Foi professora de Pedro Passos Coelho e daí nasceu uma amizade que a levou a enveredar pela vida política, mas não sem alguns percalços pelo meio
O nome Maria Luís Albuquerque é indissociável dos tempos da Troika e de Pedro Passos Coelho. Afinal, foi ela que, enquanto ministra das Finanças do anterior governo social-democrata, entre 2013 e 2015, “geriu a pressão da Troika” e “foi até mais além e mais rigorosa no aperto orçamental”, lembra Pedro Tadeu, comentador da CNN.
É natural, por isso, que muitos olhem para a escolha do seu nome para comissária europeia como “uma ponte para o passismo”, como descreve Miguel Pinheiro à CNN Portugal, sobretudo numa altura em que “Luís Montenegro e [Pedro] Passos Coelho têm andado muito afastados”.
A economista, de 56 anos, foi professora na Universidade Lusíada de Lisboa, onde chegou a dar aulas a Pedro Passos Coelho, com quem manteve, desde então, uma relação de amizade. Foi essa amizade que a levou a aceitar ser cabeça de lista pelo PSD em Setúbal nas eleições legislativas de 2011, tendo entrado diretamente para o governo liderado por Pedro Passos Coelho.
Antes de enveredar pela política, foi diretora financeira da Refer entre 2001 e 2007, e, nesse ano, coordenou o núcleo de emissões e mercados do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP), cargo que abandonou em 2011 para integrar o governo liderado por Pedro Passos Coelho, primeiro como secretária de Estado do Tesouro - onde se destacou pela venda a preço de saldo do BPN e do Banif - e depois como ministra das Finanças, sucedendo a Vítor Gaspar.
Maria Luís Albuquerque subiu a ministra no auge da polémica com os chamados ‘swaps’ - contratos financeiros complexos para precaver alterações bruscas das taxas de juro. Na altura, já enquanto ministra, garantiu que não teve “qualquer contacto com swaps, nem do IGCP, nem de natureza nenhuma”.
A economista herdou a pasta com a missão de cumprir as regras orçamentais estipuladas pela Troika, que na altura já tinha concluído a sua sétima avaliação. Pedro Tadeu recorda Maria Luís Albuquerque como uma ministra “mais papista que o Papa” nas circunstâncias da Troika, daí que o nome escolhido por Luís Montenegro para assumir uma pasta na Comissão Europeia possa “merecer críticas, sobretudo à esquerda”. Miguel Pinheiro diz mesmo que os críticos “vão dizer que é o regresso da Troika” ao poder.
Quem já previa isso era Paulo Portas, então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, que apresentou um pedido de demissão “irrevogável” a Pedro Passos Coelho - que não foi aceite. Em causa estava precisamente a escolha de Maria Luís Albuquerque para substituir Vítor Gaspar, com quem Paulo Portas assumiu ter “conhecidas diferenças políticas”, nomeadamente com a forma como o então ministro das Finanças estava a implementar as medidas da Troika, com um “enorme aumento de impostos”. Para o então presidente do CDS, que viria a ser vice-primeiro-ministro depois de toda a polémica, Maria Luís Albuquerque não seria diferente, chegando a referir-se à economista como um “Gaspar de saias”. O mal-estar no executivo era de tal forma evidente que o Diário de Notícias descreveu a tomada de posse de Maria Luís Albuquerque em Belém como “uma cerimónia quase fúnebre”.
O regresso ao IGCP, a passagem pelo Morgan Stanley e o vislumbre de uma "pasta importante" em Bruxelas
Apesar das polémicas, e sempre de perfil discreto, Maria Luís Albuquerque (e Paulo Portas) manteve-se no cargo até ao final do executivo liderado por Pedro Passos Coelho, em novembro de 2015. Mas, mesmo fora da vida política, as polémicas continuaram: um ano depois, foi contratada por uma empresa envolvida na avaliação de ativos tóxicos do Banif. Na altura, negou incompatibilidades e não deixou o Parlamento. Em 2021, regressou ao Instituto de Gestão de Tesouraria e do Crédito Público, depois de ter ficado de fora da lista de candidatos às eleições legislativas de 2019, altura em que Rui Rio estava na direção do PSD.
Em setembro de 2022, integrou o Conselho de Supervisão da subsidiária europeia da norte-americana Morgan Stanley e, no mesmo ano, já sob a liderança de Luís Montenegro, foi a número dois da lista apresentada pela direção ao Conselho Nacional e encabeçada pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, manifestando-se disponível para “ajudar e contribuir” para os desafios do partido, mas recusando um regresso ao passado.
Mais recentemente, ajudou a preparar o programa económico da Aliança Democrática (AD) nas últimas legislativas, mantendo-se próxima de Luís Montenegro. Daí que a opção pelo seu nome para integrar o colégio de comissários europeus não tenha sido recebida com surpresa por parte da opinião pública.
Para Anselmo Crespo, o nome de Maria Luís Albuquerque é “uma escolha inteligente” da parte de Luís Montenegro, mesmo tendo em conta as polémicas em que esteve envolvida. “Como ministra e como secretária de Estado, teve os seus percalços, mas isso não lhe retira nenhuma competência para ocupar este cargo”, entende o comentador da CNN Portugal, que considera que a antiga ministra das Finanças pode vir a assumir “uma pasta importante” na Comissão Europeia, tendo em conta o seu percurso académico e político.
A sua candidatura “abre a porta para que Portugal tenha uma pasta mais relevante do que a que teve nos últimos anos” em Bruxelas, antecipa o comentador, lembrando que Elisa Ferreira assumiu a pasta da Coesão e Reformas e o seu antecessor, Carlos Moedas, foi comissário europeu da Energia.
Além disso, acrescenta, Maria Luís Albuquerque “cumpre a quota feminina desejada por Ursula Von Der Leyen”, presidente da Comissão Europeia que vai ter de validar esta candidatura e designar pastas para os respetivos comissários europeus. A próxima Comissão Europeia só toma posse depois de um aval final por parte do Parlamento Europeu, onde os candidatos propostos serão sujeitos a audições públicas nos próximos dois meses.