Israel já deportou desde sábado cerca de 170 ativistas da flotilha, incluindo 21 espanhóis, quatro portugueses e quatro holandeses
Os quatro ativistas portugueses que participaram na missão humanitária Flotilha Global Sumud, que tentou entregar ajuda à Faixa de Gaza e foi interceptada pelas forças israelitas, chegaram este domingo à noite ao aeroporto de Lisboa, onde foram recebidos por uma multidão.
Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda, a atriz Sofia Aparício e os ativistas Miguel Duarte e Diogo Chaves estiveram detidos em Israel desde a noite de quarta-feira, quando cerca de 50 embarcações da flotilha foram intercetadas em águas internacionais.
À chegada, Mariana Mortágua descreveu o tempo na prisão como difícil, mas alertou que os palestinianos enfrentam uma situação muito pior. "[Percebemos a diferença naquela prisão] entre ser europeus e palestinianos. Por muito que tenha sido difícil para nós - e foi - e por muito que tenha havido abusos - e houve, muitos -, isso deu-nos uma ideia do grau de impunidade das forças israelitas contra palestinianos”, afirmou a líder bloquista, acrescentando que viu “camaradas a serem espancados e levados” e que estiveram várias horas algemados e detidos em verdadeiras “jaulas”.
Miguel Duarte acrescentou que nas cadeias israelitas os direitos dos prisioneiros praticamente não existem e que alguns detidos passaram 24 ou 48 horas sem comida nem água; pessoas com doenças crónicas, como diabetes, não receberam medicação; muitos foram colocados “em jaulas ao sol”. O ativista denunciou ainda que os soldados israelitas tentaram fazê-los assinar documentos e chegaram a falsificar assinaturas.
“Recusámo-nos a assinar e os soldados israelitas usaram os nossos passaportes e falsificaram as nossas assinaturas para mostrar que nós aceitamos que fomos intercetados legalmente. É preciso ser claro: fomos intercetados ilegalmente e levados contra a nossa vontade para Israel.”
A atriz Sofia Aparício relatou ter sido algemada e maltratada, enquanto Diogo Chaves afirmou que foi doloroso deixar "camaradas para trás", mas que compreendiam a necessidade de regressar para lutar por quem ainda permanecia detido e pela causa palestiniana. “Mas também tínhamos a noção de que tínhamos de vir mais cedo para casa para podermos lutar por aqueles que por lá ficaram e pela causa palestiniana.”
O grupo foi recebido no aeroporto por uma multidão estimada em mais de mil pessoas, incluindo antigos e atuais dirigentes do Bloco de Esquerda, que gritavam palavras de ordem pró-Palestina e críticas ao Governo português. Cartazes e bandeiras da Palestina encheram o átrio, enquanto os ativistas improvisavam uma conferência de imprensa, descrevendo as horas vividas na prisão israelita.
Cenário semelhante foi vivido em Madrid, onde chegaram 21 dos 49 espanhóis que embarcaram na flotilha, entre os quais a ex-presidente da câmara de Barcelona Ada Colau e o advogado Rafael Borrego.
“Bateram-nos, arrastaram-nos pelo chão, vendaram-nos os olhos, ataram-nos as mãos e os pés, meteram-nos em jaulas, insultaram-nos”, afirmou o advogado aos jornalistas.
Em Barcelona, Colau também descreveu maus-tratos e sublinhou "a detenção ilegal" em águas internacionais - mas ressalvou que "o sofrimento dos palestinianos é muito maior". Segundo o El País, os espanhóis também denunciaram privação de medicação, com diabéticos sem insulina e pessoas com doenças cardíacas sem tratamento. Jornalistas que integravam a flotilha, como Carlos de Barrón e Néstor Prieto, também descreveram abusos e relataram que lhes foram confiscados equipamentos e documentos falsificados, negando-lhes assistência consular e tradutor.
Além dos espanhóis que chegaram domingo, o governo de Pedro Sanchéz anunciou que os 28 espanhóis ainda detidos em Israel devem regressar esta segunda-feira. O ministro dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Albares, revelou à Catalunya Radio que o grupo deverá embarcar assim que possível, sem confirmar hora exata.
Israel já deportou desde sábado cerca de 170 ativistas da flotilha, incluindo 21 espanhóis, quatro portugueses e quatro holandeses. As autoridades israelitas anunciaram que mais 170 serão deportados, enquanto pelo menos 22 permanecem em greve de fome em protesto contra a detenção. A Federação Internacional dos Direitos Humanos denunciou maus-tratos, violência física, assédio verbal, privação de água, comida e medicamentos, classificando as condições como tortura e violação do direito internacional.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros português confirmou que os ativistas regressaram sob acompanhamento diplomático e que a embaixadora em Telavive, Helena Paiva, visitou os detidos e protestou junto das autoridades israelitas. O primeiro-ministro, Luís Montenegro, afirmou que esperava que o regresso dos portugueses decorresse “sem incidentes”, enquanto Mariana Mortágua e os colegas sublinharam que a missão humanitária e a denúncia das condições de detenção têm continuidade no regresso a Portugal.