"Quer aparecer associado a causas e não a casos". Marcelo vai ao Santa Maria, mas não é só para salvar o Governo

8 ago, 07:00
Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa na cerimónia da tomada de posse do novo Governo (Lusa)

Uma “ajuda”, um “puxão de orelhas”, uma tentativa de restaurar a imagem junto da opinião pública, um esvaziamento da oposição. Quando Marcelo Rebelo de Sousa se juntar a Luís Montenegro na visita ao maior hospital do país, o Santa Maria, muitas serão as interpretações do momento

Os politólogos e especialistas em comunicação política ouvidos pela CNN Portugal estão certos de uma coisa: Marcelo Rebelo de Sousa não ajuda só o Governo, também se ajuda a si próprio, depois das quebras de popularidade à custa do caso das gémeas. Vamos às quatro interpretações possíveis.

Efeito 1: ajudar o Governo a definir prioridades

Ao marcar presença, Marcelo acrescenta peso e acaba por ser uma ajuda. Não o vejo como uma pressão, até porque já o tinha feito no passado [com António Costa]. Creio que está a ser sincero na ajuda”, posiciona Manuel Soares, especialista em comunicação política. Até porque Marcelo habituou o país a estar presente: acabou de acontecer, ele está lá. Caso contrário, vinca Manuel Soares, “seria uma desautorização aparente”.

E que ajuda é esta que Marcelo parece dar a Montenegro com a sua presença? “Procura colocar o Governo no caminho certo, alertando quais devem ser as prioridades”, aponta o politólogo Bruno Ferreira Costa. No fim de semana, o primeiro-ministro marcou presença numa etapa da Volta a Portugal. Até falou sobre o Orçamento do Estado para 2025. Mas quando surgiram as questões sobre a saúde, virou costas. As urgências fechadas em todo o país tomavam a atenção mediática nesses dias.

Agora, diz, Montenegro precisa de “respaldo presidencial para um tema tão importante, que merece consenso nacional”.

(Estela Silva/Lusa)

Efeito 2: Ajudar-se a escapar ao fantasma das gémeas

Marcelo não ajuda só o Governo. Também se ajuda a si próprio, sobretudo depois de longos meses em que a sua popularidade tem vindo a cair à custa do caso das gémeas que receberam um tratamento milionário no Santa Maria, devido à alegada interferência de Belém.

“Marcelo vai para ajudar o Governo, mas também para sair da sua crise política, para aparecer associado a outros temas. Quer aparecer associado a causas e não a casos”, resume o politólogo João Pacheco.

O Presidente da República põe-se no olho do furacão, o Santa Maria, para “mostrar que trata do SNS para todos os portugueses” – e não apenas para aqueles que têm contactos privilegiados.

Marcelo quer, uma vez mais, assumir o protagonismo, mesmo que acabe por “ocupar um espaço que, se Montenegro tivesse sido mais proativo, teria tomado sozinho”, acrescenta João Pacheco.

O politólogo acredita que a iniciativa da visita conjunta terá partido de Belém. As informações recolhidas pela CNN Portugal apontam no mesmo sentido. O que, a confirmar-se, evidenciam uma inversão face ao que aconteceu no início de outra crise na saúde: a pandemia de covid-19.

Em março de 2020, Marcelo defendia que deveria ser o Governo a ter a “primazia” na gestão da covid-19, admitindo que, por sua vontade, “já lá estava” junto dos portugueses infetados pelo vírus. Foi António Costa o primeiro a fazê-lo. Marcelo só visitaria hospitais se fosse convidado.

A visita conjunta com Montenegro é vista agora pelos especialistas não como uma disputa, mas antes como um sinal de “cooperação institucional”, até porque Marcelo quer garantir a maior continuidade possível a este governo minoritário, sem crises políticas.

“O Presidente da República está agora a assumir o controlo da agenda mediática do seu mandato. Ao colocar a questão do SNS na sua agenda, está a obrigar o Governo a atuar”, refere Bruno Ferreira Costa.

(Gustavo Valiente Herrero/Getty Images)

Efeito 3: um “puxão de orelhas” pelo silêncio na hora errada

É uma ajuda ao Governo, é uma ajuda ao próprio Marcelo, mas não deixa de ser um “puxão de orelhas”. Num fim de semana de pressão adicional no SNS, com várias urgências fechadas, Montenegro falou aos jornalistas na Volta a Portugal. Não deixou de abordar as negociações do Orçamento do Estado para 2025, reagindo a uma entrevista do seu ministro das Finanças, Miranda Sarmento, onde se admitia o cenário de eleições antecipadas. Sobre o SNS recusou falar.

“Parece-me uma espécie de puxão de orelhas, no seguimento do que se passou no fim de semana. E também devido ao pouco acerto do ponto de vista comunicacional numa área onde tinha previsto um plano de emergência. Quis evitar um tema complexo e de difícil resolução. No entanto, exigia-se uma declaração mais clara e forte do primeiro-ministro”, argumenta Bruno Ferreira Costa.

Efeito 4: esvaziar a oposição

Há algum tempo que a visita ao Santa Maria estava na agenda do Governo. Com os desenvolvimentos dos últimos dias, também o PS anunciou um conjunto de visitas a unidades de saúde. Mas a confirmação de Marcelo Rebelo de Sousa no Santa Maria veio equilibrar o jogo de forças com a oposição. Ou mesmo esvaziar a oposição, dizem os especialistas.

“É diferente o primeiro-ministro surgir isolado ou acompanhado pelo Presidente. Marcelo volta a centrar atenções, de que este é um assunto do Governo, e tira visibilidade a Pedro Nuno Santos”, reage Bruno Ferreira Costa. “E acaba também por evitar que este tema seja capturado por forças mais radicais, que não tirarão férias para atacar o Governo.

Já João Pacheco vinca que dessas visitas, as do executivo e as socialistas, acabarão por evidenciar duas visões muito diferentes sobre a mesma realidade, com um “país político a duas vozes”.

(António Pedro Santos / Lusa)

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