"Não vão ser só quatro anos de Marcelo a tirar selfies": a estratégia do Presidente para lidar com a maioria socialista

1 fev 2022, 21:50
Marcelo Rebelo de Sousa (TIAGO PETINGA/LUSA)

No minuto que Costa venceu com maioria absoluta, Marcelo perdeu parte dos seus poderes. A CNN Portugal falou com vários politólogos que antecipam a estratégia e a atuação política do Presidente da República durante a próxima legislatura

Durante a campanha, António Costa defendeu que uma maioria absoluta não era “poder absoluto”, até porque o Presidente não o permitiria “pisar o risco”. Afinal, o que pode fazer o Presidente da República caso um Governo com maioria absoluta “pise o risco”? 

Do ponto de vista dos poderes políticos do Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa não tem muita margem de manobra. O chefe de Estado tem poder de promulgar, revogar ou mandar fiscalizar diplomas no Tribunal Constitucional, mas, em última instância, podem sempre ser ultrapassados numa segunda leitura pela maioria absoluta que tem no Parlamento.

“Pode até tentar atrasar a aprovação de algumas medidas, mas muitas delas se o Governo quiser consegue fazê-las passar”, Marco Lisi, professor de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Isto acontece porque o Presidente da República só pode vetar um diploma uma vez. Em caso de veto presidencial, o documento regressa ao Parlamento, que com maioria absoluta ou de dois terços, consoante a matéria, pode voltar às mãos do chefe de Estado que tem um prazo de oito dias para o promulgar.

“Com uma maioria absoluta, mesmo com a oposição do Presidente, o Governo tem uma grande capacidade de manobra e poder de decisão. A nível institucional, pode fazer pouca coisa”, admite Lisi.

No entanto, os especialistas acreditam que o PR irá encontrar forma de contornar a situação. “Marcelo Rebelo de Sousa vai compensar a redução do seu poder político com um aumento da margem da intervenção utilizando o seu capital de popularidade”, refere André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. Para o politólogo, esta fase final do segundo mandato de Marcelo Rebelo de Sousa pode nesse aspeto ser “semelhante” à presidência de Mário Soares, durante as maiorias absoluta de Cavaco, assumindo-se sempre como o contrapeso ao poder executivo.

Marcelo, o líder da oposição?

Há ainda outra opção para Marcelo: ser uma voz da oposição. Segundo Marco Lisi, numa primeira fase, em que ainda existe uma indefinição acerca da liderança do PSD, Marcelo poderá ver-se forçado a ocupar o papel de líder da oposição, colocando-se na posição “de árbitro e fiel da balança”, no equilíbrio dos vários poderes, de forma a regular o funcionamento das instituições.

“Até um novo líder se afirmar no PSD, o Marcelo vai ser a principal oposição ao Governo. É possível que faça uma fiscalização redobrada, porque, atualmente, mesmo dentro do parlamento não há aquela relação entre maioria e oposição que é saudável e que é precisa em qualquer democracia. E que, enquanto não houver um líder do PSD vai faltar”, acredita o especialista.

Com esta vitória de António Costa nestas legislativas, Portugal passa a ter seis maiorias absolutas desde 1974. Quatro foram sob a liderança do PSD: duas de Francisco Sá Carneiro, em 1979 e 1980, com Ramalho Eanes como chefe de Estado, e duas do PSD com Cavaco Silva, em 1987 e 1991, com Mário Soares na presidência. A outra foi conquistada pelo Partido Socialista em 2005, então chefiado por José Sócrates, quando o presidente da República era Jorge Sampaio.

Quatro anos com Marcelo a tirar selfies?

André Azevedo Alves acredita que o Presidente poderá ter visto a maioria absoluta de Costa com alguma “surpresa”. Mas, por outro lado, diz o especialista, o PR terá sentido “algum alívio” porque a “vitória do PS e a maioria absoluta, ainda que inesperada, validam a decisão de Marcelo de avançar para eleições antecipadas“.

Apesar de considerar que “a situação política ficou clarificada com a maioria absoluta num horizonte de estabilidade de quatro anos”, André Azevedo Alves, acredita que o PR arranjará um papel para desempenhar: “Não creio que sejam só quatro anos com Marcelo a tirar selfies”.

Entre as opções do PR pode estar uma maior abertura para fazer comentários aos vários temas da atualidade. Os especialistas acreditam que se por um lado o Presidente da República tem menos margem de manobra político, perdendo protagonismo para António Costa, que poderá aprovar os diplomas sem grande oposição, por outro, pode ganhar poderes no plano do comentário, uma vez que as suas intervenções deixam de causar instabilidade política.

“Considerando a estabilidade do governo já não estar em causa e considerando o perfil político e mediático de Marcelo Rebelo de Sousa - com a sua propensão para aparecer e falar frequentemente sobre os mais variados temas - acho que podemos esperar um reforço desta dimensão e provavelmente, em alguns temas, uma postura mais crítica do Governo do que foi o caso, quando o Governo tinha maioria relativa”, explica Azevedo Alves.

Regresso dos afetos?

Outro dos fatores determinantes na postura de Marcelo, notam os especialistas, é a passagem da pandemia a endemia. Isto porque o permite regressar ao registo que marcou os seus primeiros anos de mandato e lhe valeu a alcunha de "Presidente dos afetos”.

De acordo com Marco Lisi, “é expectável” que com o fim da fase mais aguda da covid-19, Marcelo se volte “a aproximar dos portugueses” um pouco por todo o país, criando situações para tecer declarações mais críticas ao Governo: “Com a passagem da pandemia a endemia, Marcelo vai voltar a aproximar-se dos portugueses. Esse elemento deve ser retomado e aumentado, criando oportunidades para fazer declarações mais críticos sob aspetos da governação, essas visitas e eventos”.

Essa opinião é partilhada por Paula Espírito Santo, professora do ISCSP, para quem essa maior liberdade de movimentos poderá marcar o regresso a um estilo de comunicação que valeu ao antigo professor de direito um dos mais elevados níveis de popularidade alguma vez detido por um político português.

“O Presidente vai continuar o estilo de comunicação que tinha antes de entrarmos em pandemia. Isso motiva a que ele possa apresentar alguma comunicação direcionada a assuntos que estejam menos conseguidos por parte da governação de António Costa, particularmente se se verificar um défice de negociação com os seus parceiros à esquerda e à direita”, antecipa a politóloga.

Nesse sentido, acredita a especialista, é possível que a atuação do Presidente da República passe por uma mensagem pública com apelos ao Governo, de forma a criar “algum condicionamento e alguma censura implícita ou explícita" à atuação do Executivo, utilizando o seu “capital político” para ter “um papel de intervenção mais intenso, orientando a sua presença mediática para ser mais assertivo e mais crítico do Governo”.

Uma bomba “impensável” 

Apesar de no minuto em que Costa ganhou a maioria, o Presidente da República ter perdido muita margem de manobra na ação política, ainda mantém o poder de dissolução do parlamento. Mas com um entrave: não o pode fazer nos primeiros e nos últimos seis meses de mandato ou durante uma situação de estado de sítio ou emergência. 

“Marcelo tem a possibilidade da dissolução do parlamento? Sim, mas na atual situação é impensável, principalmente no curto e no médio prazo. Só em casos de violações graves da constituição”, explica Marco Lisi.

Esta situação aconteceu apenas oito vezes na história do país. António Ramalho Eanes dissolveu três vezes o parlamento (1979; 1983; 1985); Mário Soares dissolveu uma vez (1987); Jorge Sampaio dissolveu o parlamento duas vezes (2002; 2004) e Cavaco Silva dissolveu, em 2011, o governo de José Sócrates. A última vez que ocorreu foi precisamente agora, com Marcelo Rebelo de Sousa, depois do chumbo do Orçamento do Estado do Governo de António Costa – que se prepara para o aprovar em breve.

PR Marcelo

Mais PR Marcelo

Patrocinados