Maria Botelho Moniz e Cristina Ferreira foram criticadas por não terem uma "silhueta perfeita" idêntica à de outras colegas de profissão
"Uma mulher simpática mas robusta, com tendência para aumentar de peso e raramente usando roupa adequada às suas características.” É assim que o antigo jornalista Alexandre Pais descreve a apresentadora Maria Botelho Moniz numa crónica publicada no jornal Correio da Manhã, intitulada "A imagem é tudo".
Em três parágrafos, o antigo diretor do jornal Record critica não só a imagem da apresentadora do ‘Dois às 10’, programa da TVI, como também da diretora de Entretenimento e Ficção do canal, Cristina Ferreira.
Alexandre Pais começa por aconselhar Maria Botelho Moniz a “aproveitar a maior oportunidade profissional da sua vida para tratar da imagem”, salientando que este é um problema “de resolução difícil” e que “exige muito, muito sacrifício”.
O colunista escreve de seguida que a apresentadora “não estará na melhor estação para isso”, a avaliar pelo exemplo da diretora de Entretenimento e Ficção do canal. “Basta ver como nas ‘galas’ de domingo a sua diretora, de mangas a cava, exibe — e ergue em vez de proteger — os braços tomados pela flacidez do tempo e da falta de ginásio.”
E compara as duas apresentadoras da TVI a Catarina Furtado e Sónia Araújo, colegas de profissão na RTP que, diz, “são exemplos de cuidado e inteligência”. “Após os 50, surgem sempre de silhueta perfeita e bem produzidas, em sinal de respeito por si e pelo público, (...).”
O texto de opinião rapidamente circulou nas redes sociais e foi alvo de várias críticas, nomeadamente das visadas. Numa reação na sua conta oficial do Instagram, Cristina Ferreira classificou a crónica como “execrável” ao ponto de merecer “atenção judicial”.
“Sou alvo todos os dias de artigos, opiniões, crónicas, humor, desamor, estudos e notícias. Não me calarei sempre que o sinta um tema geral da sociedade e que me agrida não só a mim mas às mulheres em geral. A impunidade sentida nos tempos que correm não me fazem vislumbrar um futuro risonho”, lamentou a apresentadora, terminando a reflexão com o seguinte apelo: “Que ninguém tape os braços. Mas que se calem algumas bocas.”
Mais tarde, Catarina Furtado também recorreu ao Instagram para admitir ter ficado “incrédula” com o texto, que considerou “inadequado e ofensivo”.
“Estou mencionada no texto. Não nego que gosto de receber elogios (e também não nego que tenho uma relação, até agora, amigável com o meu corpo que herdei dos meus tempos de bailarina), mas não gosto de comparações quando têm a ver com o exterior. Aliás, detesto! E, parecendo que não, esta crónica tem um impacto maior porque atinge uma multidão de raparigas e mulheres. Um impacto nocivo”, denunciou a apresentadora.
Esta segunda-feira, os apresentadores do programa “Esta Manhã”, Iva Domingues, Nuno Eiró e Sara Sousa Pinto, interromperam a emissão para expressar uma "nota de repúdio" contra a crónica, classificando-a como uma manifestação de "gordofobia".
“Nunca nesta crónica se falou do trabalho em si ou da competência, apenas gordofobia no seu estado mais puro", lamenta Iva Domingues.
Para Nuno Eiró, a liberdade de expressão não deve escudar-se em textos de opinião sem qualquer sustentação, assentes apenas na “ofensa deliberada ao próximo”. “Cada um opina sobre o que quiser, não podemos é deixar que as mulheres sejam vilipendiadas desta forma”, defende o apresentador, contactado pela CNN Portugal.
Nuno Eiró admite que “a pressão para se ser perfeito é muito maior sobre as mulheres do que os homens”, apontando como exemplo o facto de nunca se ter escrito artigos semelhantes visando apresentadores masculinos. “Não foi feito nenhum artigo sobre nenhum de nós, apresentadores homens, e também há homens com excesso de peso na televisão, só que não se fala disso - e bem, porque não tem de se falar”, argumenta.
Mas a preocupação em torno deste artigo vai além da pressão com a imagem dos apresentadores de televisão, sublinha Nuno Eiró: “Isto não é sobre a Maria e a Cristina, é sobre todas as Marias e todas as Cristinas, todas as mulheres que acordam e não se sentem bem com o próprio corpo. Como vão olhar para isto?”
Entretanto, outras figuras públicas juntaram-se às vozes críticas do artigo de opinião, e todas elas evidenciam a mesma preocupação: o impacto que estas palavras podem ter na saúde mental das mulheres.
Numa publicação no Instagram, Carolina Deslandes lamentou a “falta de noção de que se pode falar do aspeto físico das mulheres, do seu corpo, como se fosse um objeto ao qual se atribui uma classificação”.
Também o escritor Pedro Chagas Freitas recorreu à mesma rede social para denunciar o “ataque soez, inclassificável” de que a apresentadora Maria Botelho Moniz foi alvo. “A Maria veste o que quiser e é uma pessoa linda”, escreveu, numa publicação onde detalha as competências profissionais da apresentadora, bem como o facto de ser “realmente boa pessoa”.
Já a humorista Joana Marques recorreu ao humor para denunciar a situação, dirigindo uma mensagem às suas seguidoras no Instagram: “Senhoras, se quiserem respeitar o público, já sabem. Silhueta perfeita, bem produzidas. Ter coisas para dizer? Secundário. Para isso já estão os homens.”
Por sua vez, Maria Botelho Moniz, que ainda não se tinha pronunciado sobre o tema publicamente, foi surpreendida no final do programa 'Dois às 10' com um ramo de flores enviado pelo coapresentador, Cláudio Ramos - um gesto que deixou a apresentadora visivelmente emocionada.
"A melhor forma de combater a gordofobia começa em casa"
As reações de preocupação em torno da saúde mental das mulheres desencadeadas pela respetiva crónica não são em vão. Como explica a psicóloga Margarida Mendes, do Hospital Lusíadas, existe efetivamente um preconceito em relação às pessoas com excesso de peso - commumente designado como gordofobia - e que "atinge mais as mulheres do que os homens".
Aliás, na nossa sociedade "a gordofobia quase se assemelha à realidade, o corpo magro é visto como o corpo normal", observa a psicóloga, argumentando que as redes sociais contribuíram para este viés.
Este preconceito pode mesmo ter efeitos negativos para a saúde mental de quem tem excesso de peso, admite a especialista à CNN Portugal: "Não somos só o que pensamos, mas o espelho do que os outros dizem de nós."
Segundo a psicóloga, não há uma fórmula mágica para lidar com comentários negativos sobre o nosso corpo, mas há uma palavra-chave que pode fazer toda a diferença: educação.
"Temos de começar desde pequeninos a educar as crianças para o não preconceito. A melhor forma de combater a gordofobia começa em casa, na escola, da mesma forma com que se trabalham outro tipo de preconceitos", indica Margarida Mendes.
Quanto ao argumento da liberdade de expressão, a psicóloga contraria a ideia generalizada de que este conceito significa "fazer tudo o que se quer". "Eu acho que é precisamente o oposto - é ter a capacidade de não fazer tudo o que me apetece, porque corro o risco de pisar o outro", esclarece.
Ao contrário de Cristina Ferreira, Maria Botelho Moniz optou por não reagir ao artigo de opinião - e, no entender da psicóloga Margarida Mendes, ambas as estratégias são válidas para lidar com este tipo de adversidades.
"Tão válido é o que ignora, como aquele que reage. São duas formas de lidar, não há melhor nem pior", argumenta. "Importa é que sintam confortáveis" no seu próprio corpo, sintetiza a psicóloga, salientando a importância da confiança e autoestima para a saúde mental de qualquer pessoa.