"Se o Soarismo acabar, o Partido Socialista também acaba"

7 dez 2024, 20:49

Ficaram amigos em Bruxelas, quando foram ambos deputados europeus. A admiração mútua levou-os a escrever um livro - “Diálogo de Gerações - e a partilharem muitas horas de “conspiração”. Quase sempre sobre o futuro do país. Eis Mário Soares pela memória de um dos seus mais fiéis discípulos: Sérgio Sousa Pinto

Há um silêncio comovente quando a última pergunta da entrevista surge.

- “Quando Mário Soares partiu, o que ficou?”

- “Ficou um sentimento de solidão, pessoal e coletiva. Agora não temos aqui o Dr. Soares, vamos ter de nos desenrascar sozinhos”.

Sérgio Sousa Pinto já terá perdido a conta ao número de vezes que escreveu, discursou, participou em conferências e foi entrevistado sobre Mário Soares. Mas ele parece sempre capaz de encontrar uma nova história, um novo episódio e um novo adjetivo para elevar a memória de um dos homens mais importantes da democracia portuguesa.  A que ele, com quase 50 anos de diferença, chama orgulhosamente amigo.

O passeio pelo jardim - mais uma paixão que ambos partilhavam - de Nafarros, na casa de fim de semana de Soares, que agora pertence ao filho João, não foi inocente. Sérgio Sousa Pinto conhece o nome de cada árvore que ali habita tão bem como proprietário que as mandou plantar. “Isto é uma sequoia da California. Costumava dizer ao Dr. Soares que ela crescia tanto que um dia se via de Lisboa”. 

Foi em Nafarros que Sérgio Sousa Pinto, desafiado por Mário Soares, passou horas a dissertar sobre política, sobre a Europa e o mundo.  Sobre socialismo, social democracia, neoliberalismo e neoconservadorismo. Gravaram horas de conversa que “eu tive uma trabalheira a desgravar”, mas houve um capítulo, sobre Portugal que Soares quis refazer de uma ponta à outra. “Ele reescreveu tudo pelo seu próprio punho e é a parte mais bonita do livro. Mário Soares gostava muito de Portugal e dos Portugueses”, sublinha Sousa Pinto com um sorriso emocionado. “Para homens como o Soares era um ponto de honra mostrar que a democracia podia funcionar em Portugal” recorda o deputado socialista, lembrando que mesmo quando perdeu eleições “Soares sentia que estávamos a provar que a democracia pode funcionar”. 

No livro, publicado pela primeira vez em fevereiro de 2004, pouco ou nada se fala de esquerda e de direita. Uma rotulagem muito em voga na atualidade que Sérgio Sousa Pinto despreza, apesar de nunca renunciar à sua condição política “de esquerda” mas com “traços da direita. Como muitos de direita têm traços da esquerda”. E Soares, o que responderia aos que dizem que Sérgio Sousa Pinto pertence à direita do PS? Que isso não interessa para nada: “O meu lugar no espectro ideológico, se fascina alguns, a mim não me interessa rigorosamente nada”. 

"O Chega é um sintoma, não é em si mesmo um problema"

Se há traço distintivo entre Soares e Sousa Pinto era o otimismo do primeiro contrastante com o pessimismo do segundo. E é também assim que o deputado socialista recorda o fundador do Partido Socialista. Homem que “enfrentou um exército de adversidades” e que lhe deu “a grandeza”. Como enfrentaria este homem hoje o fenómeno do populismo, Sérgio Sousa Pinto não tem dúvidas: “fazendo pedagogia e sublinhando os valores da democracia”. Mas é preciso ir mais fundo e perceber que partidos como o Chega são “um sintoma, não são em si mesmo um problema. A ameaça do populismo resulta de uma dificuldade em prosseguir uma dinâmica de crescimento e segurança no futuro. As pessoas temem pelo futuro”. E prossegue, alertando para “um negrume, um sentimento de decadência que gera revolta contra os partidos tradicionais. Os partidos populistas são um instrumento de vingança. Os tradicionais falharam”. 

Sobre o seu Partido Socialista, Sérgio Sousa Pinto avisa que “se o PS ficar prisioneiro de clichés e ideologias encapsuladas em formol segue o destino das coisas obsoletas que se arrastam na esquerda europeia”. E que no dia em que o soarismo desaparecer do PS, “é o próprio Partido Socialista que também acaba”. 

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