"Forma abusiva de intimidação e condicionamento". Sindicato critica PGR por abrir averiguações a procuradores que dirigem investigações

Agência Lusa , WL
5 dez 2022, 19:05
Procuradoria-Geral da República

Posição chega depois de averiguações sobre a conduta dos procuradores nos casos de Manuel Pinho e de Luísa Salgueiro

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) alertou esta segunda-feira que as recentes decisões da Procuradora-Geral da República de instaurar averiguações disciplinares a procuradores que dirigem investigações podem ser interpretadas como "forma abusiva de intimidação e condicionamento".

Em comunicado dirigido aos seus associados, a direção do SMMP indica que remeteu para a Procuradora-Geral da República (PGR), Lucília Gago, e para o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) aquela posição crítica, reiterando ao mesmo tempo que a "salvaguarda da independência do magistrado ou magistrados do MP que dirigem uma investigação é essencial à autonomia do Ministério Público (MP) e a que não exista uma instrumentalização do MP por pressões políticas ou de outra natureza".

Manuel Pinho e Luísa Salgueiro

Embora o comunicado não identifique os casos concretos a que se refere, a posição do SMMP surge após a PGR ter confirmado a instauração de um processo de averiguações, de natureza disciplinar, à conduta do procurador que acompanhou as últimas buscas à residência de Manuel Pinho, após uma carta enviada pelo antigo ministro da Economia do Governo de José Sócrates a denunciar intimidações e tentativas de humilhação.

A tomada de posição do SMMP surge também após a PGR ter instaurado em novembro um processo especial de averiguação para dissipar dúvidas e aferir da relevância disciplinar da atuação do magistrado do MP que constituiu como arguida a presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro, no âmbito da "Operação Teia".

Segundo o SMMP, tal decisão da PGR "pode ser interpretada e assumida como uma forma abusiva de intimidação e condicionamento" do magistrado do MP que dirige a investigação.

"As recentes decisões da PGR no sentido de determinar a realização de processo de averiguações podem colidir com o equilíbrio da estrutura do poder do MP, colocando quem dirige a ter a iniciativa de desencadear procedimentos prévios com vista a aferir da responsabilidade disciplinar em processos, ainda em fase de inquérito, em relação aos magistrados do MP que os dirigem, pelas decisões neles tomadas pelos mesmos, pode ser interpretada e assumida como uma forma abusiva de intimidação e condicionamento do titular do inquérito", diz o comunicado.

O SMMP entende que "a situação é tanto mais grave porque surge enquadrada num contexto de inaceitáveis e intoleráveis pressões por parte de responsáveis políticos e partidários e da própria ministra da Justiça", pelo que as averiguações determinadas pela PGR "podem ser assumidas pelos magistrados do MP visados como sendo uma forma de censura a decisões por eles tomadas no processo e uma forma de intimidação (com a possibilidade de processo disciplinar), que poderá condicionar a sua atuação no processo em causa".

Tal constitui - aponta a direção do SMMP - "uma clara violação do princípio da autonomia do MP, suscetível de afetar a objetividade do magistrado na condução do processo".

"Confusão de papéis"

O SMMP afirma ainda que não se pode esquecer que "a estrutura de equilíbrio de poderes delineada assenta no conhecimento de que o PGR tem uma dependência sensível ao poder político que o pode nomear e exonerar discricionariamente e a qualquer momento".

"Por isso, o SMMP repudia frontalmente esta atuação da dirigente máxima do MP, que não aparece, em público, a dar, no devido tempo, os esclarecimentos necessários e a sustentar as decisões proferidas pelos magistrados do MP, nos processos concretos, quando os mesmos são objeto de campanhas infames e pessoalizadas, atentatórias da sua dignidade profissional e até da sua própria honra, com os nomes expostos na praça pública, como lhe competiria e até mesmo se exigiria, e que apenas se tornem públicas as suas decisões de instaurar processo de averiguações aos magistrados em causa", lê-se no comunicado.

O SMMP afirma que "não bastam as boas intenções" e lembra que “o papel do PGR, enquanto dirigente máximo do MP, é assumir a responsabilidade pelas decisões tomadas pelos magistrados nos processos e cumprir o dever de informar a opinião pública sempre que existam tentativas de pressão ou condicionamento dos magistrados ou campanhas de descredibilização e difamação dos mesmos, deixando para o CSMP a matéria relativa a averiguações, sindicâncias e processos disciplinares".

O SMMP considera "inadmissível a delegação de poderes efetuada pelo CSMP no PGR, do poder de iniciativa nessas matérias, originando uma confusão de papéis dada a interpretações dúbias pelos engenhosos na manipulação da opinião pública".

"Tempos difíceis como os de agora, com poderes de vária natureza a sentirem-se acossados por não escaparem à ação da justiça, exige um PGR forte, firme, capaz de resistir a tentativas de instrumentalização, que dê a cara pelas investigações em curso e que garanta a independência dos magistrados do MP", avança o SMPP, pedindo um PGR que "defenda os magistrados do MP de campanhas orquestradas de descredibilização do MP e dos próprios magistrados que conduzem as investigações, e que reponha a verdade e a sua dignidade perante a opinião pública".

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