Crise política: os três cenários possíveis nas mãos de Marcelo

3 mai 2023, 21:09
Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa (Tiago Petinga/Lusa)

A CNN Portugal falou com vários especialistas sobre o que pode, ou não, fazer o Presidente da República, depois de António Costa ter decidido não demitir um ministro contra a vontade de Marcelo

Ministro sai, ministro fica, Marcelo preferia que tivesse saído e o resultado é uma crise política, para a qual há apenas três desfechos possíveis, segundo os especialistas ouvidos pela CNN Portugal. Constitucionalmente, há duas vias, mas os cenários possíveis são três.

Demissão do Governo

Marcelo Rebelo de Sousa pode “demitir o primeiro-ministro, por funcionamento irregular das instituições". "Neste caso, não tem de dissolver o Parlamento e a maioria existente, mantendo-se, pode escolher outro primeiro-ministro”, explica Adelino Maltez, professor universitário e investigador na área da Ciência Política.

Todavia, segundo a Constituição, para tomar esta decisão o Presidente da República, deverá primeiro ouvir o Conselho de Estado, órgão consultivo do Presidente. Se o Governo for demitido, o primeiro-ministro cessante é exonerado na data da nomeação e posse do novo primeiro-ministro.

Até agora, nunca nenhum Presidente da República demitiu nenhum Governo. Se Marcelo Rebelo de Sousa tomasse esta decisão seria a primeira vez que tal aconteceria. Isso mesmo confirmou à CNN Portugal Jorge Pereira da Silva, constitucionalista e professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.

O constitucionalista considera que este será o cenário menos provável porque "o problema deste poder é o 'pós', o que acontece a seguir". "Não havendo dissolução" o Parlamento permanece igual e seria formado "um novo governo no mesmo quadro parlamentar". Neste momento, "nenhum partido da oposição consegue formar um governo viável".

Eventualmente, "a única alternativa seria usar este poder para obrigar o primeiro-ministro António Costa a fazer uma remodelação profunda", o que significa 'demite e convida novamente António Costa'", explica. Só que pode acontecer ele aceitar "e fazer uma remodelação significativa, sem João Galamba, ou diz 'não, se o Governo está demitido temos de ir para dissolução'. Não aceita formar um novo Governo, nem deixa que ninguém dentro do PS forme um novo Governo".

E é por "esta dificuldade" que Jorge Pereira da Silva "acha que se torna muito difícil o recurso a este poder de demissão". Ou seja, "pode acrescentar problema, onde já há problema sério", conclui. "Este poder vem agora para cima da mesa apenas porque estamos numa conjuntura ímpar, onde num Governo de maioria absoluta, a instabilidade vem de dentro do próprio Governo, do próprio partido."

Dissolução da Assembleia da República

A outra via prevista na Constituição é “a dissolução do Parlamento, sem mais". "O Presidente não precisa de justificar absolutamente nada. É totalmente livre de o fazer”, acrescenta Adelino Maltez. Sem querer fazer previsões, o politólogo assume que “o grande mistério” é saber “perante as circunstâncias, as que considera importantes para ele, pensar no que pode implicar a dissolução”.

Para dissolver a Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa também teria de ouvir o Conselho de Estado e os partidos, mas não fica limitado por estas audições. A última palavra seria sempre sua. Só depois poderia convocar novas eleições. E aqui está previsto um período máximo de 60 dias para a sua marcação.

Perante três cenários possíveis, a dissolução será o mais radical e apenas questões temporais, que não se aplicam na atual situação, poderiam impedir o Presidente da República de dissolver o Parlamento: “O Presidente não pode dissolver o Parlamento nos seis meses posteriores à eleição do mesmo e no último semestre do mandato presidencial; durante a vigência do estado de sítio e do estado de emergência.”

E este não parece a Adelino Maltez um cenário que se tome de ânimo leve, até porque “a bomba atómica pode ser usada em qualquer circunstância, mas os hábitos constitucionais, aquilo a que se chama costume, tradição dos Presidentes da República, tem sido no sentido de que quando usam a bomba atómica, acertam”.

E o que significa isto? “Usam e logo a seguir o povo escolhe conforme uma perspetiva diversa da maioria até então existente", isto é, "escolhe nova maioria, consequentemente novo Governo”.

Jorge Pereira da Silva também referiu que este "é um poder livre" do Presidente da República, porque ele "não precisa de juridicamente encontrar um fundamento para dissolver a Assembleia da República". Na verdade, "não interessa se há maioria ou não, se há concordância ou não do primeiro-ministro", esclarece, relembrando que "não há poder vinculativo das audiências do Conselho de Estado e dos partidos", que por lei, ele tem de ouvir.

Manter a situação atual

Mas Adelino Maltez diz que existe uma terceira possibilidade: “O nosso Presidente está muito limitado, por isso, pode decidir de acordo com isto, que é não decidir”. Ou seja, não fazer absolutamente nada. No entanto, o especialista em Ciência Política acredita que ele vai acabar “por ouvir os partidos” e, por isso, “não sabemos o que é que os partidos vão dizer”.

“O que parece ter estado em causa nesta decisão de manter o ministro foi quase, exclusivamente, o reforço da autoridade do primeiro-ministro”, sublinha António Costa Pinto, investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Professor Convidado do ISCTE.

“Dito isto, o que pode fazer Marcelo? Todas as opções podem ser usadas por decisão do Presidente, que é um órgão unipessoal e depende da avaliação estratégica do presidente. Não depende dos analistas”, explica. Na verdade, será a sua avaliação da situação e circunstâncias que vai decidir o próximo passo e o cenário escolhido.

Olhando para a decisão de manter João Galamba, António Costa Pinto vê esta posição do primeiro-ministro como "manter a responsabilidade política dos seus ministros e reforçar o seu poder sobre o Governo, perante outras instituições, neste caso, perante a opinião publica e perante o Presidente da República”.

Este aparente reforço de autoridade poderá complicar as relações institucionais nos próximos meses. Todavia, apesar disso, o politólogo diz que olhando para “os fatores” que o Presidente da República “tem sistematicamente salientado e que o levaram, até agora, a não dissolver, nada neste caso se prende com eles”. 

E de que forma tem Marcelo Rebelo de Sousa justificado essa opção? “Ele tem apontado: Governo com pouco mais de um ano, uma maioria absoluta, uma necessidade de uma utilização dos fundos do PRR e uma necessidade de um Governo estável.” O especialista evita fazer previsões, mas ressalva que “a performance governamental desde dezembro tem sido surpreendente”.

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