Militares da Marinha portuguesa recusaram-se a partir para missão de acompanhamento de navio russo que passou na Madeira

13 mar 2023, 20:34
Marinha Portuguesa

A Marinha está a avaliar medidas disciplinares, mas a Associação Nacional de Sargentos espera que não haja represália para os militares envolvidos porque "os nossos governantes assumem cada vez mais missões sabendo que têm cada vez menos gente e meios cada vez mais desgastados"

Treze militares do navio atribuído à Zona Marítima da Madeira "recusaram-se a cumprir" uma missão na sexta-feira devido a "uma avaria num dos motores". A missão em causa tratava-se do "acompanhamento de um navio russo a norte do Porto Santo", mas acabou por não ser cumprida após a recusa dos militares, adiantou fonte da Marinha.

Em comunicado enviado à CNN Portugal, a Marinha Portuguesa confirma que quatro sargentos e nove praças do navio patrulha Mondego "avaliaram que este não estaria pronto para navegar e recusaram-se a cumprir com a missão", que, diz a Marinha, seria "de curta duração e próxima da costa, com boas condições meteo-oceanográficas".

"No entanto, alguns [militares] referiram ao comandante que se a missão fosse salvar vidas iriam para o mar", ressalva-se no texto.

De acordo com um documento elaborado pelos 13 militares em questão, a que a CNN

teve acesso, no sábado à noite o NRP Mondego recebeu ordem para “fazer o acompanhamento de um navio russo a norte do Porto Santo”, numa altura em que as previsões meteorológicas "apontavam para ondulação de 2,5 a 3 metros”.

Segundo os militares, o próprio comandante do NRP Mondego “assumiu, perante a guarnição, que não se sentia confortável em largar com as limitações técnicas” do navio.

Entre as várias limitações técnicas invocadas pelos militares constava designadamente o facto de um motor e um gerador de energia elétrica estarem inoperacionais.

Acrescia ainda, de acordo com os 13 militares, que o navio “não possui um sistema de esgoto adequado para armazenar os resíduos oleosos a bordo, ficando estes acumulados nos porões, aumentando significativamente o risco de incêndio”.

Marinha diz que avaliação dos navios em condições não cabe aos militares

Salientando que "a avaliação das prioridades das missões e estado do navio segue uma linha hierárquica bem definida e estruturada", a Marinha refere que a definição de quais os navios em condições de cumprir com as missões atribuídas "cabe apenas à Marinha e à sua linha hierárquica".

O estado de prontidão dos navios é avaliado, em primeira instância, pelo próprio comando do navio, pela sua cadeia hierárquica e pela estrutura de manutenção da Marinha. De acordo com o mesmo comunicado, "o comandante do navio reportou à cadeia hierárquica que, apesar das limitações mencionadas, tinha condições de segurança para executar a missão", tendo recebido 'luz verde' do Comando Naval (cadeia hierárquica) para abortar a respetiva missão "em caso de necessidade superveniente".

"As guarnições dos navios são treinadas para operar em modo degradado, estando preparadas pela lidar com os riscos inerentes, o que faz parte da condição militar", pode ler-se no mesmo comunicado.

Deste modo, acrescenta a Marinha, "os militares em causa não cumpriram com os seus deveres militares, usurparam funções, competências e responsabilidades não inerentes aos postos e cargos respetivos".

A Marinha ressalva que "os factos estão ainda ainda a ser apurados em detalhe e a disciplina e consequências resultantes serão aplicadas em função disso".

Recusa dos militares mostra "lealdade e frontalidade"

Para a Associação Nacional de Sargentos, porém, esta "não é uma questão de disciplina" mas de "lealdade e de frontalidade perante o mau estado de um equipamento".

"Eu tenho absoluta confiança no profissionalismo dos meus camaradas sargentos que, com anos e anos de navegação e profundo conhecimento dos equipamentos, não iriam de forma nenhuma virar costas a uma missão só porque sim, mas também não iriam de forma nenhuma colocar em causa a segurança dos seus próprios camaradas. Porque nós, militares, independentemente do posto ou da função que desempenhamos, temos um dever de tutela para com aqueles que nos estão subordinados", defende António Lima Coelho, presidente daquela associação.

O responsável diz mesmo esperar que "não venha daí qualquer tipo de represália", até porque, diz, esta situação resulta do "desinvestimento nas Forças Armadas".

"O material vai-se degradando, as horas de manutenção não são as que deveriam ser e tudo isto vai criando cada vez mais dificuldades ao cumprimento da missão. Por outro lado, os nossos governantes assumem cada vez mais missões sabendo que têm cada vez menos gente e meios cada vez mais desgastados", lamenta.

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