Militares que recusaram apoio a navio russo "podem ser acusados dos crimes de desobediência, cobardia e até revelação de segredo”

16 mar 2023, 16:35
NRP Mondego (D.R. Marinha)

O antigo juiz militar, Vítor Gil Prata, explica que este é um caso inédito por ter inviabilizado uma missão e avisa que se ficar provado o crime de cobardia, os elementos da marinha arriscam penas de prisão de 5 a 12 anos

Os 13 militares que recusaram embarcar no navio da Marinha, Mondego, para dar apoio a um navio russo, alegando falta de condições, correm o risco de ser acusados de vários crimes incluindo cobardia, desobediência, abandono do posto e até revelação de segredos, adiantou à CNN Portugal o antigo juiz militar Vitor Gil Prata. O caso, investigado pela Polícia Militar, ficará sob a alçada da 10ª secção do DIAP de Lisboa que tem competência para fazer a acusação neste tipo de crimes.

Segundo o ex-juiz, que durante anos esteve no juízo central criminal de Lisboa, onde os 13 militares podem acabar a ser julgados, a situação tem contornos graves e inéditos. “Foi uma desobediência que impediu a realização da missão”, afirma, garantindo que além do crime de insubordinação por desobediência previsto no artigo 87 do Código de Justiça Militar, podem estar em causa crimes como o da cobardia, previsto no artigo 58 do mesmo código. “Eles alegaram que era perigoso e isso, assim como a forma como o fizeram, pode ser um ato de cobardia, que é uma situação mais grave em termos criminais”.

Foram poucos ou mesmo raros os casos de militares julgados nos últimos anos por cobardia em Portugal. “Lembro-me de um caso no Porto em que um elemento de uma força de segurança foi acusado de cobardia por não ter ajudado os colegas a repor a ordem pública”. O crime chegou a ser julgado, mas o militar foi absolvido depois de ter justificado a sua ação com um problema cardíaco. Mas neste caso, diz o ex-magistrado, será mais difícil aos 13 elementos da Marinha defenderem-se. “Para os militares o medo não é desculpa”, assegura.

De resto, o Código de Justiça Militar (CJM) prevê penas de 5 a 12 anos para o crime de cobardia. “E se se provar neste caso dos 13 militares, então há prisão efetiva”.

Já os crimes de insubordinação por desobediência têm uma pena de 1 a 4 anos, mas no caso dos 13 militares, explica Gil Prata, a pena seria agravada por o crime ser cometido por mais de dois militares, como previsto no CJM, podendo, neste caso, chegar aos 5 anos.

Outro dos crimes que pode ser imputado aos militares da Marinha é o de abandono de posto, defende o ex-juiz, explicando que as penas vão de um mês a um ano.  

Nos últimos anos tem, aliás, havido no País várias condenações por esse crime. Foi o que sucedeu a dois militares sentinelas que tinham de fazer a guarda ao Palácio das Necessidades. Ausentaram-se de posto de segurança durante a madrugada, estando a conversar num canto e foram descobertos. E apesar de terem justificado com um problema no sistema de comunicação, foram condenados a três meses de prisão, substituídos por multa de 450 euros. E ainda chegaram a recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas este confirmou a sentença.

Todos estes crimes são, esclarece o antigo juiz, chamados crimes estritamente militares. Ou seja, estão previstos no CJM e, uma vez que os tribunais militares foram extintos, são julgados em dois locais: os juízos centrais criminais de Lisboa e Porto. No caso concreto, como foi no Funchal, Madeira, serão julgados em Lisboa, pois é este que tem competência sobre os crimes militares praticados nas ilhas. O julgamento esse, será feito com um coletivo de três juízes - um militar e dois togados.

Mas além dos crimes estritamente militares, podem estar em causa crimes comuns. “Ao dizerem que não havia condições e que existiam limitações técnicas, nomeadamente num motor e num gerador, os militares estão a revelar informação classificada”, avisa Vítor Gil Prata, esclarecendo que está em causa a revelação do segredo como define o artigo 383 do Código Penal.

Este artigo refere os riscos que corre o “funcionário que, sem estar devidamente autorizado, revelar segredo de que tenha tomado conhecimento ou que lhe tenha sido confiado no exercício das suas funções”. “O que eles disseram foram informações sobre as deficiências do material de defesa e pode, no limite, ser um dado útil para o inimigo”. Vítor Gil Prata garante que só não coloca ainda em cima da mesa a possibilidade de ter sido violado o segredo de Estado, outro crime militar, porque é preciso antes ter a certeza da classificação da informação como sendo segredo de Estado.

Tendo em conta que há dois tipos de crimes, os militares e os civis, todo este processo pode dar origem a dois processos paralelos e autónomos. “O CJM proíbe no seu artigo 113 a conexão entre os crimes estritamente militares e os comuns”, diz o antigo juiz, recordando que esse foi um dos problemas do caso de Tancos.

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