opinião
Psicóloga, Delegação Regional Sul da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Quando se limpa o que está limpo - Gata Borralheira ou Cinderela?

28 ago 2022, 11:00

O que é a "mania das limpezas" e como lidar com o problema

Todos conhecemos alguém que frequentemente diz algo do género “gostava, mas não posso... tenho que limpar, tenho que aspirar... é dia de limpezas”. São amigos e conhecidos que têm uma preocupação extrema com o limpar e o arrumar e, mesmo com tudo limpo, continuam a limpar.

É surpreendente a competência de se ter uma casa de família com crianças a brilhar em arrumação e limpeza, mas também é surpreendente o peso emocional de quem não consegue parar de limpar e arrumar, pois essa necessidade extrema de higiene pode ser um indicador de algo que não está bem na vida de alguém.

Querer limpeza e higiene é algo protetor, de germes e vírus que andam por aí. Mas se esta necessidade se torna excessiva e não se consegue fazer algo sem limpar e voltar a limpar, para ter a certeza que tudo está limpo, poder-se-á estar perante um problema psicológico sério. Poderá ser um transtorno específico do foro obsessivo compulsivo que é caracterizado pela necessidade de realizar a limpeza, de forma detalhada, várias vezes ao dia, assim como a higiene pessoal, e traz sofrimento e consequências pesadas na vida pessoal e familiar.

Viveram-se tempos conturbados e esta “mania da limpeza” foi publicamente validada pelos cuidados, preocupações e medos relativamente à COVID-19.  O período pandémico, e outros acontecimentos, abriram brechas na segurança e bem estar de cada um e para se estar bem diariamente assimilavam-se informações relativamente a cuidados de higiene, segurança e saúde. Quantos não passaram horas a limpar compras, a desinfetar a casa, a pesquisar o melhor gel, a colocar álcool em sítios antes impensáveis?

Uma ida a um supermercado num shopping, em determinado momento, era uma aventura higiénica: o ser humano passou a ser obrigado a uma desinfestação regular. Entra no shopping desinfeta, entra na loja desinfeta, sai da loja desinfeta...

Mas o facto é que estas ações protetoras da saúde alimentaram a tendência para a limpeza excessiva e tornaram-se protetoras da insegurança pessoal, por baixarem a ansiedade sentida internamente, como se todos os problemas se resolvessem com uma boa vassourada e algum desinfetante. E surge a dúvida: se aquele que limpa é uma Cinderela que apenas quer a casa limpa ou uma Gata Borralheira que não pode parar de limpar?

Os comportamentos de limpeza excessiva poderão ser indicadores de uma perturbação quando os hábitos deixam de ser saudáveis e passam a ser uma obrigação desmedida diária, dominando a vida da pessoa, inibindo momentos prazenteiros e de convívio com amigos e família, quando se deixa de estar para limpar e arrumar.

Normalmente os sintomas começam devagar e aos poucos vão-se instalando e vão-se intensificando. E são muito perturbadores para quem os tem. Frequentemente dizem “eu deveria ir... mas não consigo sair de casa sem fazer... e depois não tenho tempo”. Há alguns sinais de alerta a que se deve estar atento como: pensamentos constantes sobre organização e limpeza, deixar de participar em eventos sociais, como aniversários, para não perder tempo; todos os dias gastar três e mais horas em limpeza; restringir, regularmente, a circulação da família, dentro da própria casa, para não sujar; verificar constantemente de se tudo está limpo e no lugar; limpar coisas que geralmente não se limpam como as próprias chaves; inibir eventos na própria casa porque ela precisa de estar sempre limpa.

Há estratégias para melhorar esta perturbação, como regular o horário de limpeza, estabelecer tarefas por dia, definir limites de tempo para cada tarefa, alterar o foco da atenção de forma a procurar pensamentos e atividades alternativas, não obsessivas. Por exemplo: aquele que ocupa todos os dias três horas ou mais a limpar a sua casa poderá organizar um horário em que estabelece, por dia, 45 min para limpar e inclui no seu horário meia hora de leitura ou algum hobby (bricolage, tricot, desporto, música, culinária) e algumas atividades como uma pequena caminhada, um encontro social ou outra atividade agradável que obrigue a sair de casa e a desfocar o pensamento.

Pode ser muito difícil falar sobre esta dificuldade, pois a fronteira entre o adequado e o exagerado nem sempre é clara. No entanto, é importante fazê-lo para perceber o verdadeiro impacto e significado na vida da pessoa que sofre. O tratamento através de psicoterapia, revela-se adequado a este tipo de problemática, sendo comum o uso de técnicas cognitivo, comportamental e integralistas. É importante falar e agir para evitar que estes sintomas se agravem e se tornem incapacitantes. 

Um psicólogo poderá ajudar a avaliar a problemática sentida, a definir prioridades e a definir a melhor estratégia para cada um. Quem se sente “escravo” dos seus pensamentos e do seu comportamento poderá procurar a ajuda de um profissional de saúde especializado e encontrar uma saída. (https://encontreumasaida.pt/)

Colunistas

Mais Colunistas

Patrocinados