Ronaldo e Manchester: a cronologia de um casamento falhado

14 nov 2022, 11:42
Cristiano Ronaldo no Manchester City-Manchester United

Há 15 meses, o regresso do filho pródigo fez sonhar os adeptos do Manchester United, mas os últimos meses têm mostrado tudo menos um conto de fadas. A partir deste domingo o divórcio parece inevitável e ficam apenas memórias infelizes.

Os últimos acontecimentos esticaram ao máximo a fina corda que vai mantendo Cristiano Ronaldo e Manchester United... ainda unidos.

Numa altura em que a tempestade parecia ter passado, o português regressou ao grupo, marcou um golo, foi três vezes titular e até utilizou a braçadeira de capitão num desses jogos, Ronaldo concedeu uma entrevista explosiva ao jornalista Piers Morgan.

O divórcio parece agora irreversível, até pela forma como o avançado atacou tudo e todos: criticou o clube (que não evoluiu nada nos últimos doze anos), criticou Ten Hag (que não consegue respeitar) e criticou até nomes históricos (como Rooney, que têm inveja dele).

Depois disto parece ficar pouco espaço a uma nova conciliação.

A cada dia que passa, acentua-se a convicção de que o destino de uma das maiores lendas da história do futebol é o de caminhar separado da equipa onde se tornou no melhor jogador do planeta e à qual regressou há 15 meses, e debaixo de enorme expectativa.

Agosto de 2021 – Os rumores de uma possível saída de Cristiano Ronaldo da Juventus adensaram-se ao longo do verão. Na imprensa foram surgindo informações contraditórias, algumas alimentadas por quem estava diariamente com o avançado. A 21 de agosto, Massimiliano Allegri, treinador dos Bianconeri, garantia que o português lhe tinha dito que pretendia continuar no clube; seis dias depois, o mesmo Allegri confirmava a intenção de Ronaldo de sair do clube. À data, como o Maisfutebol chegou a noticiar, Jorge Mendes já tinha estado em Turim para agilizar a transferência do internacional português para Manchester. O outro, o City. Pep Guardiola não confirmou a possibilidade, mas não a negou. «O Cristiano é dos poucos que pode escolher onde jogar», chegou a dizer o treinador do citizens. Horas depois o suspense chegou ao fim: o Manchester United tinha entrado em cena, acenando-lhe com as mesmas condições (financeiras, claro está) do rival, mais a ligação sentimental. Pouco depois das 15h00 de 27 de agosto, o regresso do filho pródigo ao Manchester United 12 anos era oficial.

2021/22 horribilis do Manchester United

Para fora, tudo foi feito para que Cristiano se sentisse cómodo como naqueles seis anos entre 2003 e 2009. O 7, que até pertencia a Cavani, foi-lhe entregue e nos primeiros tempos a veia goleadora manteve-se intacta, com quatro golos nos quatro primeiros jogos.

Na imprensa iam surgindo rumores de desconforto: de que Ronaldo e a família tinham deixado uma luxuosa mansão nos arredores de Manchester devido ao barulho das… ovelhas; do descontentamento de Cavani. Nada que pudesse mexer com o rendimento de CR7 em campo, ele que em setembro foi logo eleito o jogador do mês na Premier League.

Cristiano Ronaldo já saberia que o Manchester United estava longe da equipa que fora na sua primeira passagem sob o comando de Sir Alex Ferguson. Mas acreditaria que, com ele, pudesse voltar a recuperar a força perdida na última década. Não aconteceu. Solskjaer foi demitido em novembro e substituído por Ralf Rangnick, que não fez melhor do que o antecessor.

Em janeiro começaram a surgir os primeiros sinais de que o relacionamento entre CR7 e o treinador alemão estava longe de ser o mais saudável. Após ser substituído no jogo com o Brentford reagiu com notória insatisfação e não esperou por um momento mais recatado para questionar o técnico sobre o motivo de uma opção técnica que para ele era incompreensível. «Não sei se o Ronaldo está feliz em Manchester, não lhe perguntei», disse Rangnick semanas depois, alimentando a ideia, cada vez mais óbvia, de uma divisão.

Abril de 2022 – Acusação de agressão a um adepto e morte de um dos filhos que esperava

Em março, o Manchester United estava já a 20 pontos no líder Manchester City e fora da Taça da Liga inglesa, Taça de Inglaterra e da Liga dos Campeões. A reta final da época foi penosa. A 9 de abril, o avançado português protagonizou um episódio polémico, quando após a derrota com o Everton descarregou a fúria num jovem adepto: deu-lhe uma palmada na mão e partiu-lhe o telemóvel. A polícia abriu uma investigação e a Federação inglesa, cinco meses depois de ter feito o mesmo, acusou Ronaldo de conduta imprópria e/ou violenta. Esse não foi, porém, o pior momento de Cristiano em abril. A 18 de abril foi comunicado que um dos filhos gémeos que esperava com a companheira Georgina Rodríguez não resistiu. O futebol inglês uniu-se no apoio ao português.

Verão de 2022 – o início de uma novela sem fim

Ainda antes do verão, Erik ten Hag e Ronaldo foram trocando elogios públicos: o técnico neerlandês chamava-lhe «gigante», o português dizia-se contente e entusiasmado e garantia estar feliz no Manchester United.

No final de junho começavam a surgir notícias a dar conta da insatisfação de Cristiano relativamente à abordagem do clube ao mercado: muitos jogadores a saírem e ninguém a entrar. Enquanto isso, Jorge Mendes desdobrava-se em contactos com potenciais interessados em acolher o jo.gador, com Chelsea e Nápoles à cabeça, e no início de julho o jogador pediu mesmo ao clube para o deixar sair caso surgisse uma proposta de um clube que ia jogar a Champions. Falar-se-ia também de Sporting,  Atlético Madrid, Bayern Munique, Barcelona, Roma e uma outra vinda da Arábia Saudita: 250 milhões de euros em salários, 125 por cada temporada.

4 de julho – CR7 falha a chamada

Cristiano Ronaldo não se apresentou na data prevista para o regresso aos treinos na segunda-feira. «Motivos familiares», invocou, sem saber ainda quando se juntaria à equipa. O português explicou agora na entrevista a Piers Morgan que a filha recém-nascida teve de ser internada em julho, com três meses de vida. Por isso acusou o clube de falta de «empatia» e garantiu até que houve diretores que duvidaram da palavra dele. O que o fez sentir-se «magoado».

De volta ao início da época, Ten Hag insistia que o jogador entrava nos planos para a nova época. As semanas passaram e Ronaldo continuou sem apresentar-se. Até que a 26 de julho, na reta final da pré-temporada, o avançado chegou, 22 dias depois do previsto, ao centro de treinos do Manchester United acompanhado pelo empresário Jorge Mendes.

31 de julho – O «rei» voltou… com polémica

«Domingo o rei joga», escreveu nas redes sociais a 29 de julho, uma sexta-feira, dois dias antes de um particular com o Rayo Vallecano. Ronaldo jogou, fez 45 minutos e foi visto a deixar Old Trafford quando ainda faltavam dez minutos para o final do jogo. Não foi o único. «Inaceitável, para todos», disparou dias depois Ten Hag.

Agosto – a perda de espaço

Aquém dos índices físicos exigidos, CR7 foi suplente no primeiro jogo oficial da época. Entrou aos 53 minutos na derrota caseira dos Red Devils com o Brighton. «Ronaldo já estará melhor na próxima semana», respondeu Ten Hag logo a seguir ao jogo. Na partida seguinte, o avançado foi titular: esteve em campo os 90 minutos na humilhante derrota por 4-0 diante do Brentford.

16 de agosto – a promessa (ainda) por cumprir

Num comentário a uma publicação numa página de fãs no Instagram, Cristiano promete esclarecimentos para breve. «Saberão a verdade quando der a entrevista, daqui a umas semanas. Os media só dizem mentiras. Tenho um livro de notas e nos últimos meses, das 100 que fizeram, só acertaram cinco. Imaginem como são as coisas.»

22 de agosto – De indiscutível a habitual suplente

Tudo apontava para uma derrota cabal do Manchester United na receção ao Liverpool, mas os Red Devils contrariaram a lógica e bateram o maior rival por 2-1. Cristiano Ronaldo começou no banco e só entrou aos 86 minutos. Nunca tinha jogado tão pouco num jogo para o campeonato em mais de 20 anos de carreira.

A partir daqui, o estatuto de CR7 transforma-se: é suplente nos três jogos seguintes e só se estreia a marcar já depois do fecho do mercado, num jogo da Liga Europa com os moldavos do Sheriff a 15 de setembro. Entretanto, Ten Hag continuava a falar de um Cristiano Ronaldo «totalmente comprometido com o projeto», isto já depois de ter garantido que o português teria um papel importante na equipa.

3 de outubro – De fora contra o Manchester City… por respeito

No campo, a ideia que passava era diametralmente oposta: o papel do avançado na equipa parecia cada vez mais residual. Prova disso foi o facto de não ter saído sequer do banco de suplentes na derrota pesada por 6-3 com o Manchester City, num jogo em que ao intervalo o placard já assinava um 4-0: «Não o meti porque estávamos a perder 4-0 e seria uma falta de respeito pelo Cristiano e pela sua grande carreira», justificou o treinador.

Ten Hag assumia que Ronaldo ficava zangado quando não jogava, mas garantia não o ver infeliz. «Está feliz, a treinar bem e a desfrutar.» Há dias, depois de CR7 se ter estreado a marcar na presente edição da Premier League, o técnico dizia que o jogador estava a melhorar, mas identificou aquilo que entendia ser a base dos problemas de afirmação nestes primeiros meses de temporada. «No início era um caso de falta de forma física, o que prova, mais uma vez, que ninguém pode falhar a pré-época», apontou.

16 de outubro – Novo sinal de desagrado

Na receção ao Newcastle, Ronaldo foi titular apenas pela segunda vez – primeira em mais de dois meses – em 2022/23 em jogos da Premier League. Aos 71 minutos, com 0-0 no marcador, Erik ten Hag tirou-o do jogo para fazer entrar Marcus Rashford. Foi a única substituição que fez nessa tarde. «Precisas de ganhar o jogo», desabafou enquanto deixava o relvado. O resto? Palavras de reprodução desaconselhável.

19 de outubro – A corda mais esticada do que nunca

Depois da titularidade diante do Newcastle (0-0), Ronaldo caiu das opções iniciais na receção ao Tottenham. Aos 89 minutos, quando o Manchester United vencia por 2-0, chamou a atenção de todos, quando se levantou do banco de suplentes e encaminhou-se para o túnel de acesso aos balneários. Pelo caminho, deu dois toques na bola, passou entre colegas que estavam a aquecer e saiu de cena, indiferente às solicitações dos adeptos à boca do túnel. O triunfo dos Red Devils diante de uma das equipas mais fortes da ilha tornou-se secundário. Ten Hag prometeu lidar com a situação no dia seguinte.

20 de outubro - O «day after»

No dia seguinte, o Manchester United informou num curto comunicado que o português estava fora do próximo jogo, mais um contra um dos principais adversários. «Cristiano Ronaldo não vai fazer parte da equipa do Manchester United para o jogo da Premier League deste sábado contra o Chelsea. O resto da equipa está totalmente focada na preparação desta jornada.»

Na habitual conferência de imprensa, Ten Hag foi um bocado mais longe. «Tenho de definir padrões e controlá-los. Depois do Rayo Vallecano [na pré-época, quando alguns jogadores deixaram o estádio mais cedo], disse-lhe que foi inaceitável. Agora foi a segunda vez e tem de haver consequências», referiu o treinador.

Já depois disso, CR7 reagiu através de uma publicação nas redes sociais. Garantiu que o respeito que tem por colegas adversários e treinadores é o mesmo de há 20 anos e assumiu ter errado. «Por vezes, o calor do momento leva a melhor. Agora, apenas sinto que tenho de trabalhar arduamente em Carrington, apoiar os meus colegas e estar pronto para tudo em qualquer jogo. Ceder à pressão não é uma opção. Nunca foi. Isto é o Manchester United e unidos devemos permanecer. Em breve estaremos juntos.»

25 de outubro -  O regresso ao grupo

Após um fim de semana a treinar sozinho, Cristiano Ronaldo foi reintegrado no plantel no regresso aos trabalhos, na terça-feira seguinte ao empate com o Chelsea. Na quinta-feira, o português voltou a jogar, foi titular e fez um golo frente ao Sheriff. Os dias cinzentos pareciam ser parte do passado. «Continuamos juntos. Vamos, United!», escreveu o jogador. «Foi ótimo. Ele criou oportunidades e a equipa também criou para ele. Ele precisava de um golo para pôr fim a esta fase e mais virão, estou confiante disso», elogiou Ten Hag.

O treinador enterrou o machado de guerra e tornou Ronaldo titular nos três jogos seguintes: noventa minutos frente ao West Ham, à Real Sociedad e na pesada derrota (3-1) com o Aston Villa, um jogo no qual o português até foi promovido a capitão da equipa. Pelo meio mais elogios de Ten Hag.

«Estamos felizes porque ele está de volta, é um jogador importante do plantel, é o nosso goleador. Espero que ele se mantenha, porque pode ser ainda mais importante e tenho a certeza de que ele pode fazer isso», referiu.

10 de novembro - Outra vez de fora e a entrevista explosiva

Cinco dias depois, a 10 de novembro, o Manchester United volta a defrontar o Aston Villa e desta vez vence por 4-2, para a Taça da Liga. A diferença é que Ronaldo não foi convocado para o jogo. Supostamente, adiantou o clube, por estar doente. Neste domingo, frente ao Fulham, o United volta a vencer, agora o Fulham, e Ronaldo continua de fora. Ainda por lesão.

À noite são libertados os primeiros excertos de uma entrevista explosiva do português a Piers Morgan. Entre outra coisas diz que não tem respeito pelo treinador Ten Hag e que se sentiu traído. «Forçaram a minha saída. Não só o treinador [Ten Hag], mas também duas ou três pessoas à volta do clube. Senti que algumas pessoas não me queriam no Man United, não só este ano, mas também na última época.»

 

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