Ouviu um fado em "Amesterdão"? Esta é Mariana Bandhold, a portuguesa que canta fado no filme de Hollywood

6 set 2010, 11:18
A cantora Mariana Bandhold

A cantora Mariana Bandhold mora em Los Angeles há dez anos e teve oportunidade de cantar um fado de Amália no filme protagonizado por Christian Bale

A ação passa-se na década de 1930. Na Europa, os fascismos já são uma realidade. Nos Estados Unidos, um grupo de simpatizantes fascistas quer tirar Franklin D. Roosevelt da Casa Branca. Um médico pouco ortodoxo (interpretação de Christian Bale), um advogado (John David Washington) e uma enfermeira (Margot Robbie) são apanhados no meio da conspiração política. Estão os três abraçados, numa das cenas do clímax do filme "Amesterdão", num encontro de veteranos da Primeira Guerra Mundial, quando no palco uma cantora começa a cantar fado.

"O fado nasceu um dia

Quando o vento mal bulia

E o céu o mar prolongava

Na amurada dum veleiro

No peito dum marinheiro

Que, estando triste, cantava"

 

Trata-se de "Fado Português", música de Alain Oulman, letra de José Régio, gravado por Amália Rodrigues em 1965.

Mas a voz que se ouve no filme não é de Amália, é de Mariana Bandhold, cantora portuguesa de 27 anos.

"Ainda não acredito que isto aconteceu", escreveu Mariana Bandhold no seu Instagram quando o filme estreou em todo o mundo, revelando o segredo que guardava há meses. "Esta é a primeira vez que faço algo assim, e ter a oportunidade de fazê-lo e ao mesmo tempo honrar o meu país leva-me às lágrimas só de pensar nisso. Sei que para algumas pessoas isto é uma pequena realização. Mas para mim isso é enorme. Amo minha cultura, amo de onde venho e poder fazer uma homenagem ao meu país com uma música clássica portuguesa de uma das artistas portuguesas mais amadas é algo que não acontece com muita frequência. Este foi um momento extraordinário para mim."

Mariana Bandhold mora há dez anos nos Estados Unidos. Por isso, quando falamos ao telefone, pede desculpa por recorrer tantas vezes a palavras inglesas. As duas línguas misturam-se na sua voz doce, mas algo é perfeitamente compreensível: Mariana está verdadeiramente feliz. "Ninguém sabe que sou eu a cantar, o meu nome aparece no fim mas ninguém vê. Mas isso não importa. O que é importante é que eu fiz isto. Quando fui ver o filme, estava tão nervosa. Nunca tinha estado tão nervosa na minha vida. Nem me lembro bem o que acontece no filme, antes e depois. Foi uma emoção enorme", conta à CNN Portugal.

Mas como é que surgiu esta oportunidade de participar num filme realizado por David O'Russell, o mesmo realizador de "Golpada Americana" e "Joy"?

Mariana Bandhold cresceu entre música, na zona de Cascais. A mãe, portuguesa, era cantora profissonal e o pai, norte-americano, era bailarino. "Conheceram-se no Casino Estoril, a minha mãe cantava lá e meu pai era bailarino para a Disney e estava cá a apresentar um espetáculo." Em pequena, andava sempre a cantar. E lembra-se que, aos sete anos, cantou pela primeira vez para a família. "Eles aplaudiram e ficaram tão felizes. Foi uma sensação tão boa, eu decidi logo que queria continuar a ter aquilo na minha vida."

Mas na verdade a música só se tornou mais importante "por uma razão mais profunda". Quando tinha 10 anos, o pai de Mariana morreu na guerra do Afeganistão e ela entrou em depressão. "Durante dois meses, ouvi sem parar a canção 'Mamma' dos Il Divo. Ouvia-a uma e outra vez, repetidamente. Ao fim de dois meses, não é que estivesse curada, mas era uma criança que tinha conseguido aceitar", conta. "Eu pensei: se esta música me conseguiu fazer isto, talvez eu possa fazer o mesmo a outras pessoas."

Foi nessa altura que a música passou a ser um objetivo mais concreto. Aos 12 anos, interpretou o papel de  Louisa von Trapp no espetáculo "Música no Coração", de Filipe La Féria, que esteve em cena no Teatro Politeama, em Lisboa. Depois, participou com a mãe no programa de televisão "Família Superstar". E a partir da adolescência começou a tentar participar noutros programas de talentos: "Acho que fiz audições para todos os programas", recorda. Mas, no final, a resposta era sempre 'não'.

Até que, finalmentem, em 2014, ouviu um 'sim': participou na segunda edição do "The Voice Portugal", na equipa de Mickael Carreira. Chegou a ser semifinalista, mas foi eliminada nas galas ao vivo.

Entretanto, ao mesmo tempo que participava no concurso, Mariana Bandhold estava a candidatar-se à American Music and Drama Academy, uma escola de artes performativas em Los Angeles, Califórnia, EUA. "Fiz a audição, por vídeo, num dia em que estava muito doente e correu bastante mal. Sabia que com aquela audição não iria conseguir entrar. Então, quando o vídeo da minha participação no The Voice apareceu no YouTube mandei-lhes o vídeo a pedir: oiçam, é assim que a minha voz soa quando não estou doente." Foi um tiro no escuro. E foi preciso esperar alguns meses por uma resposta: "No dia seguinte a ser eliminada do The Voice, eu estava muito triste, sem saber o que fazer, e recebi a informação de que tinha sido aceite na escola".

Mariana fez as malas e mudou-se para os Estados Unidos. "Foi um bocadinho assustador mas eu queria muito ir para aquela escola e também precisava de começar de novo. Apesar de gostar muito da minha família, sentia que precisava de mudar, que ainda não tinha encontrado um sítio onde eu pudesse ser eu mesma. Acho que precisava de ser ressuscitada", explica.

Estudou música e representação. De uma das janelas da escola via o icónico letreiro com a palava Hollywood, de outra via o edifício da editora Capital Records. "Este é, de facto, um sítio fantástico. Todos os que vêm para aqui vêm à procura do sucesso. É um enorme desafio", diz. A integração de Mariana na "terra dos sonhos" não foi imediata mas, aos poucos, foi encontrando o seu lugar e as suas pessoas.

Um momento importante foi aquele em que conheceu Brecn, que é atualmente o seu melhor amigo. "Ele é músico e um extraordinário compositor, ligado à música eletrónica, e começámos a compor juntos. Eu nunca tinha feito nada nesta área. No The Voice, costumava cantar músicas de Céline Dion, Whitney Houston, Mariah Carey. E na música eletrónica não é muito comum ouvir esse tipo de vozes. Mas foi um 'match' perfeito", conta, entusiasmada. A dupla Brecnmari tem atualmente onze temas disponíveis no Spotify. "Já fizemos alguns concertos, mas ainda estamos no início."

Ao mesmo tempo, Mariana está a trabalhar no seu projeto a solo, intitulado Mother Mars, um nome carinhoso com que os amigos começaram a tratá-la durante a pandemia. "Eu estava sempre a cuidar de toda a gente, a verificar se todos tinham comida e cobertores. Era a mãezinha do grupo", conta. O projeto ainda está em desenvolvimento, mas já se sabe que Mariana compõe e interpreta e que será algo que combina o R&B com o 'new age'.

E era isto que ela andava a fazer quando um dia, "do nada", recebeu um mail da Encompass, uma empresa que "caça talentos" musicais para o cinema e não só. "Diziam que precisavam de uma rapariga a cantar em português, fado, para um filme. Pediam para eu mandar um 'voice note' a cantar aquele tema da Amália e que, depois, se eles gostassem, marcariam uma audição", conta Mariana Bandhold. Ela não costuma interpretar fado. "Sempre ouvi fado e gosto muito, mas não costumo cantar e nunca me atreveria a cantar um fado da Amália." Mas aceitou o desafio: fez uma pequena gravação, enviou e, na volta do correio, recebeu um convite, não para uma audição, mas para uma sessão de gravações. "Podes?"

"Não estava muito nervosa nesse dia", recorda Mariana. Na verdade, naquele momento ela não sabia bem que filme era aquele, não sabia que era uma grande produção nem que ia contar com estrelas como Christian Bale, Robert De Niro e Chris Rock. "Percebi que inicialmente eles tinham pensado em usar a voz de Amália, mas depois de terem filmado acharam que a voz não coincidia com os lábios da atriz, que algo ali não combinava, e decidiram que seria melhor ter uma outra cantora portuguesa", explica. Mariana entrou no estúdio e ao fim de duas horas tinha feito a sua gravação. "Quando entrei na régie, estavam todos a aplaudir e a dizer que tinha corrido muito bem. Tive que ir a correr para a casa-de-banho chorar porque não podia acreditar que aquilo que me estava a acontecer, estava tão feliz!"

"É só um bocadinho e quase ninguém sabe que sou eu, mas para mim isto é mesmo importante", diz. O filme estreou há poucas semanas e as críticas não têm sido as melhores, mas isso não perturba a alegria de Mariana Bandhold: "Acredito que daqui poderão surgir novas oportunidades, quem sabe?"

 

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