Uma cidade flutuante está a emergir nas Maldivas. Queria viver aqui?

CNN , Nell Lewis
26 jun 2022, 10:00

Uma cidade está a emergir das águas do oceano Índico. No meio de uma lagoa turquesa, a apenas 10 minutos de barco de Male, a capital das Maldivas, está a ser construída uma cidade flutuante, suficientemente grande para alojar 20.000 pessoas.

Desenhada num padrão semelhante ao do coral-cérebro, a cidade será composta por 5.000 instalações flutuantes, incluindo casas, restaurantes, lojas e escolas, com canais que se estendem por entre elas. As primeiras instalações serão reveladas este mês e os residentes poderão começar a circular no início de 2024, sendo que toda a cidade estará concluída apenas em 2027.

O projeto, criado pelo promotor imobiliário Dutch Docklands e o governo das Maldivas, não pretende ser uma mera experiência ou uma visão futurista: está a ser construído como uma solução prática para a elevação do nível do mar.

Com um arquipélago de 1.190 ilhas baixas, as Maldivas são uma das nações mais vulneráveis do mundo às alterações climáticas. Atualmente, 80% da sua superfície terrestre está a menos de um metro acima do nível do mar, e prevendo-se que os níveis aumentem até um metro por volta do final do século, o país corre o risco de ficar completamente submerso.

Se a cidade flutuar, pode elevar-se juntamente com o mar. Esta é “a nova esperança” para população de mais de meio milhão das Maldivas, disse Koen Olthuis, fundador do Waterstudio, o escritório de arquitetura que desenhou a cidade. “O projeto pode provar que é possível haver habitação acessível, grandes comunidades, e cidades normais sobre água igualmente seguras. Eles (Maldivas) passarão de refugiados climáticos a inovadores climáticos”, disse ele à CNN.

O centro de arquitetura flutuante

Nascido e criado nos Países Baixos, onde cerca de um terço da terra está abaixo do nível do mar, Olthuis sempre viveu perto da água. A família do lado da sua mãe eram construtores navais e o seu pai nasceu no seio de uma linha de arquitetos e engenheiros, por isso parecia mais que natural conjugar as duas áreas, contou ele. Em 2003, Olthuis fundou o Waterstudio, um escritório de arquitetura inteiramente dedicado à construção de projetos em água.

Nessa altura havia sinais de alterações climáticas, mas não era considerado um problema suficientemente grande para se poder construir uma empresa com base nisso, disse ele. O maior problema na altura era o espaço: as cidades estavam a expandir-se, mas os terrenos adequados para novos desenvolvimentos urbanos estavam a esgotar-se.

No entanto, nos últimos anos, as alterações climáticas tornaram-se “um catalisador”, fazendo com que a arquitetura flutuante se torna-se a resposta para muitos problemas, disse ele. Nas últimas duas décadas, o Waterstudio desenhou mais de 300 casas flutuantes, escritórios, escolas e centros de saúde em todo o mundo.

Os Países Baixos tornaram-se num centro para o movimento, o berço de parques flutuantes, onde existe uma quinta de produtos lácteos e um edifício de escritórios flutuante, que serve de sede para o Centro Global de Adaptação (GCA), uma organização centrada em soluções de adaptação climática em escala.

Patrick Verkooijen, CEO do GCA, vê a arquitectura flutuante como uma solução prática e economicamente inteligente para a subida do nível do mar.

A sede do Centro Global de Adaptação está ancorada no rio Nieuwe Maas em Roterdão. Créditos: Marcel IJzerman

“O custo de não se adaptar a estes riscos de inundações é tremendo”, disse ele à CNN. “Temos uma escolha a fazer: ou adiamos e pagamos pelos nossos erros, ou planeamos e prosperamos. Os escritórios e edifícios flutuantes fazem parte deste planeamento contra as alterações climáticas do futuro”.

No ano passado, as inundações custaram à economia global mais de 73 mil milhões de euros, segundo a agência de resseguros Swiss Re, e como as alterações climáticas provocam condições meteorológicas ainda mais extremas, espera-se que os custos aumentem. Um relatório do Instituto Mundial de Recursos prevê que, até 2030, a propriedade urbana no valor de mais de 667 mil milhões de euros será afetada anualmente pelas inundações costeiras.

Contudo, apesar do impulso dado nos últimos anos, a arquitetura flutuante ainda tem um longo caminho a percorrer em termos de escala e de acessibilidade, disse Verkooijen. “Este é o próximo passo desta jornada: como podemos aumentar a escala, e ao mesmo tempo, como podemos avançar mais rapidamente? Há uma urgência em relação a estes fatores”.

Uma cidade normal a flutuar

O projeto das Maldivas visa alcançar este plano, construindo uma cidade para 20.000 pessoas em menos de cinco anos. Foram iniciados também outros projetos para cidades flutuantes, tais como Oceanix City em Busan, na Coreia do Sul, e uma série de ilhas flutuantes no Mar Báltico desenvolvidas pela companhia holandesa Blue21. No entanto, nenhuma delas consegue alcançar a escala desta empresa.

A cidade do Waterstudio foi desenhada para atrair a população local com as suas casas coloridas, varandas largas e vistas para o mar. Os residentes irão deslocar-se em barcos, a pé, bicicleta ou conduzir trotinetas eléctricas ou buggies ao longo dos caminhos de areia.

A capital das Maldivas está extremamente povoada, não havendo mais espaço para se expandir. Créditos: Carl Court/Getty Images AsiaPac

A cidade proporciona espaço que é difícil encontrar na capital. Male é uma das cidades mais povoadas do mundo, com mais de 200.000 pessoas comprimidas numa área de cerca de oito quilómetros quadrados. E os preços são competitivos com os do Hulhumalé, uma ilha construída pelo Homem nas proximidades para facilitar a superlotação. O preços rondam 143.000 euros por um estúdio ou 238.000 euros por uma casa, diz Olthuis.

As instalações modulares são construídas num estaleiro local, sendo depois rebocadas para a cidade flutuante. Depois de colocadas nas suas posições, são fixadas a um grande casco de betão subaquático, que é aparafusado ao fundo do mar em estacas telescópicas de aço que permitem uma flutuação suave. Os recifes corais que rodeiam a cidade servem como um quebra ondas natural, estabilizando-as e impedindo os habitantes de sentirem enjoos provocados pelas ondulações.

Segundo Olthuis, o potencial impacto ambiental da estrutura foi rigorosamente avaliado por especialistas locais de corais e aprovado pelas autoridades governamentais antes do início da construção. Para apoiar a vida marinha, bancos artificiais de coral feitos de vidro prensado estão ligados à parte inferior da cidade, o que, segundo ele, ajuda a estimular o crescimento natural dos corais.

O objetivo é que a cidade seja auto-suficiente e tenha todas as mesmas funções que uma em terra. Haverá electricidade, alimentada predominantemente por energia solar gerada no local, e os esgotos serão tratados localmente e reutilizados como estrume para as plantas. Como alternativa ao ar condicionado, a cidade utilizará o arrefecimento das águas profundas do mar, o que implica bombear água fria do mar profundo para a lagoa, contribuindo para a poupança de energia.

Ao desenvolver uma cidade flutuante completamente funcional nas Maldivas, Olthuis espera que este tipo de arquitetura venha a ser incentivada e celebrada. Deixará de ser uma “arquitetura excêntrica” encontrada em locais luxuosos encomendados pelos mais ricos, mas sim uma resposta às alterações climáticas e à urbanização, que é simultaneamente prática e acessível, explicou ele.

“Se eu, como arquitecto, quiser fazer a diferença, tenho de subir a fasquia”, disse ele.

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