Mariana Mortágua culpa Costa pela ascensão da extrema-direita. Pedro Soares culpa a direção do BE por apoiar o "neonazi" Zelensky

27 mai 2023, 16:46
Mariana Mortágua (António Cotrim/LUSA)

Mortágua falou sobretudo para fora e Pedro Soares para dentro: Mortágua sublinhou que o BE é a esquerda que "representa a bandeira da liberdade", Pedro Soares lamenta a falta de liberdade interna para haver "um debate plural"

Ouviu-se o nome Mariana Mortágua e os aplausos foram instantâneos. A candidata à sucessão de Catarina Martins (e previsível sucessora) foi recebida dessa maneira pelos militantes na XIII Convenção Nacional do Bloco de Esquerda, que decorre este fim de semana no pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa.

Depois o silêncio. Era tempo de ouvir o que Mariana Mortágua se propõe fazer à frente do partido, subindo ao púlpito para apresentar a Moção A, que encabeça sob o lema "Uma força, muitas lutas". Para começar, combater "o vírus da extrema-direita", política ideológica que, no entender da bloquista - e à semelhança do que fazem outros vírus -, "manda morrer".

"Manda os imigrantes morrerem nas águas do Mediterrâneo, como em Itália. Manda morrer sem vacina à porta do hospital, como no Brasil. Manda morrer afroamericanos asfixiados por quem devia respeitar a lei, como nos Estados Unidos. Manda jovens morrerem pelo império, como na invasão russa da Ucrânia, e ainda há quem se atreva a justificar tal chacina", enumera, ilustrando assim a propagação do "vírus da extrema-direita" nos governos da Europa.

Perante isto, "a política do centro são palavras vazias que só alimentam o ressentimento e medo", critica. E, se dúvidas houvesse sobre a quem se referia com "a política do centro", Mariana Mortágua fez questão de concretizar de seguida: "Olhem para o que se passa em França, onde Macron subverte a democracia para prejudicar os pensionistas. E, ainda assim, Macron e António Costa evocam o seu poder como se viessem vacinar-nos contra um vírus."

A deputada bloquista acusa o Governo de dar "repetidos tiros no pé", numa série de "riscos" associados à maioria absoluta, nomeadamente "a prepotência e conluio com os poderes mais opacos do país". Ainda assim, acrescenta, "não imaginávamos a que ponto chegaria esta maldição que é o poder absoluto".

Ao contrário do PS de António Costa, Mariana acredita que o Bloco de Esquerda sabe o que é preciso para combater este "vírus". "A nossa resposta é a segurança da vida das pessoas: igualdade, habitação, saúde, educação, salário, justiça nos impostos. Não há atalhos, estes são os únicos remédios contra o vírus", argumenta.

"Querem saber o nosso programa para combater o vírus da mentira? Dizemos a cada trabalhador e a cada trabalhadora que a esquerda é igualdade, habitação, saúde, educação, salário, justiça nos impostos. É assim que se responde à mentira", insiste, motivando renovados aplausos que ecoam pela sala.

No entender da candidata à sucessão de Catarina Martins, a esquerda tem "o dever" de "recuperar forças, unir as vontades sociais que não desistem de lutar por uma vida boa". Enumerou depois todos os entraves sociais e económicos com que se depara quem aspira ter "uma vida boa" - salários baixos, precariedade, as dificuldades financeiras e de acesso à habitação.

Do lado do Bloco de Esquerda, diz, não restam dúvidas: "Este Bloco de Esquerda sabe o que quer e com quem vai e diz-vos do seu compromisso: somos uma esquerda que tem a bandeira da liberdade, toda a vontade e toda a força para a luta que conta".

A intervenção de Mariana Mortágua terminou como começou: com aplausos. Desta vez, porém, teve direito a uma ovação da maioria dos militantes que participam nesta reunião magna.

O convite "ao neonazi" Zelensky: Pedro Soares "perplexo"

Foi então a vez de Pedro Soares, porta-voz da moção E, a dos críticos à linha da atual direção, subir ao púlpito e dizer ao que vem. Ouviram-se alguns aplausos, ainda que tímidos.

O antigo deputado bloquista começa por dirigir uma "saudação solidária" a quem não pôde apresentar moções à convenção, "não por não terem ideias mas pelas limitações" que enfrentaram para o fazer, criticando assim a regra que estabelece um mínimo de quase 200 assinaturas para apresentar uma moção.

A moção E - a única moção que será discutida nesta convenção além da apresentada pela atual direção - surgiu para "contribuir para um debate plural" na reunião magna, justificou Pedro Soares, recusando-se a fazer desta convenção "um muro de lamentações".

"A geringonça acabou mas ainda dura na cabeça de alguns e continua a marcar a nossa vida política", sublinha, aludindo ao discurso de Catarina Martins durante a manhã e no qual a ainda coordenadora do Bloco reconheceu as "feridas" que ficaram por sarar desde a "artimanha" de António Costa.

Para Pedro Filipe Soares, o mundo vive hoje uma "crise social" que se agrava a cada dia que a passa e "para qual a direita e a extrema-direita não têm resposta". "São capazes de fazer o pino para que o barulho do espetáculo se sobreponha à realidade social", acusa.

Numa evidente resposta à intervenção de Mortágua, Pedro Soares argumenta que "os tempos não estão para discursos vagos, do tipo 'uma vida boa para todas as pessoas'". "Os tempos são fraturantes e exigem compromissos, (...) não ficar por declarações de princípio que só podem ter como desfecho a diminuição da nossa identidade", critica.

E a recente eleição para os delegados a esta convenção são a prova disso mesmo, considera o antigo deputado. É que, apesar de a moção A, encabeçada por Mariana Mortágua, ter conquistado mais de 80% dos delegados à convenção, a abstenção atingiu o mesmo número. Por isso acusa a direção de salientar a "vitória" de Mortágua e, em simultâneo, "esconder o que foi uma derrota de todos".

"Este começa a ser um padrão de comportamento: não avaliar importantes sinais de crise", aponta, apelando, por isso, ao restabelecimento do diálogo interno, "com respeito pela pluralidade" que, diz, está na génese do partido.

O antigo deputado adverte que "a deriva para a institucionalização é mortífera" e "transformaria o Bloco no que ele não quer ser". O posicionamento do Bloco em relação à invasão russa da Ucrânia é exemplo disso mesmo, aponta Pedro Soares. "Cria enorme perplexidade ver dirigentes do BE declararem que a posição do Bloco é a mesma do Governo. Mas essa não é a mesma da NATO?", questiona.

"Não menos perplexidade causa a integração do Bloco numa delegação parlamentar à Ucrânia, a convite de um neonazi organizador das piores perseguições à oposição de esquerda na Ucrânia. O BE foi à Ucrânia fazer o quê? Comprometer-se com a posição euroatlântica do prolongamento da guerra e da escalada militar, foi corroborar o convite a um neonazi para discursar no nosso Parlamento?", criticou.

Antes de terminar a intervenção, Pedro Soares quis ser "claro" sobre esta questão, numa declaração que lhe mereceu alguns aplausos: "Queremos Putin fora da Europa e queremos a NATO fora da Europa".

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