Edu Sousa, o jovem guardião português que brilha no futsal espanhol

27 jul 2020, 23:43
Edu Sousa (Valdepeñas)

Uma aposta de risco resultou numa época de sonho com a presença em duas finais, a chamada à seleção e a distinção como melhor guarda-redes da liga mais competitiva do mundo

Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Há um ano, Edu Sousa trocou o Osasuna Magna, terceiro classificado na liga espanhola de futsal, pelo modesto Valdepeñas, que tinha escapado por um triz à descida. «Toda a gente me dizia que era arriscado, mas eu já tinha na cabeça que queria sair», recorda o guarda-redes português de 23 anos. O risco compensou e Edu teve uma época de sonho: chegou às finais da Liga Espanhola e da Taça de Espanha frente aos tubarões Inter Movistar e Barcelona, foi chamado pela primeira vez à Seleção Nacional, e foi eleito melhor guarda-redes da liga esta temporada.

Em entrevista ao Maisfutebol, o jogador conta como tem sido o seu percurso no futsal, desde o dia em que resolveu trocar de modalidade até este momento alto e, claro, revela os objetivos para o futuro.

Comecemos pelo princípio. Nascido em Mirandela, Edu mudou-se com a família para Eibar, em Espanha, aos 12 anos. Foi lá, no Eibar, que deu os primeiros pontapés mais a sério na bola. «Ainda fui treinar ao Mirandela, mas só fiz dois ou três jogos, por isso, nem o tenho em conta», faz questão de explicar.

«Comecei a jogar porque o meu pai também jogava e ele sempre foi o meu exemplo», conta Edu. Do pai, que jogou futebol e futsal a nível profissional, o jovem ganhou «o bichinho» das duas modalidades. «Como via desde pequeno, consigo gostar muito dos dois. Parecem muito parecidos, mas depois, a jogar, são muito diferentes», explica.

Era então futebol que o pequeno Edu jogava até que, aos 14 anos, uns amigos que praticavam futsal o convidaram a ir treinar com eles. «Eu fui e gostei mais. Comecei a treinar futsal mais vezes e aos 16 anos troquei e fiquei no clube com eles.»

E porquê a escolha do futsal? «É muito mais dinâmico, então para os guarda-redes... Eu gosto de defender bolas e no futebol os guarda-redes defendem quatro ou cinco bolas por jogo. No futsal, num minuto, podes defender dez. Eu gostava de estar sempre a defender, gostava do jogo dinâmico, por isso escolhi futsal».

Edu conta ainda que a posição que ocupa não foi nenhum acaso, nem fruto de ter tirado o pauzinho mais curto. «Sempre gostei e admirei muitos guarda-redes. Sei que é difícil, e às vezes passas de herói a ser o pior, mas nunca tive dúvidas e era sempre aquele que levantava a mão para ir à baliza».

Aos 16 anos, Edu tornou-se então jogador do Debabarrena e rapidamente foi subindo de patamar. «Eu era júnior e já treinava nos seniores. Aos 17 anos subimos à segunda divisão e aos 18 mudei para uma equipa de Bilbau, o Zierbena. Estive lá dois anos e depois tive a oportunidade de ir para o Osasuna, para a primeira divisão. Em quatro, cinco anos passei de jogar nos juniores com os meus colegas a estar na primeira divisão. Foi muito rápido», aponta.

Tão rápido, que surpreendeu o próprio jogador. «O meu treinador já me tinha dito que o Osasuna andava a perguntar por mim, que me queria contratar, mas eu não acreditava. Quando chegou o verão e vi a chamada fiquei mesmo surpreendido», garante Edu, que recorda que a surpresa não o impediu de reagir rápido.

«Demorou cinco minutos a minha decisão. Disse logo que sim e passei dois grandes anos lá», assegura.

Aos 19 anos, Edu tinha então chegado à primeira divisão espanhola de futsal e não esquece o primeiro jogo nesse escalão. «Estava mesmo nervoso. Era um salto muito grande, passar da segunda divisão para o Osasuna, que era uma equipa que estava sempre entre as quatro primeiras da Liga. Senti muita pressão nesse primeiro jogo, mas também tinha muita vontade de mostrar o guarda-redes que eu era.»

E era preciso mostrar muito porque a concorrência era forte. «Eu sabia que ia ser muito difícil jogar porque estava lá o Asier Llamas, um dos melhores guarda-redes espanhóis. Joguei menos do que gostava, mas deu para aprender muito e essa aprendizagem também ajudou para a decisão de sair e vir para o Valdepeñas este ano», garante Edu, explicando o que motivou essa mudança.

«No Osasuna, no ano passado, ficámos em terceiro e o Valdepeñas ficou um lugar acima da descida, então toda a gente me dizia que era arriscado, mas eu já tinha na cabeça que queria sair. Queria jogar mais, ter mais experiência e chegar à seleção», explica o guardião.

«Apostei pelo projeto do Valdepeñas e por sorte, e muito trabalho, consegui fazer as duas coisas e fizemos uma época de sonho.»

Os resultados conseguidos durante esta temporada foram muito além dos objetivos traçados pela equipa. «Nós sabíamos que o clube tinha feito uma equipa para não descer de divisão. O nosso objetivo era garantir a permanência o mais rapidamente possível, nunca pensámos que iríamos alcançar as duas finais: da Taça e da Liga», confessa Edu.

«Quando garantimos a permanência, começámos a jogar cada vez melhor, tirámos aquela pressão e viu-se o melhor Valdepeñas da história. O clube está há dois anos na primeira divisão, no ano passado lutou para não descer e agora está a lutar por títulos. Ninguém acreditava, não é? Sabemos que vai ser muito difícil igualar este ano», admite.

E qual foi o segredo? «Trabalhámos imenso, treinámos muito, mas o maior segredo foi o grupo. Fizemos dos jogadores uma família. Estávamos sempre juntos depois dos treinos, dos jogos, convivíamos muito e acho que isso ajuda muito uma equipa. Todos a lutar por todos e quando um estava pior, o outro ajudava. Isso fez a diferença.»

A primeira final alcançada foi a da Taça. O Valdepeñas deixou pelo caminho o Inter Movistar, clube em que jogou Ricardinho até final desta temporada, num jogo em que Edu deu nas vistas, e defrontou o Barcelona no derradeiro encontro.

«Nós nem acreditávamos quando chegámos à final da Taça. Foi o momento que mais desfrutei e marcou-me, tanto pela positiva como pela negativa, quando perdemos. Foi muito duro. Estávamos convencidos de que íamos ganhar e, no fim do jogo, ficámos convencidos de que podíamos ter feito melhor. Tivemos ali uns dois ou três dias em que foi difícil de aceitar», confessa Edu.

«O que muita gente nos diz é que perdemos as finais contra duas equipas como o Barcelona e o Inter Movistar, mas na nossa cabeça isso não faz muita diferença», acrescenta, explicando que essa primeira final foi também importante porque «subiu muito a moral da equipa» para o resto do campeonato.

Só que, de repente, o mundo mudou por causa da pandemia de covid-19 e o futsal parou. «Espanha foi dos países do mundo mais afetados. Nós tínhamos de estar em casa, treinávamos todos os dias por videoconferência e isso foi o que nos manteve um bocadinho em forma. Não podíamos fazer nada. O país estava cheio de infetados, havia muitos mortos e estivemos quase três meses confinados em casa. Só vínhamos à rua fazer as compras e no último mês já nem isso, levavam-nos a casa», conta Edu.

«Foi muito complicado. Foi logo a seguir à final da Taça, vínhamos com a pilhas carregadas depois daquele patamar alto que atingimos e ficar fechados em casa três meses foi uma coisa muito estranha e difícil de lidar», explica.

O campeão espanhol foi esta época decidido num playoff com os oito primeiros, disputado no final de junho e sem público, decisão tomada em maio, após dois meses de interrupção da competição.

«Acho que já todos pensávamos que não íamos jogar mais, tínhamos desconectado um bocadinho do futsal, mas quando disseram que ia haver playoff, rapidamente retomámos os treinos», conta Edu.

O formato da prova deu alento aos jogadores da equipa que se revelava a surpresa da Liga. «O outro playoff é muito mais complicado. Ganhar três jogos ou cinco a uma equipa como o Inter Movistar ou o Barcelona é muito difícil. Então quando soubemos que o playoff ia ser só a um jogo, achámos que tínhamos muitas oportunidades de fazer história. Trabalhámos muito. Em duas semanas treinámos quase todos os dias duas vezes por dia… preparámos os jogos até demais, às vezes, mas foi graças a esse trabalho que conseguimos chegar à final», garante.

«Toda a gente pensava que tínhamos chegado à final da Taça por sorte, mas nós mostrámos que não, que estávamos ali por algum motivo e que somos uma equipa com muita qualidade, que vai sempre à luta. Ficou esse gosto amargo de poder ter ganho alguma coisa e não ganhar nada. Sabemos que vai ser difícil voltar a jogar outra final. Agora parece que nem acreditamos no que fizemos, mas daqui a uns aninhos já vamos ver que aquilo foi mesmo espetacular. Há equipas muito melhores do que nós que há muito tempo não conseguem chegar a duas finais consecutivas», aponta.

Uma das equipas que o Valdepeñas deixou pelo caminho foi o Osasuna, antiga equipa de Edu. Na final, o Valdepeñas defrontou então o Inter Movistar, sem Ricardinho, já que o internacional português viu todos os jogos na bancada por causa de um diferendo com o clube do qual já tinha anunciado a saída.

«Nós sabíamos que ele não ia jogar, mas acho que ninguém sabe ao certo o que se passou. Ele deu muito a esse clube e ao futsal espanhol, deviam estar-lhe agradecidos. Foi estranho vê-lo ali sentado, mas, para nós, não jogar o Ricardinho foi melhor. Ele é o melhor jogador do mundo», confessou o guardião.

Mesmo sem Ricardinho, e apesar de o jogo terminado com um empate (3-3), o Inter Movistar acabou por se sagrar campeão por ter sido a melhor equipa da fase regular. «Sabíamos que ia ser um jogo muito complicado porque eles têm grandes jogadores, grandes estrelas de todos os países. É uma equipa feita para ganhar títulos, para jogar finais. Eles já estão mais do que habituados àqueles jogos. Já nem têm aqueles nervos porque já estão habituados e isso às vezes faz a diferença», recorda Edu, apontando: «Muitos jogadores da nossa equipa nunca tinham jogado um playoff ou uma taça. E isso faz com que, às vezes, falhes ou cometas erros que não cometes quando estás tranquilo».

O guardião português explica que o Valdepeñas também sentiu bastante a falta dos adeptos. «Foi mesmo muito estranho jogar sem público. Parecia que estávamos a treinar, mas um bocadinho mais a sério. A nossa equipa tem uma claque que é uma loucura, é a melhor claque de Espanha. Fazem-nos muita falta nos jogos.»

Em outubro ainda pode vir mais uma notícia para ampliar o feito histórico do Valdepeñas e de Edu. É que, a não ser que Barcelona ou ElPozo Murcia vençam a Liga dos Campeões, o pequeno clube irá marcar presença na prova continental da próxima temporada.

«Sabemos que pode ser uma oportunidade única para o Valdepeñas estar na Liga dos Campeões, mas temos de esperar por essa final four de outubro e torcer pelas equipas da Rússia [KPRF e Tyumen] para mantermos o lugar na Liga dos Campeões. Seria a cereja no topo do bolo desta época», diz Edu.

Esta foi também a temporada em que o jovem guarda-redes português cumpriu outro objetivo e viu, pela primeira vez, o seu nome numa convocatória da seleção Nacional.

«Foi incrível. Eu nem acreditava. Estava a treinar e, quando saí, tinha o telefone cheio de chamadas e mensagens de colegas e foi quando vi a convocatória. Foi um orgulho e uma satisfação. Era uma coisa de que estava à espera há muito tempo e agora tenho de trabalhar para continuar a ir e ver o meu nome na lista do Mundial», aponta Edu, que considera a chamada como «o momento mais importante da carreira.»

«Acho que aproveitei e estive bem», disse, garantindo: «Lá foi tudo muito natural, acolheram-me muito bem. Entrei logo no grupo. Foi uma sensação maravilhosa. Está bem que no primeiro jogo tinha um bocadinho de nervos, mas o grupo, o staff e o mister Jorge Braz ajudaram. Foi espetacular. É uma família», assegura o guarda-redes, que se estreou com a camisola das Quinas nos particulares frente à França, em dezembro, e foi depois também chamado para o jogo da Ronda de Elite, em janeiro.

A época de sonho valeu a Edu ser nomeado para melhor guarda-redes da liga espanhola. No top três concorreu com Juanjo, do Barcelona, e Jesús Herrero, do Inter Movistar. «Já estar nos três melhores é um orgulho imenso. Agora temos de esperar pelo resultado, mas, depois da época que fiz e de ter ajudado o Valdepeñas a chegar a duas finais, acho que tenho muitas possibilidades de conseguir esse reconhecimento.»

Na altura em que a entrevista foi feita, ainda não era conhecido o resultado da eleição, que acabou por ser anunciado esta terça-feira de manhã e Edu foi mesmo distinguido como o melhor guarda-redes da temporada na liga espanhola.

Depois de a mudança para o Valdepeñas se ter mostrado uma aposta acertada, Edu acabou agora de renovar contrato com o clube. «Tive propostas mais vantajosas de Espanha e Itália, mas decidi continuar a apostar neste projeto», conta.

E gostaria de um dia jogar em Portugal? «Sim, mas tem de ser para uma equipa que luta por títulos e toda a gente sabe quais são. Sei que não é fácil, mas ainda sou jovem e vou continuar a trabalhar para melhorar e ganhar experiência e não há sítio melhor para isso porque estou na melhor liga do mundo», garante o guardião.

O jovem, que «sempre disse que queria ser jogador» e trabalhou para isso, não deixa de ter um plano B, já que também fez o curso de Desporto da Universidade de Eibar, «para poder vir a ser professor de Educação Física».

«Os meus pais meteram-me isso na cabeça: primeiro eram os estudos e depois o desporto. Por sorte consegui chegar àquilo que queria e ainda falta muito percurso para poder conseguir mais coisas, mas nunca se sabe o que vai acontecer. Às vezes as coisas correm bem, outras vezes não... E depois também acaba, não dura toda a vida», explica.

Para já, o professor Edu ainda vai ter de esperar, porque este é o momento de o guarda-redes brilhar.

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