Sabia-se da existência de “Clavis Prophetarum” por via de várias cópias dispersas pelo mundo, e pelas referências à obra feitas pelo padre jesuíta em cartas, mas do manuscrito original desconhecia-se o paradeiro há mais de 300 anos
O manuscrito original da obra seiscentista “Clavis Prophetarum”, de padre António Vieira, dado como desaparecido, foi descoberto em 2020 em Roma pela investigadora portuguesa Ana Travassos Valdez. Já foi restaurado e está planeada a sua edição, foi anunciado esta segunda-feira.
“Acabou o mito de que o original não existe. O trabalho ainda só agora começou para desvendar os segredos da ‘Clavis Prophetarum’”, afirmou a investigadora do Centro de História da Universidade de Lisboa, numa apresentação pública da descoberta do manuscrito, esta segunda-feira em Lisboa.
O documento em causa foi apresentado como o único livro que padre António Vieira (1608-1697) escreveu, para lá dos sermões, mas que nunca editou em vida, sendo agora o ponto de partida para uma investigação mais ampla, transversal e internacional.
Sabia-se da existência de “Clavis Prophetarum” por via de várias cópias dispersas pelo mundo, e pelas referências à obra feitas pelo padre jesuíta em cartas, mas do manuscrito original desconhecia-se o paradeiro há mais de 300 anos.
Na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), onde foi esta segunda-feira apresentada a descoberta, a investigadora Ana Travassos Valdez explicou que encontrou o documento original na biblioteca da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, onde ainda está depositado e foi, entretanto, restaurado.
"Uma tarde épica a comparar manuscritos"
Sobre o momento da descoberta, a investigadora recordou “uma tarde épica a comparar manuscritos”, incrédula de que aqueles “cadernos desorganizados”, com papéis de vários tipos, eram a obra dada como perdida, e que nenhum outro investigador o tinha identificado como sendo o manuscrito original.
Na validação do documento, a investigadora contou com a ajuda de Arnaldo do Espírito Santo, professor emérito da FLUL e especialista na obra do padre jesuíta. Uma anotação à margem do texto permitiu-lhes identificar como sendo o original.
A autenticação do documento contou ainda com exames laboratoriais ao tipo de papel, de tinta e de encadernação, explicou Ana Travassos Valdez.
Nestes dois anos depois da descoberta, a investigadora explicou que o trabalho de estudo do documento só foi possível graças à tecnologia, que permitiu o restauro e a digitalização do manuscrito, uma vez que o processo de trabalho foi afetado pela pandemia.
“Durante dois anos ficámos impedidos de trabalhar no manuscrito e a tecnologia permitiu o impossível. Só voltámos a ver o manuscrito restaurado há duas semanas”, disse Ana Travassos Valdez.
Confirmada a descoberta, Ana Travassos Valdez explicou que está já em curso a transcrição da obra - "é um enorme desafio" - e tradução de latim para português, a pensar na divulgação e para que esteja acessível a outros investigadores.
Segundo a investigadora, a obra será publicada numa edição crítica em português e inglês, em três volumes, correspondendo à divisão original feita pelo padre jesuíta.
"Passa a estar disponível em todas as geografias", disse.
António Vieira, padre jesuíta, teólogo, professor, diplomata, orador eloquente, nasceu em Lisboa em 1608 e morreu no Brasil em 1697, deixando uma obra documental com 200 sermões e 700 cartas.
“É um dos grandes escritores do século XVII e a competição nesse século é considerável”, sublinhou o diretor da FLUL, Miguel Tamen, na apresentação pública de “Clavis Prophetarum”.