O Presidente da República considera que o despacho assinado por António Costa “não é precedente grave nenhum”, considerando-o "meramente interno" e que, por isso mesmo, "não belisca" competências exteriores ao executivo
O Presidente da República diz ter interpretado o despacho do Governo sobre os pagamentos da prestação de fornecimento de energia da Endesa aos serviços da administração do Estado de forma "diferente" da percecionada pela opinião pública.
"Vejo que foi interpretada como sendo uma intervenção sobreposta à ERSE ou de conflitualidade relativamente à entidade petrolífera, que teve uma intervenção inesperada para o contexto vivido. Eu tive uma interpretação diferente: a de que o primeiro-ministro assinou um despacho interno sobre o procedimento administrativo do pagamento de determinados montantes", começa por dizer aos jornalistas, à margem da visita aos terrenos das Jornadas da Juventude Mundial, no concelho de Loures.
Por ser um despacho interno, "não tem que ver com contratos, não tem que ver com a rescisão de contratos, nem com a competência e poderes da ERSE", sublinha, acrescentando: "Logo, não tem eficácia externa, a não ser uma, que é política, e que é dizer - sem dizer - que tinha sido estranho o comportamento daquela entidade”.
Questionado pelos jornalistas sobre se o despacho não causa dúvidas jurídicas, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: "Não, porque é um despacho meramente interno, não belisca as competências da ERSE, da Assembleia da República nem do Governo como legislador."
O Presidente da República demarca-se assim da interpretação de que o despacho assinado por António Costa constitui um "empolamento, um conflito ou um confronto". "Provavelmente terminará com o esclarecimento, por um responsável da Endesa ao mais alto nível, de que não era bem aquilo que se esperaria de uma empresa petrolífera", acrescenta.
Marcelo pede "responsabilidade social" às petrolíferas
Relativamente ao facto de o despacho se referir aos serviços da administração indireta do Estado, que englobam instituições autónomas, como institutos públicos ou inversidades, o chefe de Estado resume o texto assinado por Costa como "uma evidência".
"É uma evidência dizer ‘quem cumpre a sua missão deve cumprir zelosamente'. Isto é dito internamente, dentro da administração pública, não mais do que isso. Dir-me-ão: 'no momento em que aparece, logo a seguir à intervenção que houve [do presidente da Endesa], isto é, como dizer 'nós, o Estado português, não gostámos muito da intervenção’. Mas acho que a própria empresa já disse que também não gostou", sustenta.
Marcelo Rebelo de Sousa disse esperar que "no futuro, as entidades petrolíferas tenham atenção à responsabilidade social, e que não haja, da parte das entidades petrolíferas, intervenções que causem alguma estupefação por não contribuírem para o clima que tem de ser próprio desta situação excecional que vivemos", salienta.
Num despacho assinado por António Costa, que entrou em vigor na terça-feira, e que determinou que os pagamentos da prestação de fornecimento de energia da Endesa aos serviços da administração direta e indireta do Estado terão de ser validadas pelo secretário de Estado do Ambiente e da Energia, João Galamba.
A decisão surge na sequência da polémica em torno dos preços da eletricidade, depois de o presidente da Endesa ter afirmado que a eletricidade iria subir 40% este mês. “Em particular, a partir do final de agosto, mas já nas faturas do consumo elétrico de julho, as pessoas vão ter uma desagradável surpresa. […] Estamos a falar de qualquer coisa na ordem dos 40% ou mais, relativamente àquilo que as pessoas pagavam”, disse Nuno Ribeiro da Silva.
O Ministério do Ambiente e da Ação Climática rejeitou as declarações de Nuno Ribeiro da Silva, classificando-as como "alarmistas". Também o secretário de Estado do Ambiente e da Energia garantiu, no domingo, que, "ao contrário do que disse o presidente da Endesa, não há nenhuma subida de 40%. "Se está a falar sobre ofertas comerciais da própria empresa, só o próprio poderá dizer”, sublinhou.
Entretanto, a elétrica já garantiu aos clientes que não irá "aumentar os preços de eletricidade do mercado residencial" até final do ano e que as condições do contrato vão manter-se tal como o estipulado.