Marcelo vai passar das palavras aos atos? “Não está colocada de lado a hipótese de vir a promover a queda da Assembleia da República"

29 dez 2022, 13:36
Marcelo Rebelo de Sousa (Lusa/Hugo Delgado)

Depois de saber da demissão de Alexandra Reis, Marcelo Rebelo de Sousa deixou em aberto a possibilidade de mais demissões no Governo. Mas o que pode o Presidente da República fazer neste cenário de instabilidade?

A demissão de Pedro Nuno Santos como ministro das Infraestruturas - a 10.ª em nove meses de Governo - coloca o país numa situação de crise política que fragiliza o executivo de António Costa. Para o politólogo José Filipe Pinto, “agora é o tempo de Marcelo”, que pode usar o seu poder para lançar a chamada “bomba atómica”, isto é, dissolver o parlamento. 

Sendo o garante do “regular funcionamento das instituições democráticas”, o Presidente da República tem também responsabilidade sobre o rumo da governação do país, tendo agora duas hipóteses nas suas mãos, na perspetiva de José Filipe Pinto: “Ou dá esta crise por terminada ou pode dizer que um Governo com 10 demissões em menos de um ano não decorre do normal funcionamento das instituições, mas sim de más escolhas do primeiro-ministro.”

“Portanto, não está colocada de lado a hipótese de Marcelo Rebelo de Sousa, em nome da instabilidade e do normal funcionamento das instituições, vir a promover a queda da Assembleia da República no médio prazo”, assume o professor catedrático da Universidade Lusófona.

Essa decisão poderá ser tomada “no médio prazo” porque Marcelo “tem tempo” para o fazer , explica José Filipe Pinto, referindo-se às regras para a dissolução do Parlamento, que ditam que o Presidente da República só não pode usar essa opção “nos seis meses posteriores à sua eleição e no último semestre do mandato presidencial”.

“Se Marcelo se aproximasse do tempo em que poderia deixar de usar esse poder, poderia sentir-se pressionado”. Não tendo essa urgência, José Filipe Pinto acredita que, para já, Marcelo vai deixar apenas um aviso: “A minha interpretação aponta para que neste primeiro momento haja um diálogo do Presidente com o primeiro-ministro, e uma posterior declaração de Marcelo aos portugueses, dizendo que é necessário escrutínio e que espera que o Governo retome a estabilidade que uma maioria absoluta lhe garante. E de certeza que nesse discurso Marcelo vai dizer que continuará atento, a velar pelo normal funcionamento das instituições.”

Nas reações à demissão de Pedro Nuno Santos, destaca-se o apelo do CDS ao Presidente da República precisamente  "para dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas". "Por muito menos, caíram outros governos em Portugal", lembrou o presidente do partido.

Porém, o politólogo José Fonte, professor catedrático da Academia Militar, acredita que Marcelo só fará uso da “bomba atómica” se observar uma situação de “grande instabilidade e incapacidade desta maioria absoluta em resolver os problemas do país”. “Acho que não estamos ainda nessa fase, mas o Presidente da República, ao abrigo do seu poder da palavra, pode intervir junto do primeiro-ministro. Ele tem tantas intervenções públicas a favor do Governo, que agora também deve ter uma intervenção pública de censura, uma chamada de atenção sobre o rumo que está a ser seguido pelo Governo.” 

Este poder da “bomba atómica” pode até ser contraproducente se o Presidente da República não fizer uma leitura correta do atual cenário político, assinala José Fonte. “Se Marcelo dissolver a Assembleia da República e amanhã o Partido Socialista voltar a ganhar as eleições, isso significa que o Presidente não soube ler a realidade.”

Já o analista político José Miguel Bettencourt assinala a forma como Marcelo Rebelo de Sousa "tem conseguido impor a sua magistratura de influência" sobre António Costa. "Prova disso são as demissões imediatas que ocorreram por parte dos diversos governantes demitidos ou que se demitiram", acrescenta. 

Ainda esta quinta-feira, antes do anúncio da demissão de Pedro Nuno Santos, o Presidente da República considerou que "foi retirada, e bem retirada" a "conclusão política" do caso da secretária de Estado Alexandra Reis, defendendo que só havia uma solução após terem sido prestados esclarecimentos.

Marcelo Rebelo de Sousa abriu ainda a porta a eventuais novas saídas do executivo de António Costa, acrescentando que "se for necessário ir mudando o Governo, muda-se". Resta saber se, nesta porta giratória de saídas e entradas, o Presidente da República vai passar das palavras aos atos.

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