vida. Acho que a maioria dos livros de autoajuda, a maioria do material de autoajuda, é um pouco... tende a ser ilusoriamente positivo. É desligado da realidade. Por isso, tento manter-me na realidade, ser honesto sobre as dificuldades da vida e realista sobre a forma de as abordar.

Não escreveu apenas como ter uma vida melhor, também enfrentou os problemas. Diz às pessoas que 'este é o teu problema, tens de o resolver'. Porque é que faz isso? 

Portanto, volta-se ao 'ser realista', certo? Não existe uma vida sem problemas. É uma vida melhor... é uma vida com problemas melhores. E assim resolvemos os problemas de hoje, mas essa solução cria os problemas de amanhã. Por isso, na verdade, a vida é apenas sobre a tua atitude em relação aos teus problemas. Não se trata de nos livrarmos dos nossos problemas.

Então, porque é que diz que 'a sociedade está contaminada pelas maiores doses de tretas e expectativas ilusórias sobre nós próprios'? 

O crescimento das redes sociais distorceu a nossa perceção do que é real e do que não é. Entramos no Instagram, entramos no TikTok, entramos no Facebook. Não estamos a ver a vida real das pessoas. Estamos a ver uma série de destaques. Estamos a ver os melhores momentos de tudo, em todo o lado, a toda a hora. E se nos expusermos a isso o suficiente, isso pode distorcer a nossa perceção do que é real para nós próprios.

É por causa das redes sociais, de todo o consumo das redes sociais, que a ansiedade está a aumentar?

Não acho que sejam apenas as redes sociais, mas as redes sociais pioram a situação. Penso, honestamente, que tem muito a ver com a interação pessoal. As pessoas, pelo menos no meu país (NR: EUA), estão a passar muito menos tempo frente-a-frente. Passam mais tempo nos ecrãs, a enviar mensagens de texto, mensagens, FaceTime. Há algo que se perde se não estivermos na mesma sala que a outra pessoa, se não a pudermos ver. Não se consegue ver as nuances e os pormenores da sua linguagem corporal. Por isso, acho que é uma combinação dessas coisas. 

Está em Portugal porque está a fazer um estudo sobre a ansiedade. Porque é que escolheu Portugal?

De acordo com os estudos recentes, Portugal tem a taxa mais elevada de diagnósticos de perturbações de ansiedade do mundo e tem sido consistentemente uma das mais altas, desde a década de 1990. Como americano, isso é muito estranho, porque a minha referência para Portugal são praias, é um país bonito, descontraído, solarengo. Para mim, foi muito surpreendente. Estou cá para fazer um vídeo documentário sobre como é que a história portuguesa, a cultura portuguesa, pode explicar isto.

E já falou com especialistas? O que é que eles dizem?

Ainda estamos a meio do processo, por isso, ainda não falei com toda a gente. Mas, neste momento, há duas coisas que surgiram que são muito interessantes. Uma é esta cultura da saudade, do fado, e esta relação romântica com a melancolia, a perda e as coisas que poderiam ter sido. Isso é muito interessante, porque a maioria das culturas não o faz, veem isso como uma coisa má. E outra coisa que surgiu - e que eu não sabia - é o quão tradicional é Portugal. Tenho aprendido muito sobre Salazar e os três F’s [NR: Fado, Futebol e Fátima], em como há um foco intenso na família e na tradição, e como se tenta manter tudo na mesma durante muitas décadas. Por isso, para mim, parece-me lógico que isso tenha algum valor cultural. 

E em Portugal há essa palavra sempre muito presente: saudade...

É o conceito de saudade, desta melancolia e desta romantização do que se perdeu. Isso parece-me particularmente único. Faz definitivamente parte da história.

Porque é que acha que a ansiedade se tornou uma das doenças mais faladas? Porque falamos sobre isso? Sabemos que ela existe e que precisamos de falar...

Uma coisa que vemos na nossa vida - e que não vemos em toda a investigação - é que à medida que os países se tornam mais ricos, tornam-se mais ansiosos e penso que parte disto, na verdade, falo sobre isto no livro, é que quando se é pobre é fácil saber o que esperar, quando se é pobre só se quer comida e dinheiro e um lugar seguro, mas quando se tem riqueza e oportunidades, surge de repente esta questão de saber o que devo fazer, se isto é melhor do que aquilo, se estas pessoas são melhores do que aquelas. Todas estas novas questões são muito confusas e difíceis de responder e, por isso, penso que, de certa forma, a ansiedade é apenas o custo de uma vida mais fácil fisicamente.

A ansiedade e as expetativas podem estar relacionadas entre elas?

Sim, absolutamente, à medida que as pessoas são expostas a mais informação e à medida que a situação da sua vida pessoal melhora, começam a cuidar de si e aumentam as suas expectativas.

O livro já vendeu mais de 200 mil exemplares e está agora na sua 34.ª edição em Portugal. Como lida com este sucesso?

O sucesso do livro causou-me muita ansiedade, porque - e não estava à espera - quando se tem algo que é tão bem-sucedido, surge a questão do que fazer a seguir para ser melhor do que isso e, por isso, tive muita ansiedade durante anos.

Como é que lida com isso?

Obrigado pela pergunta, obrigado. Mas é não me preocupar. A certa altura tive de perceber que tinha de mudar as minhas expectativas, como se não tivesse de fazer alguma coisa, não tivesse de vender mais cópias deste livro. Podia ir fazer outra coisa.

E tem outro livro mais ou menos sobre o mesmo assunto. Porque é que sentiu a necessidade de escrever outro livro sobre isso?

Então "Está tudo f*dido" é mais filosófico, aborda mais algumas das coisas de que estamos a falar sobre a esperança, sobre como quando a vida se torna melhor é mais difícil saber qual é a esperança. Sobre como quanto mais informação temos mais difícil é definir e corresponder às expectativas. Por isso, para mim, é apenas uma extensão mais profunda da arte subtil, mas é mais sobre o mesmo tema.

Ainda escreveu um livro sobre relacionamentos. Porquê?

Escrevi-o para homens. Na verdade, escrevi-o antes do "A Arte Subtil de Saber Dizer que se F*da" nos Estados Unidos. Escrevi-o para homens que se debatem com relações e porque os homens têm, muitas vezes, uma ideia errada do que é uma relação e do que devem esperar. Têm expectativas erradas sobre o que deve ser uma relação. Escrevi esse livro e, mais uma vez, era muito necessário para redefinir para os jovens o que devem esperar das suas relações e como devem abordá-las. Toda a gente deve ler. As mulheres também.

Sente que ainda tem alguma coisa para explicar às pessoas sobre "como viver uma vida mais desprendida"?

Não sinto que haja muito mais que possa dizer que já não tenha dito nesses dois livros. Estou numa fase da minha carreira em que me estou a concentrar noutros projetos e a procurar a próxima coisa, que é uma das razões pelas quais estou a fazer estes documentários. Há muitas pessoas na minha indústria, muitos autores de autoajuda que escrevem o mesmo livro 10, 20 vezes e não quero fazer isso.

Se tivesse de me vender o livro, o que é que me diria? Porque é que devia comprar este livro?

É o livro mais realista e honesto sobre os problemas da vida que vai encontrar na prateleira. Pode não resolver os problemas, mas será honesto consigo sobre eles.

Quando lançou o livro, estava à espera disto?

Não. Esperava uns 10% disto.

E agora está em Portugal a falar de um livro que não é novo. Após todos estes anos, o livro continua a ser um sucesso de vendas. Qual é a sensação?

Não sou religioso, mas sinto-o como uma dádiva. Só tento usar essa dádiva. Usar o sucesso da melhor maneira possível. Não sei de onde veio nem porque aconteceu, mas estou grato. É a sinceridade. É para reduzir as expectativas da pessoa que está a ler o livro.

Acha que a honestidade é um fator de venda?

Sim. Nos dias de hoje, com a Internet e tudo o que se está a passar, a coisa mais difícil de encontrar é a honestidade e a sinceridade.

E agora vai lançar um documentário sobre ansiedade. Pode falar sobre este projeto?

Vou viajar para muitos países diferentes. Cada país tem o seu próprio problema de saúde mental. Estamos a visitar seis, oito países e estamos a investigar por que razão Portugal é tão ansioso. Estivemos em Budapeste e a Hungria tem o maior número de alcoólicos do mundo. Por isso, acabámos de fazer um vídeo sobre a Hungria e o alcoolismo. Vamos a todos estes países diferentes e estamos a aprender sobre as culturas, a história e a compreender como isso afeta a saúde mental. E vamos começar a lançá-los no YouTube dentro de alguns meses. Estamos muito entusiasmados.

A saúde mental é o vosso foco nos livros e nos documentários. E isso aconteceu na sua vida ao acaso?

Comecei um blogue em 2007, só a escrever sobre a minha vida, e no espaço de dois anos, estranhos, pessoas que nunca conheci, estavam a ler e a pedir-me ajuda. Então, comecei a dar conselhos e nunca mais parei.

E sente-se bem?

É o melhor trabalho do mundo.

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