Jornalistas, editores e pivôs têm renunciado aos cargos desde o início da guerra. Alguns deles, agora motivados pelo ato de coragem da produtora do canal 1 russo
Depois de uma produtora russa ter sido detida por invadir em direto o estúdio do noticiário da noite do canal 1 russo, com um cartaz antiguerra, as televisões estatais russas têm sofrido uma onda de demissões. É o efeito da guerra, mas também de Marina Ovsyannikova. Foram poucos segundos, mas importantes para a produtora passar uma mensagem e encorajar outros colegas a tomarem uma posição sobre a invasão russa da Ucrânia.
Logo após o protesto de Marina, surgiu a primeira demissão no canal 1 russo: Zhanna Agalakova, pivô e correspondente na Europa. Ivan Urgant, um dos maiores apresentadores de talk-show da Rússia, e que tem o programa "Evening Urgant" em horário nobre no mesmo canal, decidiu fazer uma pausa "para umas férias". No entanto, numa publicação no Instagram, revelou ser contra a guerra.
Já na NTV, apresentaram a demissão Lilia Gildeyeva - pivô que já trabalhava no canal desde 2006 e que, entretanto, terá também fugido do país - e Vadim Glusker - jornalista no canal há quase 30 anos.
A RT tem sido o órgão de comunicação social russo que tem tido o maior número de demissões desde o início da guerra, porque além dos jornalistas russos, a trabalhar em Moscovo, houve correspondentes que também bateram com a porta.
Shadia Edwards-Dashti era correspondente em Londres. No dia em que começou a guerra, anunciou no Twitter que se tinha despedido. No mesmo dia, o jornalista Jonny Tickle revelou que tinha rescindido o contrato "com efeitos imediatos".
It is with regret that I have now left RT.
I want to thank everyone at the channel for giving me the opportunity to broadcast globally on issues that I am passionate about. Best of luck to all my former colleagues.
— Shadia Edwards-Dashti (@ShadiaED) February 24, 2022
In light of recent events, earlier today I resigned from RT with immediate effect
— Jonny Tickle (@jonnytickle) February 24, 2022
Frédéric Taddeï, jornalista e apresentador do "Interdit d'interdiction" na RT France, disse que ia deixar de apresentar o programa porque França estava "num conflito aberto" com a Rússia, mas também "por lealdade" ao seu país. Já estava no canal desde 2018.
«Par loyauté envers la France, j'ai décidé de quitter la présentation de mon émission sur RT France», annonce @frederictaddei au #BuzzTV https://t.co/SHjS89E6FH pic.twitter.com/Ldumjd7xIq
— TV Magazine (@TVMAG) February 22, 2022
Uma das reações mais faladas tem sido a de Maria Baronova, agora ex-editora-chefe da RT, que abandonou recentemente o canal televisivo. Antes de se juntar à RT, em 2019, chegou a estar presa por fazer oposição ao governo. Na altura, trabalhava para a Rain, o principal canal de independente da Rússia e muito crítico de Putin.
A BBC diz ainda que existem rumores, não confirmados, que muitos jornalistas bateram com o porta da estação estatal de rádio e televisão russa VGTRK. A Reuters fala em "série de demissões" na agência de notícias estatal russa Ruptly.
Recorde-se que, a 2 de março, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou que o Conselho da União Europeia tinha decidido "suspender a distribuição dos jornais estatais russos Russia Today e Sputnik na UE" a partir daquele mesmo dia.
"Em tempos de guerra, as palavras importam. Estamos a testemunhar propaganda maciça e desinformação sobre estes ataques escandalosos a um país livre e independente. Não vamos permitir que os apologistas do Kremlin derramem as suas mentiras tóxicas para justificar a guerra de Putin ou semear a divisão na nossa União", lê-se no comunicado.
A 4 de março, a BBC anunciava que ia "suspender temporariamente" o trabalho de todos os jornalistas e profissionais da BBC News na Rússia. Na altura, o diretor-geral da BBC, Tim Davie, explicou que a decisão estava relacionada com a nova lei do jornalismo que parecia "criminalizar o processo de jornalismo independente".
A lei em causa passa a prever a possibilidade de condenar aqueles que espalhem informação "falsa" sobre as forças armadas russas, o que pode resultar mesmo em penas de prisão.
Os media pró-Putin que já estão a sofrer sanções
Alguns dos que são considerados como divulgadores da propaganda de Vladimir Putin já estão a ser alvo das sanções europeias. É o caso de Vladimir Solovyov. Jornalista, apresentador do talk-show de domingo à noite "Evening With Vladimir Solovyov" no canal público Rossiya 1 e conhecido por ser um propagandista russo. Solovyov já lamentou publicamente, durante o programa, o facto de ter sido proibido de viajar até às suas propriedades multimilionárias em Itália.
Na lista de sanções também já está Margarita Simonyan, editora-chefe do canal de televisão RT, controlado pelo Estado.