Zicky: o menino da Guiné que foi do rinque ao Sporting e à Seleção

20 abr 2021, 09:24

Pivô de 19 anos ficou em definitivo no plantel principal dos leões esta época. Já foi lançado por Jorge Braz. Venceu Taça de Portugal e Taça da Liga. Agora, olha à Champions e à Liga

«Mais longe e mais alto» é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Primeira época como sénior absoluto no Sporting. Uma Taça da Liga com dois golos marcados na final. Estreia na seleção A, com papel na qualificação para o Europeu. Já nomeado para melhor sub-21 do mundo. E sonhos para cumprir.

Izaquiel Gomes Té, conhecido por Zicky devido a uma prima, é o luso-guineense de 19 anos que está a dar cartas no futsal dos leões. Nasceu em Bissau, veio para Portugal aos seis anos por força da família e cresceu a jogar no apelidado rinque Bafatá (que também é uma cidade da Guiné-Bissau) em Santo António dos Cavaleiros, no concelho de Loures, onde vive.

O pivô cedo começou a jogar futsal. Foi no GROB – Grupo Recreativo Olival Basto em 2011/2012. Mudou-se ainda nessa época para o PSAAC – Póvoa de Santo Adrião Atlético Clube, onde esteve até o Sporting resgatá-lo, em 2014.

Daí para cá, sempre a subir. Em 2018, estreou-se nos seniores com 17 anos, a mesma idade com que se tornou o mais jovem a marcar um golo na Liga. Hoje, é opção clara para Nuno Dias: 36 jogos e 14 golos em 2020/2021.

«Está a ser a minha melhor época no Sporting. Tenho estado bem. Com a ajuda da equipa e a preparação que foi feita nos juniores, tenho conseguido enquadrar-me. A nível coletivo, o Sporting entra para ganhar em tudo. Passa por ganhar tudo e, claro, sermos campeões nacionais», diz Zicky, nas primeiras palavras ao Maisfutebol, num traço claro sobre a atualidade de leão ao peito.

Dos 14 golos que já marcou, há três mais especiais. No primeiro dérbi que jogou, a 17 de março, fez o golo que permitiu ao Sporting empatar com o Benfica na Luz para manter a liderança na fase regular do campeonato, que termina este sábado: o Sporting lidera com 81 pontos, mais dois que as águias. Onze dias depois, bisou na vitória por 6-2 para o título na Taça da Liga, o seu segundo como sénior, depois da Taça de Portugal da época passada. Não teve adeptos, mas foi marcante. Afinal, é o jogo dos jogos a nível nacional.

«No primeiro dérbi, não era pensável acontecer para um jovem da minha idade. Chegar lá, marcar um golo, dar o empate à equipa e manter o primeiro lugar, que é o que queremos, é inesquecível. Na Taça [da Liga], não só a final, o trajeto foi extraordinário e ter chegado à final e ajudado a equipa com dois golos e uma assistência foi um sonho», declara.

Zicky leva 14 golos apontados pelo Sporting em 2020/2021. O último foi ao Caxinas (Foto: Sporting CP)

Ascensão para a estreia na seleção

A dar nas vistas no Sporting, Zicky foi chamado pela primeira vez à seleção principal de Portugal para estágio, em dezembro último. Já entre março e abril, viu Jorge Braz dar-lhe estreia absoluta, com participação nos quatro jogos finais de apuramento para o Europeu. Um feito inegável, após ter representado sub-21, sub-19, sub-18 e sub-17.

«Foi como no Sporting: estamos ali, somos um bando de miúdos que um dia ambiciona chegar à seleção. Víamos o Ricardinho, o Cardinal, o João Matos, o Pany e dizíamos: “queremos chegar lá”. E, quando lá chegamos, às vezes parece patético, mas fico a olhar à minha volta e estou a jogar mesmo com os melhores. São momentos que me deixam contente», aponta.

Depois da estreia, é possível pensar no Mundial na Lituânia em setembro? Ou no Europeu em 2022?

«Esperança tenho sempre, mas não crio essas expectativas. Eu crio o meu trabalho diário, que é estar primeiro no clube e trabalhar arduamente. Se isso acontecer, será tremenda felicidade, com 19 anos, ir a um Mundial. É um sonho, mas é algo que não posso estar a pensar. Tenho é de pensar em trabalhar para que haja possibilidade de ir», reconhece.

Agora… agora a Liga dos Campeões

Ainda que com o campeonato como grande objetivo, o Sporting tem, dentro de menos de duas semanas, a ‘final eight’ da Liga dos Campeões. Zicky não esconde que era um «sonho» poder ganhar a competição. Nos quartos de final, os verde e brancos jogam com o KPRF Moscovo, a 29 de abril.

«O maior sonho e objetivo que tenho atualmente é um que está ao alcance já daqui a uma semana ou duas, que é a Champions. É um sonho. Todos os dias tenho visões de estarmos a festejar com a Taça da Champions. É algo que ambiciono muito», expressou.

Ídolo? O primo que o levava para o rinque

Zicky cresceu também a jogar na rua, com amigos e atuais colegas no futsal, como Hugo Neves ou Sévio (este emprestado pelo Sporting à Burinhosa). E se diz admirar as referências leoninas na sua posição nos últimos anos – Cardinal, Fortino, Rocha ou Dieguinho – o jovem assume que é Domingos, um primo, o seu ídolo. Era quem levava Zicky jogar para o rinque, onde respirou a pureza de ter a bola no pé.

«Aqui, em Santo António dos Cavaleiros, nós tínhamos aquela cena de as crianças não poderem jogar com os mais velhos. Eles não deixavam e o meu primo, que me vinha buscar a casa, dizia: “tu vais ficar na minha equipa, vais jogar”. Cais, tens de levantar. Se és fintado, tens de correr atrás. Se fintas, tens de marcar golo ou fazer assistência. Foi mais ou menos um mentor e um segundo treinador fora do Sporting. O meu crescimento, sem ele, não seria tão bom. Ele era o melhor jogador de Santo António dos Cavaleiros, mesmo máquina».

Zicky Té (à direita), com Hugo Neves (colega no Sporting) e Sévio Marcelo nas seleções jovens de Portugal (arquivo pessoal)

Mas o primo de Zicky nada deu no futebol: até chegou a treinar no Benfica, FC Porto e V. Guimarães. Ainda assim, o pivô do Sporting tem outro primo nessas andanças: Mésaque Djú, ex-Benfica, atualmente nos sub-23 do West Ham, em Inglaterra.

Em jeito de brincadeira, Zicky admite as saudades que tem de voltar ao rinque, mas a pandemia – e o profissionalismo no Sporting – impedem-no agora. «Vontade não me falta. Temos um orgulho enorme em dizer que jogamos no Bafatá», confessa.

O golo mais jovem, as duras e o trabalho mental

Foi a 16 de outubro de 2018 que Zicky entrou para a história com o golo mais jovem na Liga. Foi com 17 anos, um mês e 15 dias, frente à Burinhosa. Não esquece. «Na altura que fiz o golo não tive a noção que consegui esse grande feito. Ao contar este momento arrepio-me. Não só pelo que envolve, mas por ver os meus colegas festejar o meu sucesso e por quanto os que estão na formação ambicionam um dia fazer um golo pela equipa principal ou chegar lá».

Por outro lado, sendo o segundo mais novo do plantel, Zicky tem o outro lado: aprender com os mais velhos. Ouvir, por vezes, as «duras». No bom sentido. Para corrigir e melhorar. Nos últimos tempos, trabalhou até com um mental coach, para evoluir nas capacidades humanas e mentais aliadas ao desporto.

«É fácil um jovem da minha idade ceder à pressão, acusar nervosismo e até ir abaixo. Há momentos do jogo ou do treino que é normal, eu senti isso e já me afetou um bocado. Também posso partilhar, não é segredo, que tive a felicidade de trabalhar com um mental coach, o Mário Miguel, que me tem ajudado no trabalho mental e na preparação do cérebro para evoluir mais como pessoa e jogador. Esse trabalho tem sido importante», diz.

Porque, em suma, tudo muda de um ano para o outro. E para Zicky, tem sido a subir. «Afinal, estou a jogar com as pessoas que, literalmente, via na televisão e assistia da bancada».

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