opinião
Economista, ex-ministro da Economia e da Inovação

Recordando o Plano tecnológico

14 out, 10:16

Things do not happen, they are made to happen

John F Kennedy

 

Motiva-me escrever este artigo o facto de acabar de ter sido atribuído o Nobel de economia de 2025 ao economista francês Phillipe Aghion pela sua contribuição em mostrar a importância da destruição criativa (ideia introduzida por Shumpeter) no processo de crescimento sustentado das economias. No ano passado tinha sido galardoado Daron Acemoglu e com ambos partilhei experiências que nunca esquecerei e muito me enriqueceram.

Conheci Phillipe Aghion no início dos anos 80 do século passado (o tempo voa), quando ambos eramos jovens e estávamos ligados ao CEPREMAP (actualmente OFCE), um respeitado centro de investigação em economia quantitativa com sede em Paris, onde partilhámos um pequeno gabinete. Aghion, que na altura se interessava muito por cinema, seguiria para a universidade de Harvard e eu para uma carreira mais pedestre no FMI, mas mantivemo-nos em contacto.

Passados 20 anos, quando já éramos menos jovens, e na altura em que fui afastado das funções que até então ocupava num banco em Portugal, dediquei-me a escrever um programa para o desenvolvimento da economia portuguesa ao qual foi dado o nome de Plano Tecnológico e cujo objetivo era criar um roteiro que servisse de contraponto à ideia então em moda de “choque fiscal”, que considero errada e redutora. O Plano tecnológico foi adotado como programa para a economia nas eleições de 2005, com base nas quais José Sócrates obteve uma maioria absoluta. É consensual que havia, na altura, uma forte vontade reformista.

O plano tecnológico assenta em quatro ideias:

Primeiro, globalização: a economia portuguesa tem recursos mais do que suficientes para ser mais avançada, produzir mais riqueza e criar empregos mais bem pagos: o seu empobrecimento relativo é indesculpável e a solução não é de baixar os braços. Esteve sempre presente que a globalização é uma enorme oportunidade para Portugal, na medida em que facilita a transferência de know how para Portugal e permite tirar partido de mercados de muito maior dimensão.

Segundo, política industrial: hoje em dia, a necessidade de uma política industrial é largamente consensual, mesmo (ou sobretudo) nos Estados Unidos, mas na altura não era. Os partidários da política industrial eram acusados erradamente de não deixar o mercado funcionar, quando o seu objetivo é precisamente o oposto: que ele funcione melhor através de políticas destinadas a ultrapassar os chamados problemas de coordenação. Sem elas, a China não teria sido tão bem-sucedida na mobilidade elétrica, energias limpas e digital.

Terceiro, direção do progresso tecnológico: o motor do crescimento das economias é o progresso tecnológico, o qual é cada vez mais dependente de recursos humanos altamente qualificados, veja-se o caso da AI, mas não só.

Quarto, destruição criativa: o crescimento da economia resulta de um complexo processo dinâmico de destruição criativa, no qual as empresas inovadoras vão substituindo as que se tornam obsoletas.

Estas quatro ideias simples não são meramente do domínio da economia, mas também da política. A globalização tende a não ser gostada à esquerda (e actualmente à direita), a política industrial foi proscrita durante muito tempo pela direita, a direção do progresso tecnológico exige fortes e consistentes apostas no ensino e investigação e a ideia de destruição criativa choca com a manutenção de empresas inviáveis através de processos artificiais.

Pretendi traduzir estas quatro ideias algo teóricas num programa mobilizador, que fosse entendido pelos não especialistas em economia e pudesse ser traduzido em medidas concretas e Phillipe Aghion mostrou disponibilidade para as discutir juntamente com os seus colegas, Daron Acemoglu (do MIT) e Dani Rodrick (de Harvard). Em resultado, quando em 2004 eu estava na NYU em Nova York como visiting scholar, visitei-os em Boston para tentarmos formatar estas ideias e passar da teoria ao concreto. Foi uma experiência inesquecível.

Tudo isto se passou quando Santana Lopes era 1º ministro e era impossível prever que viria a ser demitido (é um embaraço que se possa pensar o contrário), portanto tratava-se de um mero exercício bem-intencionado e porventura algo ingénuo cujo objetivo foi de contribuir para que ideias válidas não ficassem fechadas numa torre de marfim.

Foi aí que nasceram as ideias das energias renováveis, aposta no turismo de (grande) qualidade, simplex, distribuição de computadores nas escolas, introdução do inglês como disciplina obrigatória desde o início da escolaridade, aposta na ciência (em que o saudoso José Mariano Gago teve um papel fundamental) e foi criada uma verdadeira obsessão com os investimentos chamados de modernizadores, quer nos sectores tradicionais como em novas atividades, etc. Nada disto surgiu por impulso, teria sido um erro se fosse o caso, tratou-se de levar à prática ideias que estavam previamente concebidas.

Tenho compreensível orgulho em que algumas das ideias que discutimos na altura tenham influenciado um importante paper académico da autoria de Acemoglu e Aghion intitulado “direção do progresso tecnológico e ambiente”, no qual provam de forma rigorosa que a adoção de novas tecnologias na área daa energias limpas tem custos, mas produz efeitos endógenos positivos sobre a economia. Agora, tal é claro, mas na altura não o era.

Em 2005, Rodrick, Acemoglu e Aghion animaram uma reunião pública em Lisboa em que todas estas ideias foram apresentadas e discutidas e o recém galardoado com o Nobel sempre manteve interesse em acompanhar os progressos de Portugal nas energias renováveis.

Nos dias a seguir à minha demissão do governo em julho de 2009 fiquei surpreendido por ele ter sido dos primeiros a falar-me, tendo-me com grande gentileza desafiado a partilhar na universidade onde ensinava a experiência que, entretanto, tinha acumulado. Na altura, não sabia que uma das grandes riquezas do sistema universitário americano é ter um grande número de professores que não se dedicam à carreira académica em exclusividade.

Phillipe Aghion teve uma forte influência em moldar a forma como vejo o progresso das sociedades e, além disso, sem o saber, influenciou decisivamente as minhas escolhas profissionais na década seguinte.

Acompanhei a transmissão em direto do anúncio dos galardoados com o Nobel de 2025, fiquei tremendamente feliz e veio-me logo à cabeça a seguinte questão: valeu a pena?

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